A ‘mamãe’ de dissidentes soviéticos
Ida Nudel, que lutou contra repressão da URSS, morreu aos 90 anos em Israel
Ela, do alto do seu 1,49 metro de altura, esticou os braços e deixou a mensagem visível na parte externa da janela do apartamento moscovita: “KGB, dê-me meu visto para Israel”.
A agenda marcava junho de 1978, e Ida Nudel iniciava mais uma das ações contra a repressão soviética, num tormento a durar 16 anos. Virou símbolo do ativismo judaico para superar cortinas de ferro das leis migratórias da URSS.
Ida Yakovlevna Nudel morreu no dia 14 de setembro, em Israel, aos 90 anos. Sua trajetória contribuiu para modelar o movimento dos “refuseniks”, dissidentes empenhados em emigrar e alvo da repressão capitaneada pela KGB, a polícia política do Kremlin.
Entre os rebeldes, Ida Nudel ganhou apelidos como “anjo da compaixão” e “mamãe” dos insurgentes. Liderava campanhas para arrecadar vitaminas, chocolates e roupas de inverno aos prisioneiros de “gulags”.
“Refuseniks” não eram apenas judeus. O regime impedia a saída de outros dissidentes, como alemães ou gregos, entre outros. Religiosos de diversos credos esbarravam também em controles fronteiriços.
Ao solicitar o visto de saída, o requerente muitas vezes recebia a negativa sob argumento de “possuir segredos estatais”. Podia ganhar o rótulo de traidor e perder o emprego. A prisão era o próximo passo.
Ida Nudel percorreu o tortuoso labirinto da repressão. Nasceu em 1931, na cidade de Novorossiysk, em uma família de comunistas. O pai, Yakov, morreu na batalha de Stalingrado, quando ela tinha 10 anos. Em 1954, Ida formouse em economia e trabalhou como contadora no Instituto de Microbiologia de Moscou.
O flerte com o nacionalismo judaico se intensificou depois da guerra dos Seis Dias, em 1967. Acompanhou a vitória israelense por meio de um rádio, captando ondas clandestinas “do mundo imperialista”.
Em 1970, um grupo de “refuseniks” desenhou um ambicioso plano: capturar um avião vazio no aeroporto da então Leningrado (São Petersburgo) e voar até Israel. A KGB, no entanto, frustrou a iniciativa e prendeu os 16 revoltosos.
O episódio inspirou Ida a mergulhar na dissidência. Com a irmã, o cunhado e o sobrinho, solicitou visto de saída e começou a aprender hebraico. O estudo do idioma dos antepassados transformou-se numa das peças de resistência dos “refuseniks”, ao lado de cerimônias religiosas secretas, para fugir à quase onipresença dos agentes da repressão.
Ida Nudel perdeu o emprego, organizou greve de fome, buscou contato com grupos pró-direitos humanos no exterior, enfrentou a perseguição da KGB. Em 1972, a irmã Elena e a família conseguiram imigrar a Israel. O Kremlin imaginava arrefecer o ímpeto da “mamãe dos refuseniks”.
Após desafiar o Kremlin com o cartaz na janela, em 1978, Ida Nudel foi enviada à Sibéria, em “exílio interno” de quatro anos. Libertada, instalou-se na república soviética da então Moldávia, impedida de regressar a Moscou.
Em 1987, na era Mikhail Gorbatchov, as fronteiras soviéticas se abriam. E naquele ano, após campanha liderada pela atriz Jane Fonda, Ida Nudel conseguiu aterrissar em Israel.
Desceu do avião acompanhada pela inseparável collie Pizer. Ida Nudel personificou a coragem para enfrentar uma das mais implacáveis máquinas repressivas do século 20.