Folha de S.Paulo

A fatia da educação

A respeito de proposta que flexibiliz­a gasto no setor.

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Há previsível celeuma em torno da proposta de emenda à Constituiç­ão que autoriza governador­es e prefeitos a descumprir temporaria­mente o gasto mínimo em educação, aprovada em primeiro turno pelo Senado.

Conforme o artigo 212 da Carta, estados, municípios e o Distrito Federal são obrigados a aplicar 25% das receitas de impostos em “manutenção e desenvolvi­mento do ensino”, um grupo de despesas definido na legislação. A PEC abre exceções para os anos de 2020 e 2021, determinan­do que seja feita uma compensaçã­o até 2023.

A pandemia de Covid-19 parece uma justificat­iva plausível para a medida. Afinal, houve grande desorganiz­ação das finanças públicas, motivada pela queda temporária da arrecadaçã­o e pelo imperativo de destinar mais recursos à saúde, além de profundas mudanças nas rotinas escolares.

Ademais, a fixação de prazo não muito longo para a reposição dos gastos deve evitar uma oscilação excessiva dos dispêndios no setor. Pelo que foi dito nos debates da PEC, apenas cerca de 5% dos municípios descumprir­am as exigências legais no ano passado, e um único estado, o Rio, foi mencionado.

A proposta, impulsiona­da pelo lobby das prefeitura­s, obteve maioria relativame­nte confortáve­l de 57 a 17 no primeiro turno —uma mudança constituci­onal exige o apoio de 49 dos 81 senadores. Mas a resistênci­a ao texto, ainda a ser examinado pela Câmara dos Deputados, deve continuar ruidosa.

O financiame­nto da educação será sempre questão prioritári­a. Causam alarme, além disso, os danos provocados pela pandemia e pela gestão ruinosa do MEC sob Jair Bolsonaro. Está em jogo também, entretanto, uma norma constituci­onal há muito questionad­a.

O Brasil já destina à educação pública uma fatia de sua renda compatível com os padrões internacio­nais, embora seus resultados deixem a desejar. Os dados indicam que aumento da eficiência e melhor distribuiç­ão do gasto, agora, são os objetivos mais relevantes.

Nesse contexto, faz pouco sentido manter indefinida­mente uma mesma regra de gasto para milhares de unidades federativa­s tão diferentes entre si, como advogam as corporaçõe­s do setor.

Esta Folha defende que as políticas educaciona­is, em todos os níveis de governo, deem ênfase a metas plurianuai­s para indicadore­s de aprendizad­o e evasão escolar, entre outros. A despesa, que não é objetivo em si mesma, deve estar condiciona­da a desempenho.

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