Corpos e prédios se chocam em mostra sobre o grupo EmpreZa
Coletivo de performance de Goiás faz primeira individual em São Paulo, no MAC, com registros de duas décadas
Numa das primeiras performances do Grupo EmpreZa, um corpo nu se atirava contra a parede de uma igreja em Goiás. Com o choque, ele caía. Mas insistia no ato de novo e de novo, até a sua exaustão completa.
“Carma Ideológico” foi repetida em instituições culturais e governamentais —prédios que sintetizam a ideia de burocracia. Agora, o trabalho norteia a mostra de mesmo nome no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo, o MAC, com o registro de quase duas décadas de atuação do coletivo.
“É quase a vitória da burocracia sobre o corpo”, diz Paul Setúbal, um dos integrantes do grupo, sobre esse trabalho. “Mas é também um corpo que não deixa de ser insistente.”
Na primeira ocasião em que o trabalho foi apresentado, ainda no começo dos anos 2000, esse corpo se debatia num estado marcado por uma “história bandeirante”, contextualiza o artista. “Goiás é uma terra fundada no sangue, pelo massacre, e por uma religiosidade muito violenta.”
Por aqui, não é diferente. A performance, que é apresentada na mostra por um frame de um corpo após o choque, será repetida nas colunas desse edifício próximo ao monumento às Bandeiras.
Essa é a primeira vez que o coletivo, fundado como um grupo de estudos na Universidade Federal de Goiás há 20 anos, apresenta uma exposição individual em São Paulo. Eles já colecionam, no entanto, uma série de participações em eventos na capital paulista.
Mas, voltando à formação do grupo, ela está atrelada a um movimento de redescoberta da performance naquela época, lembra Paul Setúbal, integrante do grupo nos últimos dez anos. O EmpreZa, então, nasceu de uma necessidade de estudar o que se passava nas artes.
Num de seus dois trajes característicos —o terno ou o corpo nu—, os artistas montaram uma série de “happenings” e eventos com a pretensão de enfrentar as convicções das grandes instituições.
O grupo planejava algumas performances agora canceladas por causa da pandemia, mas a ideia da exposição já era mostrar registros dos atos. A seleção das décadas de atuação se baliza pelas que geraram ruídos com instituições.
É o caso das duas partes de “Toda Obra Será Perdoada”, com performances que geraram ruídos em museus. Uma delas foi no próprio MAC e está na exposição em cartaz.
Na impossibilidade de gravar uma performance, que seria televisionada, o grupo atravessou num televisor um prego com um quadrinho que avisa que ali deveria haver uma performance, mas ela não aconteceu por incompatibilidade política com o museu.
O enfrentamento físico do grupo contra as instituições e outros eventos mais imersivos com o público, por ora, estão de lado. O recorrente “Serão Performático”, por exemplo, envolve performances com um público que tem acesso a cachaça, queijos e cigarros de palha para criar um clima etéreo e mais espontâneo.
Essa mostra, de certo modo, acaba sendo um retorno do grupo à sua criação, ou seja, à necessidade de voltar ao corpo e à coletividade.
“O lugar do EmpreZa é o desse corpo inquieto. As questões são outras hoje, mas me parece muito que a coletividade nos últimos dez anos nunca esteve tão em voga e tão necessária como agora”, diz Setúbal. “O corpo continua frágil, mas resistindo.”
Carma Ideológico
MAC - av. Pedro Álvares Cabral, 1.301, São Paulo. Ter. a dom., das 10h às 19h. Até 12/12. Grátis, com agendamento