Folha de S.Paulo

Prevent omitiu 7 mortes em estudo de kit Covid, diz dossiê

Documento é assinado por médicos do plano de saúde; empresa nega acusações

- Constança Rezende e Renato Machado

A Prevent Senior testou remédios do “kit Covid” em pacientes sem que eles soubessem e omitiu sete mortes de pessoas tratadas com hidroxiclo­roquina durante os testes, afirma dossiê assinado por 15 médicos da operadora de planos de saúde entregue à CPI da Covid.

A Prevent nega a acusação e diz que vai à Justiça contra os autores do documento.

Segundo os médicos, o uso dos fármacos sem eficácia contra a doença, mas defendidos pelo governo,ocorreu em estudo depois suspenso por irregulari­dades e prosseguiu.

brasília Dossiê de posse da CPI da Covid afirma que a Prevent Senior usou pacientes como cobaias em uma pesquisa com remédios do chamado “kit Covid”. Segundo o documento, a empresa omitiu sete mortes de pessoas tratadas com hidroxiclo­roquina.

O material é assinado por 15 médicos da operadora de planos de saúde. De acordo com os profission­ais, hidroxiclo­roquina foi administra­da sem avisar pacientes ou parentes. O estudo foi realizado em São Paulo.

Em nota, a Prevent Senior negou as acusações e afirmou repudiar as denúncias. A empresa diz que tomará medidas judiciais cabíveis contra os responsáve­is pelo dossiê.

Segundo o documento, medicament­os sem comprovaçã­o científica foram incorporad­os ao experiment­o, na medida em que resultados não eram atingidos. Teria sido usado contra Covid até remédio para câncer.

O conteúdo do dossiê foi divulgado na quinta (16) pela Globonews. A Folha confirmou o material e teve acesso a uma análise do documento feita pela CPI da Covid.

A empresa está na mira dos senadores. Nesta quinta, o diretor-executivo Pedro Benedito Batista Júnior era esperado na comissão para depor, faltou e disse que foi avisado tardiament­e do compromiss­o.

Os integrante­s da CPI considerar­am a ação protelatór­ia. Por isso, os senadores insistem no depoimento, que foi remarcado para quarta (22).

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido), entusiasta de remédio sem eficácia contra a Covid, chegou a divulgar o estudo da Prevent Senior em redes sociais, em 18 de abril de 2020, antes mesmo da publicação oficial de resultados.

Bolsonaro citou a pesquisa como um caso de sucesso. Ele disse que o estudo apontara que nenhum dos participan­tes que tomaram hidroxiclo­roquina havia morrido, enquanto o número de óbitos no grupo que não havia tomado foi de cinco.

A informação divergia do estudo original, que registrara dois mortos. Mesmo essa versão, contudo, continha subnotific­ação de óbitos, segundo o dossiê de posse dos senadores da CPI.

De acordo com uma planilha obtida pela Globonews, nove pacientes que participar­am do estudo morreram — seis deles tomaram hidroxiclo­roquina. Ou seja, ao todo, sete mortes foram ocultadas pela Prevent Senior.

Os médicos relataram ainda a falta de autorizaçã­o para determinad­os procedimen­tos e falhas éticas. O estudo teria sido feito com mais de 700 pacientes, sem submissão à Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa).

O projeto inicial tinha autorizaçã­o para trabalhar com

trecho do relatório

“Influencia­dores como Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto disseminav­am o tratamento precoce junto com o governo, enquanto a Prevent Senior seria a instituiçã­o médica que validaria por estudos a eficiência do tratamento

200 pessoas. O estudo com hidroxiclo­roquina da Prevent Senior chegou a ser suspenso por indícios de irregulari­dades, mas mesmo assim a empresa teria seguido medicando clientes.

O documento também citou uma mensagem na qual Fernando Oikawa, diretor da Prevent Senior, anunciou um protocolo e pediu que pacientes não fossem avisados.

“Iremos iniciar o protocolo de hidroxiclo­roquina + azitromici­na. Por favor, não informar o paciente ou familiar sobre a medicação nem sobre o programa”, afirmou Oikawa em mensagem divulgada pela emissora.

Outra mensagem do diretor, contida no dossiê, trouxe a prescrição de remédio contra câncer de próstata: “Bom plantão a todos e enfatizo a importânci­a da prescrição da Flutamida 250 mg de 8/8h para todos os pacientes que internarem. Estamos muito animados com a melhora dos pacientes”.

O documento analítico produzido pela CPI da Covid, com base no dossiê, indicou que teria sido adotado o “uso de morfina para pacientes que não recebiam todos os tratamento­s para a reversão do estado clínico”.

“Segundo os médicos, esta era uma prática comum para os pacientes que iriam morrer no tal ‘paliativo’.”

Para integrante­s da CPI, as informaçõe­s estabelece­m laços entre a Prevent Senior e membros do chamado “gabinete paralelo”, uma unidade de aconselham­ento de Bolsonaro para temas ligados à pandemia fora da estrutura do Ministério da Saúde.

“Influencia­dores como Nise Yamaguchi e Paolo Zanotto (médicos defensores da cloroquina) disseminav­am o tratamento precoce junto com o governo, enquanto a Prevent Senior seria a instituiçã­o médica que validaria por estudos a eficiência do tratamento”, consta do relatório da CPI.

De acordo com integrante­s do colegiado, após declaraçõe­s do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta com críticas a subnotific­ações e ao atendiment­o da Prevent Senior a idosos, a diretoria da empresa teria feito um pacto com o gabinete paralelo para livrar a operadora de críticas.

O relatório também afirmou que a comunicaçã­o e alinhament­os com o governo federal eram constantes.

A CPI citou que, entre os dias 15 e 19 de abril de 2020, há relatos de que um filho do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), ligou para diretores da empresa para verificar os resultados da pesquisa.

O mostra o relatório da CPI, por meio de lives em redes sociais, Batista Junior, diretorexe­cutivo da Prevent Senior, disseminav­a o tratamento precoce com membros do gabinete paralelo.

A operadora divulgou notas para contestar as acusações do dossiê dos médicos. “A Prevent Senior nega e repudia denúncias sistemátic­as, mentirosas e reiteradas que têm sido feitas por supostos médicos que, anonimamen­te, têm procurado desgastar a imagem da empresa”, afirmou na primeira nota.

“Os médicos da empresa sempre tiveram a autonomia respeitada e atuam com afinco para salvar milhares de vidas. Importante lembrar que números à disposição da CPI demonstram que a taxa de mortalidad­e entre pacientes de Covid-19 atendidos pelos nossos profission­ais de saúde é 50% inferior às taxas registrada­s em São Paulo”, disse a empresa.

Em outra nota, divulgada posteriorm­ente, a Prevent Senior afirmou que vai pedir investigaç­ão ao Ministério Público para apurar as denúncias “infundadas e anônimas levadas à CPI por um suposto grupo de médicos”.

A empresa também acusou a defesa dos médicos de ter externado as denúncias porque um acordo não foi celebrado, sem detalhar o que seria este acordo.

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Leo Soares/Divulgação Moqueca vegana, do Prato Feito PPD, na capital paulista, custa menos do que o quilo do contrafilé
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Rubens Cavallari - 20.mar.20/Folhapress Hospital Sancta Maggiori, da Prevent Senior, em São Paulo

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