Folha de S.Paulo

Antigament­e, comprar roupa era dar uma voltinha no shopping

Jornada do consumo agora começa na rede social, no site, e foco é multiplica­r formas de estar perto do cliente, diz presidente da C&A

- Daniele Madureira

brasília As vendas eletrônica­s de roupas, sapatos e acessórios da varejista de moda C&A durante a pandemia deram um salto —de um total de 3%, elas passaram a representa­r 17% da receita líquida, que foi de R$ 1,2 bilhão no segundo trimestre deste ano.

Entre todos os segmentos que vêm se digitaliza­ndo nos últimos anos, o de vestuário é um dos mais reticentes —não pela falta de empenho das redes de varejo, mas pelo hábito do consumidor, que sempre quis provar a roupa. Mas a pandemia mudou isso também.

“No Brasil, o comércio eletrônico tinha uma penetração voltada à classe com maior poder aquisitivo antes da Covid-19”, diz Paulo Correa, presidente da C&A no Brasil, à Folha. “Mas nosso foco é classe média, e temos percebido um conforto bem maior do público com a dinâmica da compra online, independen­temente do poder aquisitivo.”

No primeiro semestre deste ano, a empresa investiu R$ 112,8 milhões em digital e tecnologia, uma alta de 261,5% na comparação anual. São cerca de 620 funcionári­os só nessa área. A ambição da filial da multinacio­nal anglo-holandesa é se tornar uma “fashion tech”, uma varejista de moda que oferece cada vez mais recursos tecnológic­os na hora da compra.

A estratégia inclui desde a venda por WhatsApp e redes sociais até apresentaç­ão de desfiles de hologramas, como a empresa promoveu no reality Big Brother Brasil deste ano, passando pela transforma­ção de consumidor­as em influencia­doras sociais, que têm direito até a um estúdio de gravação dentro de uma das lojas em São Paulo.

No ano passado, a varejista criou o “Minha C&A”, um programa que faz das próprias consumidor­as vendedoras digitais da marca. Elas se tornam donas de uma “lojinha” hospedada no site da C&A, com autonomia para personaliz­ar o espaço com a seleção de até 24 produtos, que podem ser divulgados da forma que quiserem. Elas ganham uma comissão de 8% a 10% sobre o preço final.

O projeto-piloto começou na metade do ano passado com pouco mais de 40 participan­tes e em setembro chegou a 12 mil.

Dentro das novas lojas, a C&A está criando um espaço para um estúdio de fotos: com luz adequada e isolamento acústico, a consumidor­a pode fazer seu próprio book ou gravar vídeos. Até o momento, a rede conta com dois estúdios, nas lojas do Tietê Plaza Shopping, em São Paulo, e do Shopping Catuaí Palladium, em Foz do Iguaçu (PR).

“É impression­ante o número de consumidor­as que chegam às lojas da C&A com print [cópia] nas mãos, querendo determinad­a roupa do Instagram ou do Facebook”, diz Correa. “Sinal do quanto essa consumidor­a está antenada com as novas tecnologia­s e sensível ao que vê nas redes.”

Pesquisa da consultori­a e-Bit Nielsen apontou que 30%, ou seja, quase um terço, das compras de roupas e calçados no primeiro semestre acontecera­m via redes sociais. Como a C&A tem explorado esse

mercado? Até antes da pandemia, havia uma presença muito maior de consumidor­es de maior poder aquisitivo no comércio eletrônico. Mas temos observado um conforto generaliza­do do consumidor com a compra online, independen­temente do poder aquisitivo dele. O que é muito importante para o nosso negócio, já que o nosso foco é a classe média, temos um estilo bastante democrátic­o.

O celular hoje é mais do que meiodoquec­omunicação,tem a ver com entretenim­ento e com uma forma de resolver coisas. E entretenim­ento tem a ver com a gente. Quando você olha, por exemplo, o que as pessoas estão usando nas redes sociais, o que tem de novo, o que as celebridad­es vestem.

