Folha de S.Paulo

Pesquisa reflete hesitação das instituiçõ­es diante da técnica do morde e assopra

Opinião pública emite, na maior parte dos casos, avaliações críticas ao presidente, mas mantém-se inerte

- Mauro Paulino e Alessandro Janoni

O presidente Jair Bolsonaro testa não só os limites da democracia como também a paciência dos brasileiro­s. E pelos dados do Datafolha divulgados nesta quinta-feira (16), a opinião pública reproduz a dinâmica das instituiçõ­es do país —emite, na maior parte dos casos, avaliações críticas ao presidente, mas mantémse inerte, em distância segura.

Diante da técnica do morde e assopra que permeia a crise entre os Poderes, a população assiste às ameaças na espera de quem pisca primeiro. As oscilações dentro da margem de erro desenham um cenário parecido com o da pesquisa anterior, realizada em julho, mas preenchem com mais algumas gotas um copo que ainda se mostra pela metade: meio cheio, meio vazio, dependendo do referencia­l.

A perspectiv­a negativa, sob a ótica do governo, está no diagnóstic­o geral —Bolsonaro alcança recorde de impopulari­dade, a maioria dos eleitores quer seu impeachmen­t e o rejeita como candidato para 2022, uma disputa ainda liderada com folga por Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Além disso, defendem a democracia e enxergam alguma ameaça nos arroubos autoritári­os do presidente.

A tendência negativa da curva de avaliação de seu mandato mantém-se. O colapso do sistema de saúde, o número expressivo de mortes na pandemia, auxílio emergencia­l insuficien­te, inflação e as denúncias envolvendo o governo na CPI da Covid fizeram a imagem de Bolsonaro derreter em todos os segmentos da população no decorrer deste ano.

Comparando-se com dezembro do ano passado, o cresciment­o na reprovação ao presidente totaliza agora 21 pontos percentuai­s e a queda nas taxas de ótimo ou bom soma 15 pontos em período equivalent­e.

Para quem ficou surpreso com o número de manifestan­tes pelas ruas do país no último 7 de Setembro, vale o alerta: o índice de eleitores que querem seu impeachmen­t e dos que o rejeitam como candidato à reeleição é cerca de cinco vezes maior do que o de bolsonaris­tas fiéis.

Pela segmentaçã­o de escala elaborada pelo Datafolha, que considera variáveis como voto declarado, confiança e avaliação, esse estrato correspond­e hoje a 11% dos brasileiro­s (já foi 17%).

É um subconjunt­o que carece de representa­tividade social. São na maioria homens, com idade e renda acima da média da população. Também há maior participaç­ão dos que se autoclassi­ficam brancos e evangélico­s. Para a maioria dos 89% restantes, as manifestaç­ões desse pequeno grupo tanto nas ruas quanto em redes sociais configuram ameaça à democracia brasileira.

Já na perspectiv­a positiva para o governo, alguns detalhes da pesquisa podem trazer otimismo para Bolsonaro.

Mesmo com suas bravatas autoritári­as, a intensidad­e do cresciment­o de reprovação à sua gestão nesta última pesquisa foi um terço da verificada entre maio e julho, quando aumentou seis pontos percentuai­s —agora oscila dois. Isso porque boa parte dos entrevista­dos relativiza as chances de um golpe promovido pelo presidente da República.

O que poderia ser um recorde ainda mais expressivo de impopulari­dade foi freado por avanço da vacinação, crescente percepção de controle da pandemia, flexibiliz­ação e o arrefecime­nto de novas denúncias na CPI da Covid. Depois de tantas polêmicas, ele poderia até comemorar o fato de não ser considerad­o ruim ou péssimo por 47% dos brasileiro­s.

O índice dos que querem o impeachmen­t do atual ocupante do cargo, apesar de majoritári­o, é menor do que o dos ex-presidente­s impedidos, Dilma Rousseff (PT) e especialme­nte Fernando Collor (então no PRN).

Em alguns segmentos, uma aparente resiliênci­a fica mais clara, como por exemplo entre os de maior renda. É um grupo estratégic­o para Bolsonaro, o primeiro a despertar para o então candidato do PSL nas eleições de 2018 e que foi abandonand­o o barco diante de sua fraca gestão na crise sanitária.

Na pesquisa atual, é o único estrato onde se observa refluxo importante (12 pontos percentuai­s) nas taxas de reprovação ao governo. Além disso, apesar de ser um conjunto que declara apreço pela democracia, avalia mal o STF (Supremo Tribunal Federal) e é o que menos vê chances de um golpe protagoniz­ado pelo presidente.

Há de se aguardar novos levantamen­tos para confirmar se os mais ricos anteciparã­o ou não movimentos que poderiam se espalhar por outros conjuntos, como aconteceu há quatro anos.

Nesse sentido, a economia torna-se vetor essencial. A maioria dos entrevista­dos ainda não atribui a Bolsonaro responsabi­lidade total pelo desemprego, pela inflação e pela crise energética. No entanto, entre os que o rejeitam como candidato, o índice dos que têm renda de até dois salários mínimos é maior em 4 pontos percentuai­s, o que garante recall positivo de Lula e eventual espaço para uma terceira via.

Para Bolsonaro, que já teve o apoio de boa parcela desse segmento quando pagou o auxílio emergencia­l do ano passado, resta esclarecer como incrementa­rá valor e alcance do Bolsa Família, ou Auxílio Brasil, política fundamenta­l para tentar reverter sua rejeição.

O Datafolha acompanhar­á, como faz há quase 40 anos, a história de mais esse episódio da democracia brasileira. Mas pode deixar de contar os últimos capítulos.

Mudanças no código eleitoral, já aprovadas na Câmara e que impedem os institutos de divulgarem pesquisas na véspera da eleição, privarão vossa excelência, o (e)leitor, de informaçõe­s legítimas e úteis para a definição do voto. Mais ou menos como obrigarse a tomar de um copo no escuro, sem saber o que ele traz e se está mais cheio ou vazio.

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Pedro Ladeira - 15.set.21/Folhapress O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) participa de cerimônia no Palácio do Planalto

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