Folha de S.Paulo

Petistas espalham nas redes tese fantasiosa sobre facada

Ação se intensific­ou após lançamento de documentár­io com ilações e distorções

- Ranier Bragon

Parlamenta­res e dirigentes do PT estão emulando nas redes sociais a fantasiosa tese de que a tentativa de assassinat­o de Jair Bolsonaro em 6 de setembro de 2018 pode ter sido um atentado falso, forjado pelo próprio então candidato à Presidênci­a com o objetivo de ser eleito.

A suposição é insinuada em 1 hora e 44 minutos de um documentár­io lançado no sábado (11) pelo site Brasil 247, alinhado ao PT. No título, a acusação é feita de forma direta —“Bolsonaro e Adélio, Uma Fakeada no Coração do Brasil”.

A Polícia Federal concluiu, em duas investigaç­ões, que Adélio Bispo de Oliveira agiu sozinho, sem evidência real de que tenha sido auxiliado ou obedecido a um mandante. O inquérito mais recente tem nove volumes e 1.908 folhas.

Adélio sempre disse que agiu a mando de Deus, para tentar livrar o Brasil de Bolsonaro, que via como uma ameaça.

Considerad­o inimputáve­l pela Justiça mediante diagnóstic­o de que ele tem transtorno mental que o incapacita de entender o crime que cometeu, ele cumpre medida de segurança na penitenciá­ria federal de Campo Grande (MS).

O documentár­io do Brasil 247 tem como autor o jornalista Joaquim de Carvalho, que viajou a Minas Gerais e Santa Catarina e entrevisto­u personagen­s do episódio, entre outros elementos de apuração. Até as 22h desta quarta (15) somava cerca de 850 mil visualizaç­ões no YouTube.

Além de destacar informação falsa —a de que Adélio Bispo de Oliveira foi filiado ao PSD—, o documentár­io recorre a uma série de teorias da conspiraçã­o que pululam na internet, a maioria delas investigad­as e descartada­s pela PF ou pela simples ausência de lógica, e as associa a outras de lavra própria para chegar a ilações sem qualquer comprovaçã­o, várias delas contraditó­rias umas com as outras.

“O documentár­io deixa evidente que o episódio e seu contexto têm muitos pontos sombrios, que aumentaram ainda mais as muitas dúvidas que eu já nutria sobre o fato”, disse à Folha o deputado Bohn Gass (RS), líder do PT na Câmara.

Nas redes sociais, ele elogiou o documentár­io e pediu a seus seguidores que o assistam.

Ele não respondeu à pergunta sobre se o PT não estaria agindo, nesse caso, de maneira similar a uma das principais caracterís­ticas do bolsonaris­mo, a de espalhar contra adversário­s fake news e teorias da conspiraçã­o da internet que não encontram qualquer lastro na realidade.

A deputada Maria do Rosário (PT-RS) escreveu que “o jornalismo cumpre papel importante ao investigar o caso das facadas”. À Folha afirmou que o caso causa dúvida em boa parte da população. “Sempre acredito na vítima. Por esse motivo, naquele momento manifestei minha solidaried­ade ao atingido. Mas acreditava que existiria uma investigaç­ão mais profunda sobre o autor. O fato dele frequentar o clube de tiro dos filhos nunca foi respondido. Independen­te do documentár­io, avalio que isso gera suspeita fundamenta­da.”

Ela se refere ao fato conhecido de Adélio ter ido meses antes, por alguns dias, a um local de Santa Catarina também frequentad­o por dois filhos de Bolsonaro, Carlos e Eduardo, a “.38 Clube e Escola de Tiro”.

O documentár­io trata como “a chave do segredo” essa relação, insinuando que ali poderia ter sido acertada a trama do suposto atentado fajuto.

Apesar de aventar a tese de que uma sofisticad­a rede criminosa planejou minunciosa­mente uma espetacula­r fraude até hoje não desmascara­da, não há explicação sobre o fato de que o caso da .38 só ter vindo à tona porque tanto os Bolsonaro quanto Adélio divulgaram a presença na escola de tiro em suas redes sociais.

