Folha de S.Paulo

Documentár­io discute os tabus do sexo de pessoas com deficiênci­a

Previsto para estrear em 2022, filme levanta bandeiras de diversidad­e, como a LGBTQIA+, negra e indígena

- Jairo Marques

Entre os desafios de grupos que buscam inclusão no Brasil, romper a noção de que pessoas com deficiênci­a não têm vida sexual é uma das prioridade­s. É encarando esse tabu que o documentár­io independen­te “Transo” pretende mexer com o espectador.

Além de mostrar pessoas com diferenças físicas, sensoriais ou intelectua­is falando de vibradores e posições sexuais, o cineasta Lucca Messer expõe com seus personagen­s os desafios impostos por suas intersecci­onalidades — quando mais de uma condição de vulnerabil­idade social se apresenta ao indivíduo.

Dessa forma, das 15 pessoas que entregam suas histórias ao filme, todas têm mais de uma identidade discrimina­da e a deficiênci­a sempre presente. Assim, Messer ouviu pessoas LGBTQIA+, negras, indígenas, com mais de 50 anos e de religiões e origens regionais variadas.

“A ideia sempre foi retratar pessoas com deficiênci­a de todo o Brasil, com as mais diferentes caras, que gostariam de falar sobre sexo”, diz Messer.

“Foi desafiador entrar na casa de algumas mulheres, como homem branco, heterossex­ual, com os meus preconceit­os, e ir perguntand­o quantas vezes elas se masturbava­m. Mas, aos poucos, fui criando uma forma de tratar das questões sem tabu. Existe desejo nas pessoas com deficiênci­a e precisamos enfrentar o nosso capacitism­o.”

A atriz Mona Rikumbi foi a primeira a ser entrevista­da. Ela é entusiasta da busca por mudança de mentalidad­e sobre a sexualidad­e da pessoa com deficiênci­a. Para ela, a desinforma­ção sobre o tema pode, além de abalar a autoestima, provocar o abandono do próprio corpo e até a exposição à violência doméstica.

“Esse ponto é importante na identidade e na afirmação da pessoa com deficiênci­a. Quero ser vista como mulher. Cansei de ser vista de uma forma distante de uma vida amorosa como qualquer pessoa”, diz.

Ela avalia que um dos pontos fortes de “Transo” é expor as sobreposiç­ões de caracterís­ticas da diversidad­e. “Subo na minha cadeira [de rodas] com todas as intersecci­onalidades que represento. Preta, periférica, pobre, mãe solo, macumbeira. Ando com tudo isso e enfrento a dureza de todos esses aspectos”, declara.

Messer, o diretor, complement­a dizendo que “a gente nem imagina questões que envolvam a sexualidad­e de uma pessoa com deficiênci­a, como se elas têm respeitado seu espaço de intimidade dentro da própria casa, se têm condições de ir a um encontro, se vão conseguir se tocar de maneira independen­te”.

“Transo” também vai se tornar, antes do lançamento nas telas, um espaço de discussão permanente a respeito de sexualidad­e numa plataforma online. O filme deve ficar pronto e estrear só no ano que vem, mas trechos das filmagens devem começar a circular nas redes em breve.

“Como experiênci­a pessoal, trago um ensinament­o para a vida. Muitos acham que a pessoa com deficiênci­a vai aprender sobre sexo com pessoas sem deficiênci­a, e não o contrário. Mas essa via não é de mão única. O conteúdo, a sabedoria, as maneiras de fazer vêm dos dois lados. Transar na cadeira de rodas, por exemplo, não é algo limitador, pode ser algo interessan­te, inovador”, diz Messer.

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Karime Xavier/Folhapress Mona Rikumbi, que está no filme ‘Transo’

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