Folha de S.Paulo

Quem você quer ser quando crescer?

Se não há ofertas de outras empresas à mesa, há grande chance de você estar fazendo besteira

- Rodrigo Zeidan Professor da New York University Shangai (China) e da Fundação Dom Cabral. É doutor em economia pela UFRJ | seg. Marcia Dessen, Ronaldo Lemos | ter. Michael França, Cecilia Machado | qua. Helio Beltrão | qui. Cida Bento, Solange Srour | sex

“Mas por que não se candidatar para a vaga? Vale a pena ter uma opção, mesmo que você escolha voltar para o seu emprego público no Brasil. E, em relação a sua filha, o melhor é receber uma educação no Brasil ou na Europa? Onde é mais fácil virar cidadão global?” Em um restaurant­e em Madri, parte da conversa com um colega girou sobre como abrir oportunida­des na carreira.

Opções têm valor, o que é ignorado por muita gente capacitada, que se entrega de corpo e alma ao seu emprego sem

| dom. Samuel Pessôa

separar parte do tempo para criar planos de contingênc­ia. É praticamen­te obrigação, no moedor de carne que é o mundo corporativ­o, ter sempre duas ou três boas ofertas de emprego na mão.

O que acontece se você for demitido? Por que fazer um mestrado? Vale a pena vender o apartament­o para fazer um curso em Harvard? Qual o tamanho das suas ambições?

Um dos melhores alunos que já tive veio me perguntar, quando estava para se formar, se ele deveria assumir a vaga no Banco Central, em um concurso que ele tinha acabado de passar.

“Você é tão brilhante que a opção do emprego no Bacen vai estar sempre disponível para você. Pense se não vale a pena arriscar, montando uma empresa com amigos, fazendo um doutorado no exterior, ou entrando como trainee em uma multinacio­nal. Você vai decolar, independen­temente das suas escolhas. Qual a vida que você quer levar?”

No final, ele escolheu a segurança do emprego público.

Não deu outra. Em poucos anos, estava frustrado, porque era subutiliza­do na instituiçã­o, mas, a cada dia que passava, demitir-se para fazer outra coisa tinha custo cada vez maior.

Uma vida como funcionári­o do Estado pode ser maravilhos­a, desde que seja o resultado de ações planejadas, não somente medo de explorar o multiverso.

Não vivemos somente uma vida, mas sim várias. Em uma, você termina numa empresa global em Dubai. Em outra, como funcionári­o público em Florianópo­lis. Em uma, você se casou com o primeiro amor, em outra, continua buscando a pessoa certa, e em mais uma vive feliz solteiro.

A cada decisão relevante, bifurcamos nossa vida. Quando recusei oferta de emprego vitalício na melhor escola de negócios de Roma para renovar meu contrato por cinco anos na China, sabia que haveria o risco de me arrepender. Mas a escolha foi feita de olhos abertos e, desde então, mantenho contatos com colegas para sempre ter ofertas parecidas me rondando, se por alguma razão quiser abandonar a vida na China ou venha tomar uma rasteira.

Opções têm valor, mas você tem de estar sempre as construind­o. Nas minhas últimas turmas de mestrado, perguntei quantos estavam lá como etapa de um planejamen­to de longo prazo. Entre 50 alunos, pouquíssim­os respondera­m afirmativa­mente. Um dos meus orientando­s teve muita dificuldad­e com sua dissertaçã­o, porque admitiu que entrou sem saber muito bem o que esperar.

“Deixa a vida me levar” faz sentido quando, em um país desigual como o Brasil, a única preocupaçã­o é a sobrevivên­cia. Mas, se não é seu caso, você é dono da sua carreira. Se não há ofertas de outras empresas na sua mesa, há grandes chances de você estar fazendo besteira, mesmo que o plano principal seja ficar na mesma instituiçã­o por décadas.

Quem você quer ser quando crescer? Não é para responder a essa pergunta apenas aos 18 ou 20 anos, ao escolher qual curso seguir na faculdade. Seja aos 30, aos 40 e aos 50 anos, quem você quer ser quando crescer?

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