Folha de S.Paulo

Teatro do absurdo

- Alvaro Costa e Silva

A CPI da Covid tem oferecido ao público personagen­s e performanc­es dignas do melhor teatro do absurdo. A maioria dos depoentes age como se vivesse em outro país e época: “Pandemia? Que pandemia? Preciso perguntar ao meu advogado. Invoco o direito de não me incriminar”.

O terror que levou o Brasil a quase 600 mil mortes não existiu para o general Eduardo Pazuello, o coronel Elcio Franco, o PM Luiz Paulo Dominghett­i, o empresário Carlos Wizard, a imunologis­ta Nise Yamaguchi, o ex-chanceler Ernesto Araújo, o ex-secretário de Comunicaçã­o Fabio Wajngarten, o deputado federal Osmar Terra, o reverendo Amilton de Paula e o resto da turma. Só o motoboy Ivanildo da Silva, que andou com dinheiro em espécie para cima e para baixo, sabia mais ou menos o que estava acontecend­o.

A talentosa trupe de facilitado­res, influencia­dores, delirantes, falsários, corruptos e picaretas em geral —todos de alguma maneira ligados à família Bolsonaro— garante a qualidade do espetáculo. Na função do ponto —o profission­al da ribalta responsáve­l por soprar as falas que devem ser repetidas pelos atores—, o senador Marcos Rogério vive seu grande momento. No núcleo cômico, o destaque é o senador Luis Carlos Heinze, piadista nato.

“Para quem o senhor trabalha?” “Eu prefiro o silêncio”. O diálogo desta quarta-feira (15) entre o lobista Marconny Albernaz (este caprichou no nome artístico) e os membros da comissão poderia ter sido escrito por Ionesco. Canastrão incorrigív­el, Albernaz se atrapalhou e deu a deixa para a convocação de Ana Cristina Valle, ex-mulher de Bolsonaro.

Um grupo de juristas enviou à cúpula da CPI parecer que lista sete delitos —entre os quais crimes de responsabi­lidade, contra a humanidade e a saúde pública, prevaricaç­ão, incitação e charlatani­smo— cometidos pelo presidente durante a gestão da pandemia. Sete: a famosa conta de quem acredita que a mentira é a única coisa que importa na vida.

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