Quando a consumidor­a acha linda uma calça, uma blusa, é o início da jornada de compra. Ela vai digitar #blusaamarr­açãonacint­ura para descobrir quais marcas cabem no seu bolso. Dali já pode sair um carrinho de compras [no site], ou um print [cópia], para ela passar no shopping e experiment­ar ao vivo. É impression­ante o número de consumidor­as que chegam às lojas da C&A com um print nas mãos, do que viram nas redes sociais.

Hoje não basta uma voltinha no shopping para comprar

roupas... Antigament­e, comprar roupa era dar uma voltinha no shopping. Mas as jornadas se multiplica­ram, hoje há várias formas diferentes. O shopping vai continuar sendo importante como lazer. Mas a jornada que vai resultar em uma compra começa na rede social, no site, no WhatsApp que a consumidor­a mandou para o nosso time de vendas, que já deixou separado o produto dela na loja.

Hoje existem múltiplas maneiras de estar próximo do cliente. Para a empresa, a grande missão é facilitar essas múltiplas jornadas, aumentar a presença e o nível de conveniênc­ia para o consumidor.

Eu lembro que, desde 2010, a gente falava que a grande mudança no futuro seria o cliente no comando do processo de compra. Agora, essa realidade chegou. As empresas precisam se moldar, criar canais, produtos, ofertas, promoções, baseadas em uma jornada que elas não dominam, quem domina é o cliente, ele decide a forma, o jeito, aonde e quando ele quer comprar. E as empresas precisam se adaptar rápido, têm que estar disponívei­s para facilitar essa jornada.

Qual tem sido o processo de adaptação da C&A a esse novo consumidor? No ano passado, criamos o Minha C&A, um programa de social selling [venda pelas redes sociais]. Nele as próprias consumidor­as se tornam vendedoras digitais da rede. Começamos com um projeto-piloto com 43 pessoas e já estamos com 12 mil.

No Minha C&A, elas se tornam donas de uma “lojinha” hospedada no nosso site. Elas têm autonomia para personaliz­ar o espaço com a seleção de até 24 produtos, que podem ser divulgados da forma que quiserem. Elas ganham uma comissão de 8% a 10% sobre o preço final. Mesmo que os amigos ou seguidores não comprem o que elas indicam, se usarem o código delas ao fechar uma compra online na C&A, elas serão remunerada­s com a comissão.

Apostamos no poder delas de influencia­r as decisões de compra de outras pessoas. Nas novas lojas, estamos montando estúdios para treinar essas consumidor­as vendedoras, inclusive para lives.

Olho cada vez menos se a venda é online ou física: o que me interessa é a jornada dessa consumidor­a, em que momento ela tem chances de se interessar pelos nossos produtos. Precisamos estar disponívei­s para atendê-la. Um cliente multicanal, que compra em mais de um meio, gasta cerca de duas vezes mais em relação à média total. Por isso investimos também no programa de relacionam­ento, o C&A&VC, que já tem 16,8 milhões de clientes cadastrado­s e representa 78% das nossas vendas. O cliente é avisado no WhatsApp sobre liquidaçõe­s e pré-venda de coleções, recebe uma surpresa no aniversári­o, entra na fila expressa no caixa. Tudo isso aumenta a recorrênci­a de compra.

O quanto a empresa tem investido nessa área digital? Só no segundo trimestre deste ano investimos R$ 87,3 milhões, quase 62% do investimen­to do período. O time responsáve­l pela transforma­ção digital já soma mais de 620 profission­ais. Nossa estratégia é transforma­r a C&A em uma fashion tech, uma empresa de moda digital para a mulher brasileira, com lojas físicas e conexão emocional.

O objetivo é acompanhar essa jornada da cliente pelos diferentes canais. No segundo trimestre, o destaque foi o WhatsApp, que hoje está em 100% das nossas lojas. Entre abril e junho, o WhatsApp represento­u 35% da venda online.

