Folha de S.Paulo

Juntos rumo ao buraco

- Ruy Castro

Rodrigo Caio, zagueiro do Flamengo e sempre na mira da seleção brasileira, voltou aos gramados nesta semana após vencer a Covid e uma sequência de contusões. É um jogador de alta técnica, incomum na sua posição. O São Paulo, clube que o revelou, deixou-o sair por considerá-lo, na opinião de um dirigente, um “zagueiro de condomínio”. Imagino que isso se refira a um praticante de peladas de fim de semana nas quadras internas de certos conjuntos residencia­is. Mas serão assim tão desprezíve­is os zagueiros de condomínio?

No Rio, em fins dos anos 50, construiu-se um conjunto de três edifícios no então remoto Leblon, com a venda de apartament­os facilitada a jornalista­s e que tais —daí os íntimos o chamarem, até hoje, de “o Jornalista­s”. Alguns dos primeiros moradores foram Sandro Moreyra, Alex Viany, Wilson Figueiredo e José Guilherme Mendes, em cujo dois-quartos, em 1960, a intelectua­lidade carioca deu uma feijoada para Jean-Paul Sartre. Ao abrirem o panelão para Sartre, ele exclamou: “Oh! C’est la merde!”.

Nem todos os moradores originais eram de jornal, como o velho dramaturgo Oduvaldo Vianna, o humorista Dom Rossé Cavaca e, olhe só, Nilton Santos, lateral do Botafogo e campeão do mundo na Suécia. E, com Sandro no pedaço, era frequente que as peladas na quadra do Jornalista­s tivessem como convidados os craques do Botafogo, um deles Garrincha. O qual só conseguia ser parado, claro, pelo zagueiro do condomínio —Nilton Santos.

Donde Rodrigo Caio pode se orgulhar do epíteto. Ninguém terá um antecedent­e mais ilustre na posição.

O grave é ser um presidente de condomínio. Presidente da República, digo. Alguém que, eleito para presidir uma nação, só joga para a galera que o aplaude da janela, enquanto a economia, a saúde, a educação, as riquezas e a dignidade do país vão para o buraco. Como o condomínio faz parte do país, não demorará a ir junto para o buraco, e então veremos.

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