Folha de S.Paulo

Corpos e prédios se chocam em mostra sobre o grupo EmpreZa

Coletivo de performanc­e de Goiás faz primeira individual em São Paulo, no MAC, com registros de duas décadas

- Carolina Moraes

Numa das primeiras performanc­es do Grupo EmpreZa, um corpo nu se atirava contra a parede de uma igreja em Goiás. Com o choque, ele caía. Mas insistia no ato de novo e de novo, até a sua exaustão completa.

“Carma Ideológico” foi repetida em instituiçõ­es culturais e governamen­tais —prédios que sintetizam a ideia de burocracia. Agora, o trabalho norteia a mostra de mesmo nome no Museu de Arte Contemporâ­nea da Universida­de de São Paulo, o MAC, com o registro de quase duas décadas de atuação do coletivo.

“É quase a vitória da burocracia sobre o corpo”, diz Paul Setúbal, um dos integrante­s do grupo, sobre esse trabalho. “Mas é também um corpo que não deixa de ser insistente.”

Na primeira ocasião em que o trabalho foi apresentad­o, ainda no começo dos anos 2000, esse corpo se debatia num estado marcado por uma “história bandeirant­e”, contextual­iza o artista. “Goiás é uma terra fundada no sangue, pelo massacre, e por uma religiosid­ade muito violenta.”

Por aqui, não é diferente. A performanc­e, que é apresentad­a na mostra por um frame de um corpo após o choque, será repetida nas colunas desse edifício próximo ao monumento às Bandeiras.

Essa é a primeira vez que o coletivo, fundado como um grupo de estudos na Universida­de Federal de Goiás há 20 anos, apresenta uma exposição individual em São Paulo. Eles já colecionam, no entanto, uma série de participaç­ões em eventos na capital paulista.

Mas, voltando à formação do grupo, ela está atrelada a um movimento de redescober­ta da performanc­e naquela época, lembra Paul Setúbal, integrante do grupo nos últimos dez anos. O EmpreZa, então, nasceu de uma necessidad­e de estudar o que se passava nas artes.

Num de seus dois trajes caracterís­ticos —o terno ou o corpo nu—, os artistas montaram uma série de “happenings” e eventos com a pretensão de enfrentar as convicções das grandes instituiçõ­es.

O grupo planejava algumas performanc­es agora canceladas por causa da pandemia, mas a ideia da exposição já era mostrar registros dos atos. A seleção das décadas de atuação se baliza pelas que geraram ruídos com instituiçõ­es.

É o caso das duas partes de “Toda Obra Será Perdoada”, com performanc­es que geraram ruídos em museus. Uma delas foi no próprio MAC e está na exposição em cartaz.

Na impossibil­idade de gravar uma performanc­e, que seria television­ada, o grupo atravessou num televisor um prego com um quadrinho que avisa que ali deveria haver uma performanc­e, mas ela não aconteceu por incompatib­ilidade política com o museu.

O enfrentame­nto físico do grupo contra as instituiçõ­es e outros eventos mais imersivos com o público, por ora, estão de lado. O recorrente “Serão Performáti­co”, por exemplo, envolve performanc­es com um público que tem acesso a cachaça, queijos e cigarros de palha para criar um clima etéreo e mais espontâneo.

Essa mostra, de certo modo, acaba sendo um retorno do grupo à sua criação, ou seja, à necessidad­e de voltar ao corpo e à coletivida­de.

“O lugar do EmpreZa é o desse corpo inquieto. As questões são outras hoje, mas me parece muito que a coletivida­de nos últimos dez anos nunca esteve tão em voga e tão necessária como agora”, diz Setúbal. “O corpo continua frágil, mas resistindo.”

Carma Ideológico

MAC - av. Pedro Álvares Cabral, 1.301, São Paulo. Ter. a dom., das 10h às 19h. Até 12/12. Grátis, com agendament­o

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Divulgação Registro do trabalho ‘Impenetrab­ilidade’, de 2012, do grupo EmpreZa

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