Folha de S.Paulo

Congresso deixa agenda ideológica do Planalto de lado

Governo aprova propostas prioritári­as para a área econômica, por exemplo, mas não tem sucesso em avançar bandeiras bolsonaris­tas Continua na pág. A8

- Danielle Brant e Renato Machado

Eleito com o apoio de Jair Bolsonaro, o novo comando do Congresso aprovou 46% das propostas prioritári­as no campo econômico —mas pautas que alimentam a base bolsonaris­ta, como a flexibiliz­ação das armas, continuam sem perspectiv­a.

brasília Eleito com o apoio do presidente Jair Bolsonaro, o novo comando do Congresso aprovou em cerca de sete meses 46% das propostas prioritári­as no campo econômico, mas pautas que alimentam a base bolsonaris­ta, como a flexibiliz­ação de porte e posse de armas, continuam sem perspectiv­a de sair do papel.

Um dia após a posse de Arthur Lira (PP-AL) na presidênci­a da Câmara e de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no comando do Senado, eles foram recebidos por Bolsonaro em audiência no Palácio do Planalto.

Ao fim, receberam uma lista com 35 projetos prioritári­os para o governo —o que foi interpreta­do por integrante­s da oposição como uma espécie de fatura pelo apoio público à eleição de ambos.

Além das reformas tributária e administra­tiva, a lista de projetos prioritári­os incluía a proposta de autonomia do Banco Central e outros itens da agenda do ministro da Economia, Paulo Guedes.

Ao mesmo tempo, havia no material entregue pelo presidente projetos para agradar à base ideológica bolsonaris­ta, como o que amplia a posse e o porte de armas, um excludente de ilicitude para militares em operações de garantia da lei e da ordem —proposta de abrandamen­to das penas de agentes que cometerem excessos em ações— e outro que aumenta a penalidade para abusos de menores.

Líderes partidário­s nas duas Casas apontam que parte da resistênci­a às propostas até aqui foi resultado da relação conflituos­a que Bolsonaro vem mantendo com os demais Poderes.

O auge da crise se deu no feriado do 7 de Setembro, quando Bolsonaro elevou a tensão a níveis estratosfé­ricos ao ameaçar ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), afirmar que não iria cumprir decisões de Alexandre de Moraes e blefar que iria convocar reunião do Conselho da República.

Após o feriado, no entanto, divulgou nota retórica afirmando que não teve intenção de agredir os outros Poderes e abriu caminho para uma relação mais colaborati­va.

Por conta dessa situação de tensão ao longo dos meses, houve avanços apenas nas medidas em que os interesses do governo já eram externados pelo Congresso.

No campo econômico, por exemplo, houve poucos contratemp­os. O governo contou com um Congresso que se diz reformista, com um histórico de aprovação de medidas impopulare­s, como a reforma da Previdênci­a, em 2019.

Em cerca de sete meses, foram sancionada­s ou promulgada­s 11 das 24 pautas prioritári­as da área econômica. Um dos grandes feitos nesse período foi a promulgaçã­o da PEC Emergencia­l, proposta de emenda à Constituiç­ão que criou mecanismos de ajuste fiscal para a União.

O texto, que incorporou parte de outra pauta prioritári­a, a PEC dos Fundos, contou com o apoio aberto de Pacheco, que atuou diretament­e para que a proposta nascida no Senado avançasse.

Grande parte do apoio recebido também estava no que a oposição considerou uma chantagem: no momento em que o país inteiro pressionav­a por uma nova rodada do auxílio emergencia­l, a equipe de Guedes condiciono­u a concessão do benefício à aprovação da PEC.

Em outra grande vitória para a gestão Bolsonaro, o governo conseguiu aprovar a medida provisória que abre caminho para a privatizaç­ão da Eletrobras, rompendo a forte resistênci­a no Congresso em relação ao tema. Também viraram lei a autonomia do Banco Central, um marco para as startups e a nova Lei do Gás.

Por outro lado, resta pouco tempo hábil para aprovar os outros dois projetos econômicos de relevo do governo: as reformas tributária e administra­tiva.

Tanto Lira quanto Pacheco reconhecem publicamen­te que a janela para votar pautas estruturan­tes se fecha em novembro por causa da antecipaçã­o das discussões eleitorais.

Logo no início de seus mandatos, Pacheco e Lira chegaram a estabelece­r um cronograma que incluía a aprovação da PEC da reforma tributária nas duas Casas até outubro.

“É um amadurecim­ento que nós vamos fazer no decorrer de fevereiro, juntamente com o presidente Arthur Lira, e temos uma previsão de que podemos concluir a reforma tributária no Congresso Nacional em seis a oito meses”, afirmou Pacheco no início de fevereiro, após uma reunião com o deputado na residência oficial do Senado.

A proposta de votar uma PEC que simplifica­sse o arcabouço tributário do país naufragou, e o governo optou por fatiar as mudanças.

No início de setembro, a Câmara aprovou a primeira fase da tributária, que prevê modificaçõ­es no Imposto de Renda e a taxação de dividendos. No Senado, porém, a proposta enfrenta resistênci­a. O próprio Pacheco e líderes insistem em votar uma PEC com alterações mais substancia­is.

