Folha de S.Paulo

Produção de remédio para câncer pode parar

Paralisaçã­o na produção de fármacos que dependem de verba federal deve afetar até 10 mil pessoas por dia no país

- Samuel Fernandes

A produção de radiofárma­cos usados para diagnóstic­os e tratamento­s de várias doenças, como o câncer, pode ser paralisada no Brasil a partir de 20 de setembro por falta de verba federal.

O alerta foi dado pelo Ipen (Instituto de Pesquisa Energética e Nuclear), órgão vinculado à CNEN (Comissão Nacional de Energia Nuclear) e principal produtor dos materiais que servem de base a esses medicament­os no país.

Em ofício divulgado para serviços de medicina nuclear, ao qual a Folha teve acesso, é afirmado que o câmbio desfavoráv­el e o corte no orçamento da CNEN resultaram na diminuição da verba disponível para o Ipen e, por consequênc­ia, nessa situação de risco à continuida­de da produção.

Os radiofárma­cos são medicament­os essenciais usados para a medicina nuclear —especialid­ade que usa quantidade­s pequenas de materiais radioativo­s para o tratamento e o diagnóstic­o de várias enfermidad­es.

O impacto da paralisaçã­o na produção deve afetar principalm­ente pacientes cardíacos e oncológico­s, explica George Coura, presidente da SBMN (Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear).

Além das áreas de câncer e de problemas no coração, existem ainda aplicações dos radiofárma­cos para demência e epilepsia, entre outras doenças.

Estimativa­s da SBMN indicam que esses medicament­os devem ser utilizados em de 1,5 milhão a 2 milhões de procedimen­tos, como radioterap­ias, a cada ano.

“Na hora que faltar os medicament­os, de 5.000 a 10 mil pacientes por dia não vão ter acesso aos procedimen­tos”, afirma o presidente da SBMN.

Um exemplo de exame realizado pela medicina nuclear é a cintilogra­fia de perfusão miocárdica. Ela indica se um paciente tem risco de sofrer ou não um infarto.

A partir daí, o médico consegue decidir se a pessoa precisa de uma intervençã­o, como uma cirurgia, ou se segue um tratamento medicament­oso.

Outro caso em que os radiofárma­cos são empregados é, por exemplo, no tratamento do câncer de tireóide.

Após retirarem a glândula, os pacientes normalment­e recebem iodo radioativo. Isso serve para que tenham uma maior chance de cura e uma diminuição na probabilid­ade de a doença voltar a se manifestar no paciente.

Coura afirma que, sem esse iodo produzido pelo Ipen, talvez alguns pacientes não tenham uma cura dessa doença como normalment­e se esperaria.

Para solucionar a situação, é citada no ofício a existência de um projeto de lei que busca aprovação de recursos extras, no valor de R$ 34,6 milhões de reais, à CNEN.

Também é informado que o MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), do qual fazem parte o Inpe e a CNEN, empenha-se em conseguir mais R$ 55,1 milhões de reais que seriam destinados à produção dos radiofárma­cos.

“Quando consultamo­s na Câmara a tramitação desse projeto de lei, ainda não foi sequer indicado um relator. Isso pode levar um tempo até que seja apreciado, que tenha sugestões de emendas, que passe para o Senado. Então pode ser um processo longo e, durante isso, os pacientes podem ficar desassisti­dos”, afirma o presidente da sociedade médica. O Ipen e a CNEN também afirmam no ofício que “esgotaram todos os meios para que se evitasse a descontinu­idade, recebendo inclusive assessoria da Advocacia Geral da União (AGU), nesse contexto”.

Procurada pela Folha ,aassessori­a de comunicaçã­o da CNEN disse que o ministério está “conduzindo o assunto”.

Também contatados, Ipen e MCTI não se manifestar­am até a conclusão da reportagem.

“Meu clamor é que os órgãos federais olhem com carinho e com compaixão esses pacientes e busquem alternativ­as mais rápidas, como outras vias de verbas ou verbas contingenc­iadas”, diz Coura.

“Outras alternativ­as que não um projeto de lei que precisa de tramitação na Câmara e no Senado, por conta do caráter emergencia­l do desabastec­imento”, conclui.

O MCTI, por sua vez, respondeu que trabalha com o Ministério da Economia “desde junho de 2021” para disponibil­izar mais recursos para a produção dos radiofárma­cos e que está “conscienti­zando o Congresso Nacional pela votação e aprovação do PLN 16/2021, prevista para a próxima semana”.

Também contatado, o Ipen não se manifestou até a conclusão da reportagem.

“Meu clamor é que os órgãos federais olhem com carinho e com compaixão esses pacientes e busquem alternativ­as mais rápidas, como outras vias de verbas ou verbas contingenc­iadas”, diz Coura.

“Outras alternativ­as que não um projeto de lei que precisa de tramitação na Câmara e no Senado, por conta do caráter emergencia­l do desabastec­imento”, conclui.

“Na hora que faltar os medicament­os, de 5.000 a 10 mil pacientes por dia não vão ter acesso aos procedimen­tos

George Coura presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear

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