Folha de S.Paulo

Obra discute por que a geração millennial está à beira do esgotament­o

Livro ‘Não Aguento Mais Não Aguentar Mais’ discute por que os millennial­s parecem estar todos à beira da exaustão

- Walter Porto

SÃO PAULO A primeira coisa que Anne faz ao acordar é desligar o aplicativo que controla seu sono. Ainda na cama, bate o olho nos alertas de notícias com variadas desgraças; no banho, tema ideia de um tuí te e escreve enrolada na toalha.

Lê mensagens de trabalho enquanto toma café. Tenta ficar em dia com os emails, mas é interrompi­da por um alerta de nova mensagem no Facebook. Aproveita o tempo em que faz bicicleta na academia para ler artigos que recomendar­am a ela no Twitter.

O dia segue adiante e adiante, e a hora em que ela desliga simplesmen­te não chega —Anne, aliás ,éa jornalista e pesquisado­ra Anne Helen Petersen, que relata esse “dia bem comum” de sua vida digital em “Não Aguento Mais Não Aguentar Mais”, que defende ate sede que a caracterís­tica definidora da sua geração, os millennial­s, éo burno ut.

Burno ut, em bom português, é uma exaustão extrema ligada ao trabalho. Os millennial­s, em bom português, são ageração que nasce umai sou menos entre 1980 e 1995 e começou a trabalhar enquanto a internet passava de ferramenta útil acompanhe irade todo momento da nossa vida.

Cu rios oé que o estereótip­o sedimentad­os ob reos millen nial sé ode uma juventude mimada, frágil emeio encostada. Peter sen,queé doutora emes tudosd emídia pela Universida­de do Texas, nos Estados Unidos, reconhece a existência desse rótulo e procura entendera decepção fundamenta­l que o originou.

“Nossos pais nos disseram que somos especiais, que merecemos tudo eque, se trabalháss­emos bastante, as coisas iriam ficar bem ”, diz a escritora de 40 anos. “E, quando entramos no mercado de trabalho, no final dos anos 2000, perguntamo­s ‘bom, se eu sou especial, onde é que está meu bom emprego?’.”

Segundo a análise da autora, as últimas décadas virama deterioraç­ão de uma série de garantias e proteções que pareciam firmes, sob as quais a geração boomer cresceu e criou seus filhos —como a certeza da aposentado­ria e as relações trabalhist­as tradiciona­is. Surgiu no lugar uma nova “economia dos bicos”.

Isso fez com que a carreira dos millennial­s, sob regras mais incertas e promessas mais nebulosas, fosse engolindo mais tempo do dia de cada profission­al, argumenta a obra, e turvando os períodos de trabalho e lazer —o que se intensific­ou ainda mais na pandemia com o home office.

“Oburn ou té a respostado sujeito à ideologia do empreended­orismo, que faz com que as pessoas se responsabi­lizem totalmente pela gestão do seu trabalho”, afirma Pedro Ambra, doutor em psicologia social e professor da Pontifícia Universida­de Católica de São Paulo. “Além de trabalhar, eu tenho que me divulgar e gerir, sem garantia de descanso em fim de semana e férias.”

Dessa forma, as horas que seriam dedicadas ao repouso são substituíd­as pela ansiedade de fazer alguma coisa produtiva, seja vera série que todos estão postando no Instagram ou atualizar o LinkedIn para conseguir o próximo freelance. O psicanalis­ta lembra que usar redes sociais, hoje, também é trabalho —é a lapidação constante do avatar que você apresenta ao público, conforme argumenta o livro de Petersen.

“Ninguém fica relaxado quando passa uma hora lendo feed de notícias em rede social”, diz Ambra, uma afirmação particular­mente apropriada para quem acompanha o noticiário político brasileiro. “E o ciclose fecha coma hiper medical iz ação. Adro game recolocan alinha de produção. O organismo que está pedindo para parar é silenciado, e eu posso voltara produzir .”

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A jornalista Anne Helen Petersen começou a articular seu livro “Não Aguento Mais Não Aguentar Mais” a partir de seu próprio burnout —que ela relutou, como é comum, em reconhecer como burnout.

“Eu achava que estava trabalhand­o como sempre”, diz. “Não entendia por que começava a chorar quando minha editora ligava, reagi mal quando ela sugeriu que eu estava esgotada. Só identifiqu­ei o problema quando percebi que não encontrava energia nem vontade para fazer as minhas tarefas do dia a dia.”

Há dois anos, a Organizaçã­o Mundial da Saúde registrou a síndrome de burnout como um “fenômeno ligado ao trabalho”. Petersen tem uma definição sucinta. “Exaustão significa ir até um ponto em que não é possível ir além; burnout significa chegar a esse ponto e se forçar a continuar, por dias, semanas ou anos.”

A autora aponta que seu livro não busca trazer soluções individuai­s sobre como lidar com o soterramen­to de demandas —a editora Sextante tem em “Sem Esforço” e na reedição de “Essenciali­smo”, de Greg McKeown, opções que atacam questões parecidas por esse lado mais utilitário.

Os esforços de Petersen se concentram mais em apontar aos leitores problemas estruturai­s. Uma ideia que ela apresenta, por exemplo, é que talvez ninguém deva necessaria­mente trabalhar com aquilo que ama, escapando assim de uma lógica que pode estimular o burnout.

“Um traço primário dos millennial­s é achar que o sentido da vida deriva daquilo que você é pago para fazer. Mas você pode satisfazer as suas paixões de muitas formas que não têm a ver com trabalho.”

Isso não é um veto mirabolant­e a trabalhar com assuntos atraentes, mas um convite a pensar que não é saudável “trocar estabilida­de por felicidade”. “O que tenho visto nos últimos anos são pessoas rejeitando a ideia de ter uma carreira. Não querem achar a coisa que vão fazer pelos próximos 40 anos. Querem achar um trabalho, e então descobrir o que mais é importante.”

Não Aguento Mais Não Aguentar Mais

Autora: Anne Helen Petersen.

Trad.: Giu Alonso. Ed.: HarperColl­ins. R$ 49,90 (336 págs); R$ 34,90 (ebook)

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Reprodução Obra de Adriel Visoto

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