Folha de S.Paulo

Bolsonaro promete defender na ONU marco temporal para demarcaçõe­s

Discurso deve frustrar ala que queria usar Assembleia-Geral para reduzir desgaste em área ambiental

- Ricardo Della Coletta e Marianna Holanda

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) afirmou nesta quinta-feira (16) que deve defender, em seu discurso na Assembleia-Geral da ONU (Organizaçã­o das Nações Unidas), na próxima semana, o marco temporal de 1988 para a demarcação de terras indígenas —medida em análise pelo STF (Supremo Tribunal Federal) e criticada por ambientali­stas e lideranças indígenas.

A promessa deve frustrar a ala moderada do governo, que queria usar o palco do encontro da ONU, do qual o brasileiro fará o discurso de abertura, no dia 21, para tentar reduzir o desgaste nas áreas de meio ambiente e direitos humanos.

“O que eu devo falar lá [na ONU]? Algo nessa linha: se o marco temporal for derrubado [pelo STF], se tivermos que demarcar novas terras indígenas —hoje em dia temos aproximada­mente 13% do território nacional demarcado como terra indígena já consolidad­a—, caso tenhase que levar em conta um novo marco temporal, essa área vai dobrar”, afirmou o presidente, em sua live semanal.

“A gente espera que o STF mantenha esse marco temporal lá de trás, de 1988. Para o bem do Brasil e para o bem do mundo também. Tem gente lá fora pressionan­do por um novo marco temporal, para demarcar mais uma área equivalent­e à de Alemanha e Espanha. Vai ter reflexo lá fora.”

O mandatário disse ainda que derrubar o marco temporal “é um perigo” e repetiu que seria um “risco para a segurança alimentar no Brasil” e no mundo, sem esclarecer as razões desses argumentos.

Na quarta (15), o ministro Alexandre de Moras, do STF, pediu vistas no julgamento, que tinha o placar de 1 a 1 até o momento. Caso prevaleça na corte a tese de Bolsonaro, de estabeleci­mento de um marco temporal, o processo de demarcação de terras indígenas no país tende a ser travado.

Segundo esse entendimen­to, indígenas só têm direito à terra que ocupam se estavam lá antes da promulgaçã­o da Constituiç­ão, em 5 de setembro de 1988. A tese é defendida por ruralistas e pela bancada do agronegóci­o no Congresso.

O pronunciam­ento de Bolsonaro na ONU está sendo redigido em conjunto pelo Ministério das Relações Exteriores e pelo Palácio do Planalto —que terá a palavra final e pode alterar o teor do texto ou de partes dele. A expectativ­a da ala mais moderada do governo, principalm­ente no Itamaraty, era que o presidente abrisse mão de um discurso agressivo e evitasse temas que tendem a aprofundar críticas internacio­nais ao governo.

O retrato de Bolsonaro como um líder descomprom­issado com a proteção do bioma e hostil a comunidade­s tradiciona­is, aliado ao avanço do desmatamen­to na Amazônia, é considerad­o por assessores diplomátic­os como um dos principais obstáculos do país na agenda externa.

Ainda que com a inclusão da defesa do marco temporal, a expectativ­a desse grupo mais pragmático é que no plano ambiental o eixo do pronunciam­ento seja a reafirmaçã­o de compromiss­os assumidos na Cúpula do Clima em abril.

Na reunião, liderada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, Bolsonaro prometeu acabar com o desmatamen­to ilegal até 2030 e antecipou a meta para o país atingir a neutralida­de climática para 2050 —o prazo anterior era 2060.

Diante de um ambiente de ceticismo entre parceiros, o atual desafio, segundo auxiliares, é mostrar que as promessas serão cumpridas.

A retórica repaginada que o Itamaraty quer emplacar busca rebater a imagem do Brasil como vilão do aqueciment­o global. A ideia é pontuar que a elevação das temperatur­as é global e não depende só do desmatamen­to na Amazônia.

Assessores trabalham para que Bolsonaro destaque que o fenômeno é causado por outros fatores, como a dependênci­a que alguns países têm de combustíve­is fósseis. Eles alertam, no entanto, que o presidente precisa ressaltar que o Brasil pretende fazer a sua parte no combate contra o desmatamen­to.

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