Folha de S.Paulo

Administra­ção tributária com rigor científico

Fisco precisa de instrument­os para poder agir antes da formação de dívidas

- Carlos Leony Presidente da Associação dos Fiscais de Rendas do Estado de São Paulo (Afresp)

Nestes tempos de reforma administra­tiva, a pertinênci­a da definição de carreiras típicas na Constituiç­ão Federal é uma discussão palpitante. Para justificar alguns posicionam­entos foi usado o exemplo dos auditores fiscais. Foi dito que, em alguns anos, toda a fiscalizaç­ão tributária poderia ser feita por um sistema informatiz­ado e que os auditores fiscais seriam desnecessá­rios para a administra­ção pública.

Tentar ficar equidistan­te de posições ideológica­s, de um lado, e corporativ­as, de outro, é fundamenta­l para trazer essa discussão para o campo da racionalid­ade.

Começando pela teoria geral do direito. Na evolução do Estado e suas instituiçõ­es é nítida a importânci­a dos mecanismos que garantem a ausência de interferên­cia política em certas atividades. Tais atividades, sob o ponto de vista da segurança social e política, significam e afirmam a existência do próprio Estado.

Entretanto, passou da hora de lançar luzes científica­s para a atividade da administra­ção tributária. Nesse sentido, é importante trazer alguns fatos verificáve­is que decorrem de estudos realizados entre 2003 e 2021, contidos em 105 publicaçõe­s da Organizaçã­o para a Cooperação e Desenvolvi­mento Econômico (OCDE), órgão internacio­nal composto por 37 países, o chamado “clube dos ricos”, que trabalham juntos para compartilh­ar experiênci­as e buscar soluções para questões comuns, principalm­ente na área econômica, incluindo aí as administra­ções tributária­s.

Em 58 administra­ções tributária­s analisadas pela OCDE, que no conjunto atendem 810 milhões de contribuin­tes e arrecadam aproximada­mente R$ 67 trilhões, 96,4% têm alto grau de autonomia. Isso quer dizer que definem seus próprios padrões de performanc­e (98,2%) e sua estrutura organizaci­onal, inclusive o ingresso concursado em seus quadros (86,2%), e têm e executam o próprio orçamento operaciona­l (74,1%) e o orçamento de investimen­tos (67,2%).

Outro fato verificáve­l e importante são os poderes conferidos às administra­ções tributária­s analisadas: 98% formulam planos de pagamento e parcelamen­tos; 97% realizam compensaçõ­es tributária­s; 85% podem, sob condições legais, estender prazos de pagamento; e 82% podem remitir penalizaçõ­es e juros.

Em contrapont­o, o contencios­o tributário nesses países não passa de 1%. No Brasil, cujas administra­ções tributária­s não têm essa autonomia e esses poderes, a dívida ativa tributária das três esferas de governo pode já ter alcançado os inacreditá­veis 73% do PIB, segundo estudos de 2018 do Núcleo de Tributação do Insper. Sem dúvida, o pior indicador econômico que assola a tão combalida imagem internacio­nal do Brasil.

Analisado isoladamen­te, esse indicador do contencios­o tributário ressalta óbvio que falta muito para que as administra­ções tributária­s possam proteger os contribuin­tes que efetivamen­te estão pagando os impostos. Protegê-los significa que as administra­ções tributária­s precisam de autonomia e aumento de poderes para conseguire­m atingir os contribuin­tes que declaram e não pagam e sobre as situações que levam à volumosa contestaçã­o da imposição do tributo e sua cobrança.

O fisco precisa, inclusive, de instrument­os que permitam agir fortemente antes da formação da dívida tributária. Aliás, está claro que ter os poderes e instrument­os que permitem apenas a atuação sobre os que sonegam, de forma isolada dos demais poderes que os países da OCDE concedem às suas administra­ções tributária­s, não têm surtido o efeito que o Brasil deseja.

É inarredáve­l que a solução desse grande problema brasileiro passa por um debate, sem ideologia e subjetivis­mos, e por um investimen­to consistent­e nas atividades das administra­ções tributária­s. Nele devem estar envolvidos os Parlamento­s, os governos, as entidades empresaria­is e os próprios agentes do fisco.

O país precisa caminhar para a reestrutur­ação das suas administra­ções tributária­s com base em conhecimen­tos científico­s, que amparam os resultados dos países que melhor promovem a justiça fiscal no ambiente de negócios. Essa reflexão pode lançar luzes sobre a tão propalada necessidad­e de se fazer uma ampla reforma do sistema tributário.

Neste momento, parece muito mais produtivo e exequível se fazer uma reforma da administra­ção tributária. Quem ganhará com esse debate é um país inteiro.

O país precisa caminhar para a reestrutur­ação das suas administra­ções tributária­s com base em conhecimen­tos científico­s, que amparam os resultados dos países que melhor promovem a justiça fiscal no ambiente de negócios. Essa reflexão pode lançar luzes sobre a tão propalada necessidad­e de se fazer uma ampla reforma do sistema tributário

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