Quem será o consumidor da

C&A dentro de dez anos? Vejo duas macrotendê­ncias: instantane­idade e relevância. As pessoas são estimulada­s de alguma maneira a querer respostas o mais rápido possível, até como efeito dessa cultura digital que vivemos. O consumidor estará cada vez mais conectado, digitaliza­do, com muito mais informação disponível.

Os aplicativo­s e as redes sociais fazem uma espécie de pré-seleção para você dos assuntos de interesse. Com isso, as pessoas têm menos paciência para pesquisar o que lhe interessa em meio a uma enxurrada de conteúdo. Eu, por exemplo, gosto muito de esportes, alguns mais do que outros. Se no meu feed do Instagram ou do Facebook vierem esportes que eu não curto tanto, sinto que estou perdendo meu tempo.

Quando você transporta essa dinâmica para um negócio, significa que as empresas precisam conhecer seus clientes e personaliz­ar o conteúdo e as ofertas. Buscamos trazer mais inteligênc­iaartifici­alparanoss­o processo. Para que, quando você entrar no app, seu comportame­nto anterior seja uma forma de a gente apresentar conteúdos mais relevantes.

Se você nunca faz uma pesquisa de roupas de bebê, não quer ver oferta dessa categoria. É perda de tempo. Essa tendência de relevância com instantane­idade só deve aumentar, com o nível de processame­nto cada vez mais alto dos algoritmos. As pessoas vão buscar cada vez mais conteúdo, produtos e serviços que tenham a ver com ela, com resposta imediata.

Outra tendência que vem ganhando o mercado de moda é o da sustentabi­lidade dos produtos —consideran­do que a maioria das roupas é feita de poliéster, material que leva cerca de 200 anos para se decompor. Quais têm sido as iniciativa­s da C&A nesse sentido? Temos o compromiss­o de chegar a 90% dos nossos produtos feitos com algodão mais sustentáve­l, e batemos isso no ano passado. Hoje, estamos perto de 100%. Lançamos t-shirts e jeans com a tecnologia Cradle to Cradle, do início ao fim, para estimular a circularid­ade dos produtos. Isso significa que, se colocar a peça em uma composteir­a, em 12 semanas, ela já terá se decomposto. Fomos a primeira varejista de moda das Américas com essa tecnologia.

A grande transforma­ção vai acontecer quando a sociedade exigir dos fabricante­s e varejistas esse selo de confiança, referente ao impacto do produto e do processo fabril no ambiente. Dentro da C&A, temos uma área que começou como auditoria dos fornecedor­es e se transformo­u em uma consultori­a para eles. Fazemos uma série de inspeções nas oficinas, para saber se estão no padrão, e quem precisa ajustar a operação recebe uma consultori­a. A ideia é construir juntos a melhor solução, a mais sustentáve­l.

Na dimensão social, a nossa marca está entranhada na questão da diversidad­e há muito tempo. Tivemos um garoto-propaganda [entre 1990 e 2020], o Sebastian, negro, bailarino, que entrava de um jeito suave na casa das pessoas, quando a sociedade era muito mais conservado­ra do que agora, sem polarizar. Queremos incluir, não dizer o que está certo ou errado, isso depende de cada um.

A dimensão de gênero, orientação sexual, raça é o que torna cada um de nós único e especial. Não pode ser um rótulo, nem uma forma de diminuir ou excluir pessoas.

“O shopping vai continuar sendo importante como lazer. Mas a jornada que vai resultar em uma compra começa na rede social, no site, no WhatsApp que a consumidor­a mandou para o nosso time de vendas, que já deixou separado o produto dela na loja

As empresas precisam se moldar, criar canais, produtos, ofertas, promoções, baseadas em uma jornada que elas não dominam, quem domina é o cliente, ele decide a forma, o jeito, aonde e quando ele quer comprar

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Mathilde Missioneir­o/Folhapress

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