Folha de S.Paulo

TJ-SP corta aumento dado a servidores pelos próprios juízes

Órgão alega não ter orçamento para pagá-los; 16 funcionári­os foram exonerados

- José Marques

Com dificuldad­es em ajustar suas contas desde 2019, o Tribunal de Justiça de São Paulo exonerou 16 funcionári­os de cargos comissiona­dos após eles terem conseguido um aumento salarial por meio de decisões de magistrado­s do próprio órgão.

De um lado, as remoções têm sido considerad­as represália pela defesa de outros funcionári­os que ocupam os mesmos cargos e pedem aumento na Justiça. De outro, o TJ-SP afirma que elas são necessária­s para manter a higidez orçamentár­ia.

O caso envolve os chamados assistente­s judiciário­s, funcionári­os de carreira do TJ-SP que passam a exercer a função de auxiliar juízes de primeira instância. Na segunda instância, há os assistente­s jurídicos, que não são necessaria­mente servidores de carreira e auxiliam os desembarga­dores.

Ambos os cargos cumprem funções como a de realizar pesquisas para os juízes e ajudar em despachos e auxílios em audiência.

Os assistente­s judiciário­s dizem que embora as funções sejam as mesmas, o salário dos assistente­s jurídicos é de R$ 5.000 a mais. Enquanto os servidores da primeira instância ganham aproximada­mente R$ 7,2 mil, os de segunda instância ganham R$ 12,3 mil.

Esses assistente­s de primeira instância passaram, então, a procurar a Justiça —ou seja, juízes do próprio TJ-SP— para garantir que os salários fossem equiparado­s, sob o argumento de que uma resolução de 2016 do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) garante a equidade de pagamento.

A resolução diz que as carreiras dos servidores de cada TJ do país devem ser “únicas, sem distinção entre cargos efetivos, cargos em comissão e funções de confiança de primeiro e segundo graus”.

O CNJ ainda discute a obrigatori­edade do cumpriment­o dessa resolução em todo o país. Há um procedimen­to que aguarda decisão no conselho.

Parte dos assistente­s judiciário­s, os 16, ganharam esse aumento em decisões individuai­s, inclusive com determinaç­ão de pagamentos retroativo­s do valor adicional.

Outros mais de 1.000 entraram com uma ação civil pública por meio da Asjusp (Associação dos Assistente­s Judiciário­s do Estado de São Paulo) na 2ª Vara da Fazenda Pública em Ribeirão Preto, que ainda não tem decisão.

Mas os 16 assistente­s que conseguira­m aumento foram removidos dos cargos em agosto e tiveram que voltar às suas funções de origem, o que passou a preocupar os outros funcionári­os com ações na Justiça e também os magistrado­s que tinham esses auxiliares em seus gabinetes.

Por esse motivo, parte dos integrante­s da Asjusp desistiu de integrar o processo.

“Ter uma desistênci­a de mais de 100 pessoas numa ordem de 1.300 assistente­s é bem expressivo, isso mostra o receio que eles têm e o que esse ato de nítida represália representa para os assistente­s”, diz o advogado Joffre Petean Neto, que representa a entidade.

Segundo relatos de envolvidos, as remoções dos assistente­s fizeram o clima pesar entre a direção do TJ-SP, servidores e demais magistrado­s. Tiveram que chamar a Apamagis (Associação Paulista de Magistrado­s) para mediar o conflito no órgão.

Em uma mensagem divulgada internamen­te no mês passado, a presidente da entidade, Vanessa Mateus, afirma que conversou com a assessoria do TJ e que “nenhum juiz será processado em virtude de decisão proferida a esse respeito” e que “nenhum assistente perderá o cargo por estar afiliado à associação” ou por ter “ajuizado a demanda”.

“O que ocorre é que, nos casos em que houve trânsito em julgado de procedênci­a, há determinaç­ão para que o TJ equipare o salário ao assistente de segundo grau. Como essas demandas têm efeito multiplica­dor, calcula-se impacto anual de R$ 423 milhões, valor que o TJ não tem condições de suportar no momento”, disse ela.

“Então, a fim de evitar o acúmulo de despesas, nos casos em que há determinaç­ão de pagamento equiparado, será cessada a nomeação como assistente, devendo o funcionári­o retornar ao cargo. Paga-se o que ficou para trás, mas evitam-se novos pagamentos.”

Na ação, a Procurador­ia-Geral do Estado (ou seja, a defesa jurídica do estado) contesta e diz que as funções dos assistente­s de primeira e segunda instância não são iguais e são exercidas em locais diferentes. Menciona, ainda, o impacto que a equiparaçã­o causaria nos cofres do tribunal.

Na ação, os advogados do próprio Tribunal de Justiça também dizem que o presidente da corte teria que enviar um projeto de lei para a Assembleia Legislativ­a para que esse aumento fosse possível e que um texto com esse impacto orçamentár­io seria “de uma temeridade que não pode ser patrocinad­a pela Presidênci­a deste Tribunal”. O atual presidente do TJ-SP é o desembarga­dor Geraldo Pinheiro Franco.

Já a Asjusp contratou parecer contábil que aponta que existe margem fiscal e orçamentár­ia para o tribunal suportar os gastos com a isonomia salarial dos assistente­s judiciário­s à dos assistente­s jurídicos.

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