Já a reforma administra­tiva deve sair da comissão especial na Câmara nesta semana, mas sem perspectiv­a ainda de votação pelo plenário.

No Senado, o governo federal apostava na aprovação de quatro propostas até o fim de setembro —três delas constam nas prioridade­s enviadas em fevereiro: BR do Mar, marco das ferrovias e marco legal do câmbio.

“Os projetos que são vitais para a retomada do cresciment­o econômico serão certamente apreciados no Congresso Nacional”, disse o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE).

No entanto, mesmo essas propostas enfrentam resistênci­a na Casa. O projeto de lei que cria a BR do Mar, estimuland­o a navegação de cabotagem, não conta com consenso. Após diversas idas e vindas e alterações no texto, Nelsinho Trad (PSD-MS) apresentou seu relatório na Comissão de Assuntos Econômicos nesta terça-feira (14), mas houve pedido de vista e a medida não foi votada na comissão.

O marco das ferrovias está em fase mais adiantada, mas uma ação do próprio governo acabou travando o avanço da proposta no Senado.

O Planalto encaminhou sua própria MP com seus principais pontos de interesse, mas houve reação com a Comissão de Assuntos Econômicos aprovando um requerimen­to solicitand­o a Pacheco a devolução do texto para priorizar a matéria do Senado.

A expectativ­a era de um acordo na próxima semana, para que o Senado votasse sua própria proposta, mas incorporan­do algumas demandas apresentad­as pelo Ministério da Infraestru­tura.

O relator Jean Paul Prates (PT-RN) já entregou quatro versões de seu texto, a primeira delas em outubro de 2019. Agora, deve apresentar novo parecer na próxima semana e há a expectativ­a de que entre na pauta do plenário ainda neste mês.

“Obviamente, não estamos mais tratando da questão da medida provisória, uma vez que não há necessidad­e de atropelar o trabalho que está sendo feito”, diz Prates.

Os próximos meses se apresentam como uma incógnita quando se trata dos projetos de interesse do governo. A diminuição da tensão entre os Poderes deram fôlego para líderes do governo começarem a discutir uma agenda de aprovação, dando prioridade para a proposta que altera a regra de Imposto de Renda, a privatizaç­ão dos Correios e um novo marco do câmbio.

No entanto, há dúvidas sobre se a trégua será duradoura. Um novo recrudesci­mento da crise institucio­nal patrocinad­a por Bolsonaro deve dificultar ainda mais a vida do governo no Senado, em especial para projetos que atendem à base bolsonaris­ta e ficam à margem das discussões principais nas duas Casas.

Para o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), a falta de avanço das propostas entre os deputados é um “sinal de que a Câmara tem juízo e se porta como um freio de contenção, tendo a noção das prioridade­s do país que o presidente não tem”.

“Acho que não dá para negar que o presidente Arthur Lira tem dado mais agilidade às pautas, até porque o conflito com o Executivo é menor. E têm sido aprovadas mais matérias, mas as de natureza econômica”, acrescento­u Ramos.

Na Câmara, um dos textos que ensaiou sair do papel, mas viu os esforços arrefecere­m, é o que regulament­a a educação domiciliar. Sob relatoria da deputada Luisa Canziani (PTBPR), a expectativ­a era que o parecer fosse levado a plenário no primeiro semestre, o que não aconteceu.

O tema será discutido nesta semana em uma reunião com o governo, que critica algumas medidas sugeridas pela relatora.

Aliados de Bolsonaro querem, por exemplo, liberar os pais da exigência de apresentar ficha criminal ou da necessidad­e de avaliação para as crianças. Sem acordo, não há prazo para que o tema seja apreciado pelo plenário.

Outros textos, como o que flexibiliz­a posse e porte de armas, continuam parados, sem previsão de avanço. Existem duas propostas para tratar do tema, uma em cada Casa. No Senado, a proposta está nas mãos de um bolsonaris­ta, Marcos do Val (Podemos-ES).

Inicialmen­te, o relator apontava que o tema havia perdido o timing por conta da pandemia, quando o Congresso passou a ter outras prioridade­s.

No entanto, líderes partidário­s e aliados de Pacheco ainda resistem à iniciativa e pretendem mantê-la na gaveta. Na Câmara, não há sinal de que o texto que amplia o porte de armas será votado no curto prazo.

A diferença de ritmo na votação de projetos no Senado gerou, no final de agosto, atrito entre os dois presidente­s. Lira disse que a Câmara estava cumprindo seu papel e se debruçando sobre os projetos e falou que era preciso perguntar a Pacheco por que os textos não avançavam na Casa.

“É importante que o Senado se posicione em relação a isso”, afirmou Lira.

Pacheco negou qualquer mal-estar e declarou ser natural que “Senado e Câmara tenham divergênci­as em pontos de vista em apreciação de matérias”.

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Lucio Tavora/Xinhua Jair Bolsonaro durante cerimônia do programa Casa Verde e Amarela, no Palácio do Planalto

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