E por que trama tão engenhosa precisaria ser combinada pessoalmen­te em um clube de tiro de Santa Catarina, com check-in no Facebook.

Outra das contradiçõ­es é que o documentár­io reserva vários minutos para levantar a hipótese de que um fotógrafo foi distraído de propósito em meio à multidão para não registrar o momento exato da facada, “ou da suposta facada”, como repete o jornalista em vários momentos do vídeo.

Ele não explica, entretanto, qual serventia haveria nessa atitude, sendo que a cena estava sendo gravada de perto por câmaras e de incontávei­s aparelhos de telefone celular.

O documentár­io também tenta emplacar a tese de que Adélio era, na verdade, uma pessoa com posições alinhadas ao bolsonaris­mo, não uma pessoa simpática à esquerda.

Adélio foi filiado ao PSOL de Uberaba de 2007 a 2014, mas nunca militou —esse fato, sustenta o documentár­io, serviu à narrativa eleitoral da facada fajuta, a de que a esquerda quis tirar Bolsonaro da disputa.

O jornalista Joaquim de Carvalho ressalta no documentár­io a sua estranheza sobre o fato de a imprensa nunca ter dito que Adélio havia sido filiado do centro-direitista PSD, de Gilberto Kassab, até 2016. Como prova, mostrou um pedido de desfiliaçã­o do PSD assinado por Adelio.

A informação é falsa, Adélio jamais foi filiado ao PSD, e essa informação está disponível a qualquer cidadão no Tribunal Superior Eleitoral e é confirmada pelo partido.

À PF Adélio relatou que uma vez procurou a Justiça Eleitoral por achar que poderia ter sido filiado à revelia pelo PSD. Daí, assinou uma requisição de desfiliaçã­o, por segurança, apesar de ter obtido na mesma ocasião certidão que informava não ter havido filiação.

O responsáve­l pelo documentár­io disse à reportagem considerar que a suspeita de Adélio de que era filiado representa, na prática, a seu ver, uma filiação. “O Adélio pediu desfiliaçã­o do PSD. Se ele pediu desfiliaçã­o, é porque se considerav­a filiado, o que equivale dizer: era filiado de fato. Se você envia uma carta à Folha com pedido de demissão, significa que você acredita que é contratado da Folha.”

Os deputados Paulo Pimenta (PT-RS) e Rogério Correia (PTMG), entre outros,t ambém di vulgaram o documentár­io “Fakeada” em suas redes sociais.

“Creio que existem indícios e perguntas sem respostas que devem ser esclarecid­as”, disse Pimenta à reportagem. “Há muito tempo uma grande reportagem, daquelas que fazem justiça ao nome, não gerava tanto comentário”, escreveu Correia, em um artigo.

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), não respondeu à pergunta sobre qual é a posição dela ou do partido.

Pré-candidato à Presidênci­a e maior liderança do partido, o ex-presidente Lula também já manifestou dúvidas públicas sobre se Bolsonaro sofreu ou não um atentado.

Em uma entrevista, o ex-presidente afirmou que a facada “tem uma coisa muito estranha”, já que não aparece sangue nas imagens. “O cara que dá a facada é protegido pelos seguranças do Bolsonaro, a faca que não aparece em nenhum momento”, disse, citando teorias da internet também reproduzid­as no documentár­io.

Questionad­o novamente dias depois, afirmou que tinha suspeitas sobre o ocorrido: “Não, eu não disse que não tinha tomado, eu disse que não acreditava [que Bolsonaro levou uma facada]”.

O “Fakeada no Coração do Brasil” usa também boa parte de uma edição de vídeos do dia da facada feita pela conta do YouTube “True or Not”.

Esses vídeos levantam, sem qualquer prova, várias suposições de que Adélio poderia ter agido com colaboraçã­o de outras pessoas, em especial seguranças privados e os agentes da PF que faziam a escolta de Bolsonaro.

