Bolsonaro promete defender na ONU marco temporal para demarcações
Discurso deve frustrar ala que queria usar Assembleia-Geral para reduzir desgaste em área ambiental
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou nesta quinta-feira (16) que deve defender, em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU (Organização das Nações Unidas), na próxima semana, o marco temporal de 1988 para a demarcação de terras indígenas —medida em análise pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e criticada por ambientalistas e lideranças indígenas.
A promessa deve frustrar a ala moderada do governo, que queria usar o palco do encontro da ONU, do qual o brasileiro fará o discurso de abertura, no dia 21, para tentar reduzir o desgaste nas áreas de meio ambiente e direitos humanos.
“O que eu devo falar lá [na ONU]? Algo nessa linha: se o marco temporal for derrubado [pelo STF], se tivermos que demarcar novas terras indígenas —hoje em dia temos aproximadamente 13% do território nacional demarcado como terra indígena já consolidada—, caso tenhase que levar em conta um novo marco temporal, essa área vai dobrar”, afirmou o presidente, em sua live semanal.
“A gente espera que o STF mantenha esse marco temporal lá de trás, de 1988. Para o bem do Brasil e para o bem do mundo também. Tem gente lá fora pressionando por um novo marco temporal, para demarcar mais uma área equivalente à de Alemanha e Espanha. Vai ter reflexo lá fora.”
O mandatário disse ainda que derrubar o marco temporal “é um perigo” e repetiu que seria um “risco para a segurança alimentar no Brasil” e no mundo, sem esclarecer as razões desses argumentos.
Na quarta (15), o ministro Alexandre de Moras, do STF, pediu vistas no julgamento, que tinha o placar de 1 a 1 até o momento. Caso prevaleça na corte a tese de Bolsonaro, de estabelecimento de um marco temporal, o processo de demarcação de terras indígenas no país tende a ser travado.
Segundo esse entendimento, indígenas só têm direito à terra que ocupam se estavam lá antes da promulgação da Constituição, em 5 de setembro de 1988. A tese é defendida por ruralistas e pela bancada do agronegócio no Congresso.
O pronunciamento de Bolsonaro na ONU está sendo redigido em conjunto pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo Palácio do Planalto —que terá a palavra final e pode alterar o teor do texto ou de partes dele. A expectativa da ala mais moderada do governo, principalmente no Itamaraty, era que o presidente abrisse mão de um discurso agressivo e evitasse temas que tendem a aprofundar críticas internacionais ao governo.
O retrato de Bolsonaro como um líder descompromissado com a proteção do bioma e hostil a comunidades tradicionais, aliado ao avanço do desmatamento na Amazônia, é considerado por assessores diplomáticos como um dos principais obstáculos do país na agenda externa.
Ainda que com a inclusão da defesa do marco temporal, a expectativa desse grupo mais pragmático é que no plano ambiental o eixo do pronunciamento seja a reafirmação de compromissos assumidos na Cúpula do Clima em abril.
Na reunião, liderada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, Bolsonaro prometeu acabar com o desmatamento ilegal até 2030 e antecipou a meta para o país atingir a neutralidade climática para 2050 —o prazo anterior era 2060.
Diante de um ambiente de ceticismo entre parceiros, o atual desafio, segundo auxiliares, é mostrar que as promessas serão cumpridas.
A retórica repaginada que o Itamaraty quer emplacar busca rebater a imagem do Brasil como vilão do aquecimento global. A ideia é pontuar que a elevação das temperaturas é global e não depende só do desmatamento na Amazônia.
Assessores trabalham para que Bolsonaro destaque que o fenômeno é causado por outros fatores, como a dependência que alguns países têm de combustíveis fósseis. Eles alertam, no entanto, que o presidente precisa ressaltar que o Brasil pretende fazer a sua parte no combate contra o desmatamento.