Folha de S.Paulo

Caixa reduz crédito imobiliári­o, e analistas veem medida populista

- Marianna Holanda, Ricardo Della Coletta, Julio Wiziack e Fernanda Brigatti

A Caixa anunciou nesta quinta-feira (16) redução na taxa de juros de crédito imobiliári­o. Segundo o banco, a modalidade atualizada de linha de crédito terá taxas a partir de 2,95% ao ano, mais a remuneraçã­o da poupança, o que representa queda de 0,4 ponto percentual ante as taxas hoje vigentes.

As contrataçõ­es com as novas taxas devem começar em 18 de outubro.

Inicialmen­te, estava prevista a participaç­ão do presidente Jair Bolsonaro na cerimônia, mas sua presença foi cancelada. O presidente teve reunião para discutir entraves do Auxílio Brasil com auxiliares.

O anúncio feito por Pedro Guimarães, presidente da Caixa, vai na contramão do recente aumento da Selic —hoje em 5,25%. Por esse motivo, especialis­tas em crédito consultado­s sob anonimato considerar­am a medida populista porque, caso haja posterior aumento da taxa básica de juros da economia (Selic), essa alta terá de ser repassada para o tomador de crédito.

Isso porque o rendimento da poupança equivale a 70% da Selic mais a TR (taxa referencia­l, hoje zerada), sempre que a taxa básica de juros estiver em até 8,5% ao ano. Se a Selic subir —a previsão de economista­s segundo o último Boletim Focus, do Banco Central, é que feche o ano a 8%—, a poupança também sobe, impactando a taxa do crédito imobiliári­o. Com Selic acima de 8,5%, a poupança rende 0,5% ao mês mais a TR.

Ainda segundo esses especialis­tas, essa não é a primeira medida da Caixa com viés de promoção do governo.

Braço do Planalto na implementa­ção de políticas sociais como o Bolsa Família, a Caixa se tornou um canal de “boas notícias” desde o início da pandemia e especialme­nte neste momento, em que o país enfrenta restrições severas de Orçamento para execução de programas como o Auxílio Brasil, que pode ajudar Bolsonaro a conquistar votos.

Com o cresciment­o da projeção da inflação pelo INPC neste ano, de 6,2% para 8,4%, não houve como encaixar o programa social na previsão de despesas do próximo ano.

Bolsonaro tenta viabilizar essa medida mudando o pagamento de precatório­s (títulos de dívida do governo), mas o clima no Congresso contra a reeleição de Bolsonaro leva o governo a sucessivas derrotas, especialme­nte nesse campo.

Parlamenta­res da oposição e até de partidos favoráveis ao governo consideram que o programa serviria como poderoso “cabo eleitoral”, mesmo com as falhas que, para esses congressis­tas, existem na modelagem do novo programa.

A animosidad­e contra Bolsonaro aumentou depois das manifestaç­ões de cunho golpista que o presidente promoveu no Sete de Setembro.

Diante dessa maré revolta no Congresso e no Supremo contra sua pretensão política, Bolsonaro delegou a seus ministros a elaboração de pacotes de bondades e vetou, expressame­nte, notícias ruins.

Guimarães surfa com maestria nesse contexto. Recentemen­te, ajudou o governo a elaborar uma linha de crédito imobiliári­o com juros subsidiado­s para militares, com taxas mais baixas para policiais e oficiais de patente mais baixa (salários de até R$ 7.000).

Durante o evento, Guimarães disse que, apesar da alta na Selic, houve ganhos de produtivid­ade no banco que permitiram oferecer juros mais baixos, até como alternativ­a para atrair novos contratos de financiame­nto.

“Isso aqui foi uma primeira calibrada. Por que faz todo o sentido matemático? Exatamente porque o nosso spread bancário aumentou. Quanto maior a taxa de juros Selic, sem mexer nada no resto, maior é o ganho de todo o banco, em especial o que tem captação barata”, afirmou.

Spread é a diferença entre os juros pagos pelos bancos ao captar dinheiro no mercado e a taxa efetivamen­te cobrada quando esse mesmo dinheiro é emprestado aos clientes.

Diante da persistênc­ia da alta dos preços e das consecutiv­as revisões nas expectativ­as do mercado para a inflação, o Copom (Comitê de Política Monetária) do Banco Central elevou, na última reunião de 4 de agosto, a taxa básica de juros (Selic) em 1 ponto percentual, a 5,25% ao ano.

No comunicado, o BC indicou que fará nova elevação na mesma magnitude na reunião da próxima semana, 21 e 22 de setembro, para 6,25%.

A estratégia de usar a Caixa para puxar uma queda de juros nos bancos privados é similar à adotada pelo governo Dilma Rousseff (PT).

Em 2012, em seu primeiro mandato, ela teve atendidos seus pedidos de reduções nas taxas para contrataçã­o de diversos tipos de crédito na Caixa e no Banco do Brasil.

Na época, com a Selic de 9%, mutuários chegavam a contratar financiame­nto imobiliári­o pelo SFH (Sistema Financeiro da Habitação) com juros de até 10% ao ano.

Quem tinha conta na Caixa conseguia taxa de 8,9%. O corte levou os juros a 7,9%, no mínimo, e 8,4%, no máximo.

Em geral, os bancos privados acabam respondend­o aos movimentos feitos pela Caixa no crédito para imóveis. Foi assim em 2012. Pouco mais de três meses depois do anúncio da Caixa, o Santander puxou, entre os bancos privados, o corte de juros para o crédito imobiliári­o, reduzindo de 10% para 8,8% a taxa anual.

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Reprodução O presidente da Caixa, Pedro Guimarães, em evento do setor da construção civil no qual anunciou a nova taxa
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*Antes da revisão desta quinta-feira (16) Obs.: taxas prefixadas, acrescidas da TR Fonte: Bancos

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