Reforma do IR não vai reduzir desigualdade, afirma estudo
Do jeito que está hoje, o texto da reforma do Imposto de Renda deve ter efeito quase nulo na redução da desigualdade, segundo estudo exclusivo do Made (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades), da USP.
Na noite do dia 1°, a Câmara aprovou o texto-base do projeto que muda as regras do IR, após o presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), fechar um acordo com a oposição. A reforma segue para o Senado.
Nos moldes atuais, o IR para pessoas físicas reduz em 2,51% a desigualdade na renda. Se o texto atual for aprovado no Senado, esse efeito passaria a ser de 2,71%, ou seja, uma melhora de somente 0,2 ponto percentual na progressividade do sistema.
O texto prevê corte da alíquota-base de 15% para 8% do IRPJ (o governo queria redução a 12,5% em 2022 e 10% em 2023), e corte da CSLL em até um ponto percentual (na maioria dos casos, cai para 8%).
Entre a proposta original do governo e o que foi modificado na Câmara, a reforma foi influenciada por pressões que fizeram com que o percentual sobre lucros e dividendos passasse de 20% para 15%.
A tributação sobre lucros e dividendos de acionistas também foi aprovada com isenções —para empresas do Simples e do lucro presumido, por exemplo.
A taxação de dividendos seria um dos pontos que mais contribuiriam para o caráter progressivo da reforma, diz a a economista Laura Carvalho, coautora do estudo, que mede o efeito direito das alterações do IR para pessoas físicas.
Uma pequena mudança, que escalonasse a cobrança de dividendos para os contribuintes, de 15% a 20%, e elevasse a cobrança do 1% mais rico dos contribuintes a até 40% poderia ter efeito três vezes maior na redução da desigualdade, diz o estudo do Made.
Além disso, poderia aumentar a arrecadação em 23,9% —ante o aumento de 4% previsto com a proposta atual.
O texto inicial tinha esse aspecto positivo e contava com a colaboração da Receita, no sentido de reinstituir a tributação de dividendos, o que é quase um consenso entre economistas”, afirma Carvalho.
Ela conta que, como várias iniciativas da equipe econômica, a reforma foi sendo desidratada ao se deparar com grupos de interesses e virou um texto que não cumpre o propósito de aumentar a progressividade do sistema, além de criar isenções e deduções que incentivam a “pejotização” (quando a empresa opta por manter empregado atuando como pessoa jurídica).
Ao pensar em uma reforma, o objetivo deve ser a redução das iniquidades e aumento da eficiência. O projeto aprovado, no entanto, peca nos dois objetivos, diz.
Para ela, as mudanças diminuíram a possibilidade de aumentar a justiça tributária.
“Como o IR para Pessoa Jurídica também foi reduzido, isso pode gerar aumento global da desigualdade, indiretamente, já que essa redução pode levar a uma perda de arrecadação que prejudique os recursos para programas sociais.”
Ela acredita que nova reforma será necessária em breve, para corrigir essas distorções, caso o texto aprovado na Câmara não sofra modificações.
Também avalia que o texto final acaba demonstrando objetivos de cunho eleitoral, ao favorecer camadas médias e isentar grupos com alto poder de influência.
Carvalho diz perceber a falta de agenda econômica clara, o que faz com que reformas sejam propostas de forma atribulada e sem a devida articulação com os parlamentares.
“A proposta foi sendo desidratada, o efeito de redução de desigualdade, que já não era grande, ficou quase nulo”, complementa a economista.
No estudo, os economistas também calcularam separadamente o impacto de cada medida, em valores deflacionados de dezembro de 2020. A alteração nas faixas do IR, por exemplo, levaria a redução de 10% na arrecadação, pelo maior número de contribuintes que ficariam isentos e pelo reajuste das demais faixas.
As propostas de mudanças no IR geraram desgaste ao governo desde a entrega do texto original pelo ministro Paulo Guedes (Economia).
Empresários e as entidades representativas fizeram diversas críticas à volta da cobrança de dividendos após 26 anos, sem a contrapartida que gostariam, de redução do imposto para pessoa jurídica.
Para Carvalho, o discurso de que a proposta original punia o setor produtivo não tem evidências. “Quando se olha para outros países, a gente ainda tem muita margem para melhorar a progressividade do sistema.”
Na avaliação da economista, o argumento que fundamentou as reduções de impostos, como vias de estímulo à economia, nas últimas décadas, vem perdendo a força.
“Um dos maiores problemas do IR é que a alíquota paga por quem está no topo —o 1% mais rico— cai muito em relação aos que vêm logo abaixo. Há uma clara regressividade, e a isenção que foi concedida em 1995 é a grande responsável por isso”, explica ela.
Após as modificações introduzidas pela Câmara, especialistas apontaram um aumento de carga para as médias empresas.
Para o economista e diretor do CCiF (Centro de Cidadania Fiscal), Bernard Appy, o textobase da Câmara até tem pontos positivos, mas o lado negativo predomina.
“O que mais me incomoda é a manutenção de isenção na distribuição por lucro presumido, para quem tem faturamento de até R$ 4,8 milhões por ano”, diz. “Parte disso vai para a remuneração de sócios, que já pagam muito pouco imposto.”