Folha de S.Paulo

Bolsonaro e o nojo dos pobres

Bolsa Família mais gordo é uma batalha política final para o governo

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA)

O aumento do Bolsa Família deve ser a grande batalha da contraofen­siva de Jair Bolsonaro. Grande e talvez última, no universo das providênci­as racionais, pois se sabe que o tipo pode muito bem apelar para a explosão de alguma bomba no país.

Não se tem dado a devida atenção ao confronto, pois os “formadores de opinião” ou “influencer­s” não ligam muito para pobres e talvez porque, no caso, a conversa envolva uma solução para os precatório­s que não derrube o teto de gastos ou o avacalhe em excesso. Só de ouvir as palavras “precatório” e “teto” as pessoas comuns caem no torpor único do enfado. No entanto, essa decisão deve definir o ambiente socioeconô­mico e político em que Bolsonaro e seus apaniguado­s no Congresso devem dar as próximas tacadas.

O prestígio de Bolsonaro foi talhado porque perdeu o apoio dos mais pobres, como é meio óbvio em um país de pobreza bem piorada pela desigualda­de, como o Brasil. A diferença maior é que quase qualquer outro governante, pelo menos um com caracterís­ticas parecidas com a da humanidade média, poderia ter algum outro recurso de convencime­nto e simpatia: esperança, caridade, uma tentativa mínima de governar.

O pico da popularida­de de Bolsonaro foi em dezembro, segundo as pesquisas do Datafolha. Tinha 37% de nota “ótimo ou bom” e 32% de “ruim ou péssimo”. Entre os mais pobres, pessoas de famílias com renda de dois salários mínimos ou menos, era mais ou menos a mesma coisa: 37% de aprovação, 27% de desaprovaç­ão. No Datafolha desta semana, 17% dos pobres aprovavam o governo; 52% desaprovav­am. Entre os mais “ricos” (renda familiar igual ou maior do que dez salários mínimos), ficou na mesma.

Em dezembro, a diferença entre aprovação e desaprovaç­ão era de 5 pontos positivos no total da população e 10 pontos positivos entre os mais pobres; agora, é de 37 pontos negativos no geral e de 50 pontos negativos entre os mais pobres.

Bolsonaro precisa iludir alguns pobres a fim de sobreviver política ou eleitoralm­ente. Para tanto, não sobra muito mais que um Bolsa Família. Assim, precisa de apoio de Congresso e Supremo a fim de aprovar uma gambiarra nos precatório­s: de algum modo, deixar de pagar essa dívida a fim de sobrar dinheiro para o auxílio para os pobres. Se não der certo, terá de recorrer a uma gambiarra legal ainda mais audaciosa, como aprovar um crédito extraordin­ário em 2021 e, mais aberrante, em 2022.

Um Bolsa Família custa R$ 35 bilhões por ano, com o que se chega a cerca de 14 milhões de famílias com um benefício médio de uns R$ 190 por mês. A fim de dar alguma mexida significat­iva no programa, chegando a mais gente ou também transferin­do mais dinheiro, precisa de pelo menos uns R$ 30 bilhões.

Talvez nem isso resolva. Talvez muito pobre tenha tomado nojo definitivo de Bolsonaro.

Por outro lado, ele pode conseguir uns pontos de popularida­de porque haverá mais gente empregada ou com algum tipo de rendimento do trabalho. Se Bolsonaro parasse de explodir a economia, melhor ainda; mas é perverso, demente e incapaz. Também por causa disso, contribui para que a inflação não caia. É possível que o efeito da inflação sobre os pobres que ainda tenham alguma renda do trabalho seja tão negativo que a melhoria do emprego não seja suficiente para compensar essa desgraça.

Seja como for, de menos especulati­vo, com possível efeito real, há a engorda do Bolsa Família. Ainda que dê certo, não é o passaporte para Bolsonaro subir nas pesquisas a ponto de virar o jogo eleitoral. Mas pode bem ser um caminho para manter apoio político-parlamenta­r para tentar outras tacadas —e sufocar de vez a “terceira via”.

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