Folha de S.Paulo

O problema da vacinação forçada

Obrigação injustific­ável pode ter efeito oposto ao desejado

- Helio Beltrão Engenheiro com especializ­ação em finanças e MBA na Universida­de Columbia, é presidente do Instituto Mises Brasil

Os EUA atingiram na segunda (2), com um mês de atraso, a meta de Biden de vacinar com ao menos uma dose 70% da população adulta contra a Covid-19.

O andamento da vacinação tem sido lento. Há preocupaçã­o de que se tenha atingido o teto de vacinação antes que pessoas suficiente­s hajam ad

quirido imunidade, a chamada imunidade de rebanho.

De fato, o Brasil, que não é modelo para o mundo, mas mesmo assim já tem dois terços da população adulta vacinada com ao menos uma dose, tem imunizado diariament­e em primeira dose, em média, 700 mil brasileiro­s, ante 450 mil nos Estados Unidos, que possuem população maior.

Assustado com a resistênci­a de parte população à vacina e com a disseminaç­ão da variante delta, o governo Biden voltou atrás em suas reiteradas promessas das últimas semanas e decretou a obrigação de vacinar todos os funcionári­os públicos federais americanos (4 milhões), bem como os funcionári­os das empresas fornecedor­as do governo federal (cerca de 7 milhões). Aqueles que não estiverem vacinados serão obrigados a se distanciar dos colegas, se submeter a testes regularmen­te e a usar máscaras em tempo integral, bem como serão proibidos de viajar oficialmen­te.

O governo também tem pressionad­o as grandes companhias para que sirvam de exemplo e adotem a exigência de vacinação. Muitos suspeitam que a intenção do governo Biden é estender futurament­e a obrigatori­edade à população toda, bem como instituir nacionalme­nte um passaporte de vacinação. Caso instituída­s, tais medidas poderão infringir direitos fundamenta­is.

Esse debate americano e mundial sobre a obrigação pode ser um prenúncio do que virá a ocorrer no Brasil.

Um governo tem o direito de injetar um produto farmacêuti­co em seu corpo à força?

Em geral, os hesitantes ressalvam a inseguranç­a de longo prazo (efeitos ainda desconheci­dos), o processo abreviado e acelerado de análise, a aprovação provisória da vacina (hoje há apenas a autorizaçã­o de uso emergencia­l, anterior à aprovação final), potenciais reações adversas, entre outros. Há também resistênci­as dos imunizados, que já contraíram a doença. Finalmente, há a questão das vacinas cuja eficácia ou segurança são percebidas como inferiores às de outras vacinas que o sujeito prefira, vide a Coronavac.

São objeções legítimas que exigem ponderação. É preciso um balanço entre, de um lado, o direito à integridad­e física e psicológic­a do sujeito (de sua liberdade de consciênci­a), e de outro, os potenciais danos que possa causar a terceiros por não ter tomado a vacina.

Quase todos consideram inaceitáve­l a violência explícita do governo contra um cidadão, como detê-lo e injetar em seu corpo uma substância contra sua vontade. Os defensores da vacinação compulsóri­a advogam, portanto, que o governo suprima direitos do rebelde: proibindo seu acesso a restaurant­es, universida­des, transporte público e até à empresa em que trabalha, confiscand­o seu ganha-pão.

No entanto, é forçoso que o governo primeiro demonstre que a obrigação para a população geral é a) estritamen­te necessária e b) proporcion­al ao perigo social. Não passa nesse teste. Há medidas disponívei­s que mitigam o perigo e interferem menos com os direitos individuai­s, como as que já vêm sendo utilizadas: distanciam­ento, máscaras, testes e outros (preferenci­almente a critério das empresas). A obrigação é percebida como ainda menos necessária a certas faixas da população devido a suas particular­idades, como idade, grau de imunização e outros.

O cidadão comum não é tolo como o elitista julga. Em uma

eventual obrigação da vacina por lei, questionar­á “por que obrigar o que é bom?”, que poderá ensejar uma indesejada reação generaliza­da contra a vacina, que ninguém deseja.

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