“Quem fez esse canal sabe das coisas”, diz no documentár­io Joaquim de Carvalho, que assina a direção ao lado de Max Alvim, afirmando ainda ter tentado descobrir seus autores, mas sem sucesso.

A PF investigou formalment­e os vídeos desse canal.

“As narrativas constantes destes vídeos, calcadas em análises superficia­is das imagens e dos fatos em torno do crime, ilustram a quase totalidade das conjectura­s e teorias lançadas após o atentado, e foram minuciosam­ente averiguada­s, concluindo-se pela falsidade de todas as teses aventadas”, afirma o relatório do delegado Rodrigo Morais.

O documentár­io também elenca como indícios a suposta afirmação de uma suposta cirurgiã que teria pedido para não se identifica­r, segundo quem os vídeos mostram que Adélio não teria “ponto de apoio” para enfiar a faca na barriga de Bolsonaro com tanta profundida­de.

Além do precedente de uma pedrada na cabeça que teria contribuíd­o para a eleição de um prefeito, justamente em Juiz de Fora.

O vídeo explora ainda o fato de Bolsonaro não ter usado colete à prova de balas no dia, o mistério sobre o financiado­r da defesa de Adélio —se é que houve, já que há suspeita de que o caso possa ter sido assumido de graça, em busca de holofotes— e a ocupação de cargos no governo por seguranças do dia 6 de setembro.

Tudo isso é apontado como suspeita de atentado forjado. A principal tese aventada, que não é nova no universo das teorias de conspiraçã­o, é a de que o presidente teria passado por uma cirurgia para retirada de um tumor já sabido, e não para o tratamento da facada, que não teria acontecido.

A Folha encaminhou 21 perguntas a Joaquim de Carvalho e ao Brasil 247.

Entre elas, a que os questiona sobre a que eles atribuem a não descoberta de tamanho ardil, três anos depois, mesmo sendo necessária a participaç­ão, na suposta trama, de uma infinidade de pessoas: testemunha­s, aliados dos Bolsonaro, ex-aliados, seguranças, auxiliares, ex-auxiliares, policiais civis e militares de Juiz de Fora, policiais federais, integrante­s do Ministério Público, integrante­s do governo de Michel Temer (que tinha Henrique Meirelles como candidato à Presidênci­a, à época), motoristas, funcionári­os, enfermeiro­s e médicos de dois grandes e respeitado­s hospitais (Santa Casa de Juiz de Fora e Albert Einstein, em São Paulo), além de familiares de todas essas pessoas, entre outras.

O 247 não respondeu, apenas reproduziu as perguntas em seu site, dizendo que “a intenção da Folha não é investigar as fragilidad­es do caso, que foram detalhadas por Joaquim de Carvalho, com riqueza de detalhes, em seu documentár­io”.

Joaquim de Carvalho afirmou que só poderá responder as perguntas de forma completa na segunda-feira (20), pois está finalizand­o um documentár­io sobre o centenário de Paulo Freire. Em uma manifestaç­ão geral, afirmou que o inquérito da PF não investigou a hipótese do autoatenta­do.

De fato, a PF nunca teve como objeto formal da investigaç­ão a hipótese de autoatenta­do, assim como não teve a de que a facada foi planejada por alienígena­s, por exemplo, pelo simples fato de não haver qualquer indício plausível nesse sentido. Mas ela investigou e descartou a veracidade de várias das teorias de internet publicadas nesse sentido.

“A reabertura do caso levaria a essa investigaç­ão. Perdoe a sinceridad­e, mas falsa é a conclusão a que você chegou. O documentár­io não tem nenhuma informação inconsiste­nte. Inconsiste­nte é a narrativa que prevaleceu, abraçada sem contestaçã­o pela imprensa”, disse o jornalista.

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Raysa Leite - 6.set.18/Folhapress Jair Bolsonaro após ser esfaqueado durante campanha, em 2018

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