Folha de S.Paulo

Giambiagi escreve guia sobre desafio da década do Brasil na encruzilha­da fiscal

Em seu novo livro, economista faz a anatomia do gasto público e dá receita para derrotar o déficit e assim criar condições para retomada

- Eduardo Cucolo

são paulo O economista Fabio Giambiagi afirma que o título de seu livro mais recente poderia ser “Tudo o que você sempre quis saber sobre o déficit público no Brasil (e nunca teve coragem de perguntar)”. A analogia ao clássico filme de Woody Allen, no entanto, conta somente parte da história de “Tudo sobre o Déficit Público – O Brasil na Encruzilha­da Fiscal”.

Ao analisar o tema predominan­te em sua produção acadêmica, o autor começa —e termina— por citar uma das passagens mais marcantes de “Conversa na Catedral”, quando o personagem de Mario Vargas Llosa se pergunta: “Em que momento o Peru se ferrou?”.

“A frase tem sido evocada seguidamen­te, em mais de um país, para tentar identifica­r o momento, o instante, o período em que uma nação se extravia e se desvia do caminho. Quando foi que o Brasil se perdeu?”, questiona Giambiagi.

Ao mesmo tempo que faz a anatomia do gasto público (INSS, pessoal, gasto com juros etc.) e elabora seu “guia sobre o maior desafio do país para a década” atual, o autor não deixa de contemplar um passado de oportunida­des desperdiça­das, em especial nas quase quatro décadas em que escreve sobre a busca pelo equilíbrio fiscal.

Assim como foi possível falar sobre um livro de contas públicas até aqui sem utilizar números, é preciso dizer que a imensa quantidade de dados e tabelas contidas no trabalho está disposta como um suporte aos argumentos desenvolvi­dos pelo autor e não são um entrave à leitura.

Não é possível deixar de citar dois deles. Olhando para o passado (e o presente), Giambiagi lembra que o país andou em círculos. Qual era o déficit público em 1987, quando o autor se iniciava na temática? Os mesmos cerca de 7% do PIB previstos para 2021 (chegou a menos de 3% do PIB entre 2010 e 2013).

“O país fez uma série de grandes progressos nos últimos 30 anos (...) Nosso déficit público, porém, alcança níveis inaceitave­lmente elevados, mesmo antes da enormidade do desequilíb­rio de 2020. Combatê-lo deveria ser uma das prioridade­s do país.”

O segundo número vem na forma de uma proposta: um ajuste fiscal em torno de cinco pontos percentuai­s do PIB ao longo da década, reduzindo o déficit público (nominal) para 2% do PIB. Esse resultado, embora negativo, ainda permitiria reduzir a relação dívida/PIB em um contexto de cresciment­o modesto (2,5% ao ano) e inflação baixa (3%).

Tal esforço, afirma, permitiria diminuir paulatinam­ente a despesa de juros e daria “às autoridade­s a feliz situação de definir o que fazer com a poupança extra que decorreria disso”.

A receita de medidas não é nova, tampouco desconheci­da daqueles que acompanham o debate econômico das últimas três décadas: aumento de receitas, revisão dos programas de assistênci­a social de pouco efeito distributi­vo, corte de subsídios e contenção da despesa de pessoal.

Como diz o próprio autor, criticar o gasto público em grandes linhas sempre gera muitos elogios, mas questionar qualquer despesa em participar quase sempre gera críticas e a defesa de tais dispêndios.

Talvez dessa percepção venha o espaço reservado no capítulo final, “O que fazer?”, para a defesa também de uma política de contenção dos reajustes do salário mínimo, algo que já teve impacto social relevante, mas que, atualmente, não mais contribui para atacar o problema da extrema pobreza, segundo o autor —69% dos aposentado­s e pensionist­as que recebem um salário mínimo estão entre os 50% mais ricos da população; apenas 32% entre os 50% mais pobres.

Temas atuais, como a pandemia e o teto de gastos, também estão presentes. O economista, aliás, é um dos autores de uma proposta de revisão da regra fiscal, ao lado do economista Guilherme Tinoco. Este último é também o responsáve­l pelo único capítulo que não é assinado por Giambiagi, o que trata das finanças de estados e municípios.

O livro também se debruça sobre uma série de mitos e explicaçõe­s, como erros de análise ao ignorar a inflação para tratar da questão dos juros no Brasil; explicar quem são os “rentistas” que se beneficiam dos juros da dívida pública; ou ainda da questão do suposto “corte” do Orçamento anunciado todo ano, mas cujo volume de gastos costumava ficar acima do projeto original do governo.

Sobre os objetivos de tal ajuste, afirma que, sem “derrotar o déficit público”, será impossível administra­r a dívida pública e gerar a confiança necessária para a recuperaçã­o do investimen­to e a retomada do cresciment­o a taxas mais vigorosas.

Para isso, de acordo com o autor, será necessário tomar medidas que não são simpáticas, com um desgaste político inevitável e “uma capacidade de articulaçã­o que é um atributo em falta na política brasileira atual”.

Compartilh­ando ou não dessa visão a respeito da importânci­a da responsabi­lidade fiscal, o leitor encontrará um guia que explica, uma a uma, as despesas que compõem o Orçamento público federal, como destaca Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituiçã­o Fiscal Independen­te), no prefácio do livro.

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Ricardo Borges - 9.jan.19/Folhapress Fabio Giambiagi, que propõe ajuste de 5 pontos percentuai­s do PIB durante a década

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