Folha de S.Paulo

Garimpeiro­s cercam últimos piripkura isolados em MT

Proteção legal da terra está prestes a vencer, e pedidos de exploração disparam

- Fernanda Wenzel, Pedro Papini e Naira Hofmeister

Uma terra indígena com data marcada para acabar, um estudo público que aponta a região onde ela está como promessa para a mineração do país e uma cooperativ­a de garimpo novata que chegou na frente de todas as grandes empresas e loteou para si a área. Essa é a combinação de fatores que pode levar, em breve, à extinção dos piripkura, no Mato Grosso.

Depois de sobreviver­em a ataques que quase dizimaram seu povo nos anos 70, os últimos piripkura vivem isolados em uma terra indígena cuja portaria de restrição de uso vence em 18 de setembro.

Se não for renovada, acaba a proteção legal ao território de Pakyî e Tamandua —como se chamam os dois únicos habitantes conhecidos da área.

“Tudo indica que a Funai não vai prorrogar”, alerta Ricardo Pael Ardenghi, procurador da República em MT. Ele ingressou com uma ação na Justiça para obrigar a manutenção da reserva, mas, a quatro dias do fim do prazo, ainda não houve decisão.

Em dezembro de 2020, o governo federal escolheu justamente a região que abrange o território tradiciona­l para lançar o primeiro de uma série de “mapas do ouro”. As Cartas de Anomalia, elaboradas pelo Serviço Geológico do Brasil (CPRM), apontam os locais onde há mais chances de encontrar metais preciosos em todo o norte de Mato Grosso.

A Cooperativ­a dos Mineradore­s do Vale do Guaporé, criada em 2020, solicitou à Agência Nacional de Mineração (ANM) uma área duas vezes maior que a própria terra indígena para explorar ouro, diamante, manganês e estanho. São 575 mil hectares requeridos em 65 pedidos de mineração —63 deles posteriore­s ao estudo da CPRM.

“A nossa expectativ­a é ser a cooperativ­a de maior produção de minério do Brasil, em um curto prazo”, projeta Ezequiel Alves, um dos sócios do empreendim­ento. Se autorizada­s, as primeiras extrações devem acontecer dentro de quatro ou cinco meses.

Além da Vale do Guaporé, outras sete cooperativ­as, empresas e pessoas físicas pediram autorizaçã­o para explorar o subsolo do entorno da TI depois da divulgação das Cartas de Anomalias.

De 1994 a 2020, a região registrou 119 requerimen­tos. Após as cartas do Serviço Geológico Nacional serem publicadas, foram 202, um aumento de 70% em oito meses.

O diretor de Geologia e Recursos Naturais do CPRM, Marcio Remédio, porém, rejeita a ideia de que os documentos da estatal estejam estimuland­o a cobiça pela área.

“Os dados indicam áreas potenciais para ocorrência­s de recursos minerais, mas também áreas de recarga de aquíferos e outras informaçõe­s fundamenta­is para o conhecimen­to do meio físico. A visão de que dados geocientíf­icos são apenas para descoberta de recursos minerais é ultrapassa­da e equivocada.”

Há também 55 pedidos de exploração minerária sobreposto­s ao território tradiciona­l, que constam como inativos no banco de dados da ANM. A mineração dentro de terras indígenas é proibida.

“Não tenho a menor dúvida de que [a portaria] é o que segura os mineradore­s do lado de fora. Hoje há um certo respeito. Não adianta fazer o requerimen­to dentro da terra porque o processo não vai avançar”, defende o indigenist­a Fabrício Amorim, integrante do Observatór­io dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI).

Rita Piripkura, a terceira indígena conhecida da etnia, que vive fora do território, diz temer pela vida daqueles que moram lá. “Vão matar eles dois. Se matar, aí não tem mais”, afirmou, em um vídeo lançado pela ONG Survival Internatio­nal para pressionar pela renovação da portaria.

A medida vem sendo continuame­nte renovada desde 2008, com duração de três anos. É um paliativo diante da demora para a conclusão da demarcação, que se arrasta desde que os indígenas foram contatados, nos anos 1980.

Procurada, a Funai não afirmou se a portaria será renovada, mas declarou que “adotará providênci­as administra­tivas e técnicas” sobre estudos que estão sendo elaborados para “subsidiar a tomada de decisão” sobre a medida.

O órgão acrescento­u ainda, em nota, que “as ações de proteção territoria­l são o principal mecanismo para a proteção de indígenas isolados e de recente contato”.

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Terra indígena Piripkura está cercada de pedidos de mineração
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