Em alta, apoio da população a impeachment chega a 56%
Ameaça de descumprir decisão judicial foi feita pelo presidente nos atos de raiz golpista no 7 de Setembro
Durante o grande ato de cunho golpista que convocou para o feriado do 7 de Setembro, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que não iria cumprir quaisquer ordens judiciais do ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes.
Se ocorrer, isso constitui crime de responsabilidade, passível de processo de impeachment. Os brasileiros concordam majoritariamente com isso: para 76% deles, a abertura deve ocorrer se Bolsonaro fizer o prometido.
É o que mostra o Datafolha, em pesquisa nacional feita em 190 cidades com 3.667 eleitores de 13 a 15 de setembro. A margem de erro é de dois pontos percentuais para mais ou menos.
Acreditam que o presidente não deveria ser punido nessas circunstâncias 21% dos ouvidos, e 3% não souberam opinar.
Num dia em que participou de dois grandes protestos golpistas contra o Supremo (particularmente Moraes, o relator do inquérito das fake news que pode causar problemas para o presidente, sua família e apoiadores), Bolsonaro desfiou um rosário de ameaças.
Primeiro, em Brasília, disse que o presidente do Supremo, Luiz Fux, deveria enquadrar Moraes, sob pena de ver uma intervenção em seu poder. Em São Paulo, à tarde, exortou a desobediência judicial.
“Nós devemos sim, porque eu falo em nome de vocês, determinar que todos os presos políticos sejam postos em liberdade. Dizer a vocês, que qualquer decisão do senhor Alexandre de Moraes, esse presidente não mais cumprirá. A paciência do nosso povo já se esgotou”, afirmou Bolsonaro na avenida Paulista.
São mais incisivos acerca do golpismo da fala os jovens de 16 a 24 anos (86% defendem o impeachment no caso), os mais pobres (82%) e, claro, aqueles que reprovam o presidente (94%).
Já são mais tolerantes com o desrespeito legal os mais ricos (32% não veem necessidade de um processo), empresários (39%) e, também de forma mais óbvia, os que aprovam o desempenho presidencial (59%).
O 7 de Setembro foi o auge de uma crise institucional provocada durante meses por Bolsonaro, e gerou reações. Inicialmente retóricas, elas ganharam corpo na forma de movimentação de atores políticos em torno da possibilidade de um impeachment.
Bolsonaro recorreu então ao ex-presidente Michel Temer (MDB), que o ajudou a confeccionar uma nota de recuo em que não retirava a discordância de Moraes, mas dizia que suas palavras duras eram resultado do “calor do momento” e que o ministro era um “jurista e professor” (e não “canalha” que havia proferido).
“Nunca tive nenhuma intenção de agredir quaisquer dos Poderes. A harmonia entre eles não é vontade minha, mas determinação constitucional que todos, sem exceção, devem respeitar”, disse Bolsonaro, para quem quis acreditar —basicamente o centrão, que sustenta o governo e tem as chaves da abertura de um processo de impeachment nas mãos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Isso dito, é certeza na classe política que a moderação bolsonarista é transitória, ainda mais com o agravamento da situação econômica e o aumento da rejeição do presidente, como o Datafolha atestou, o que dificulta sua tentativa de reeleição no ano que vem.
Impedimento tem apoio de 56% dos brasileiros
O presidente Jair Bolsonaro pode ter feito um recuo público de suas ameaças golpistas do 7 de Setembro e afastado o risco imediato da abertura de um processo de impeachment na Câmara dos Deputados.
Mas a maioria dos brasileiros, 56% dos ouvidos pelo Datafolha, quer que o impedimento seja encaminhado. É o que o instituto aferiu nos dias 13 a 15 de setembro, quando ouviu presencialmente 3.667 pessoas em 190 cidades.
É um índice que oscila positivamente dentro da margem de erro de dois pontos, ante os 54% que pediam o impeachment em julho.
Naquele momento, houve a confirmação da tendência apontada na pesquisa de maio, quando pela primeira vez desde que o Datafolha começou a fazer a pergunta, em abril de 2020, havia uma vantagem numérica em favor do impedimento (49% a 46% contrários). Agora, ficou estável o número daqueles que são contra a medida (41%, ante 42% na rodada anterior). Não souberam opinar 3%.
O impeachment voltou à pauta nacional após os protestos do 7 de Setembro, quando Bolsonaro atingiu o ápice de sua campanha golpista contra as instituições, em especial o Supremo Tribunal Federal, corte que ele ameaçou devido aos processos que lá correm e podem atingir tanto o presidente como seus filhos e grupos bolsonaristas.
Bolsonaro chegou a dizer que não iria cumprir quaisquer ordens judiciais de seu desafeto Alexandre de Moraes, ministro do Supremo que relata ações acerca do bolsonarismo como o inquérito das fake news. Para 76% dos brasileiros, se fizesse isso, já mereceria a abertura de um processo de impeachment.
Alguns partidos se mexeram com a crise. O PSD da bússola da “realpolitik” brasileira Gilberto Kassab criou uma comissão para “acompanhamento do impeachment”, e o sempre dividido PSDB aprovou na sua Executiva a ida à oposição e a abertura de debate sobre o tema.
Não que o impedimento estivesse na esquina, dado que Bolsonaro seguia com apoio seguro do centrão na Câmara, na figura do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), que de cara descartou a medida em pronunciamento.
Mas a pressão, em especial pelo crescente desembarque de setores econômicos que entenderam o preço que a turbulência política cobra ao deixar o país em desgoverno e índices como a inflação ameaçando descontrole, cresceu.
Em dois dias, com a nota de recuo operada pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), a crise foi contida por ora.
Ninguém no mundo político aposta por quanto tempo, mas o impeachment se torna mais improvável à medida que o tempo passa: um processo de talvez seis meses, ele encavalaria com o início da campanha, em uma confusão que desagrada tanto a agentes políticos como econômicos.
Para o centrão, por exemplo, interessa mais manter sua influência e controle sobre emendas. Já na esquerda, o cálculo do líder atual na disputa de 2022, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), é de deixar Bolsonaro sangrando —mesmo que o ex-presidente diga apoiar o impeachment.
A oposição à direita fracassou em fazer um ato consistente contra o presidente na esteira da crise da semana do 7 de Setembro, no dia 12, devido a erros de organização e divisões internas. O próximo protesto está a cargo da esquerda, no dia 2 de outubro.
Isso dito, a percepção popular sobre o assunto não mudou, como mostrou o Datafolha, e a tendência pró-impedimento se mantém. No começo do ano, a fotografia era inversa: 53% não queriam a medida e 42%, sim.
Desejam mais que a Câmara lance mão do expediente os mais pobres (62%), os mais jovens (67%), nordestinos (67%) e estudantes (68%). Em relação ao tamanho da amostra, o dado de renda é o mais importante, pois o segmento que ganha até 2 salários mínimos compõe 51% dos entrevistados.
Na mão contrária vêm os mais ricos (55% contra), empresários (69%) e evangélicos (53%). Assim como ocorre na intenção de voto, os aderentes principalmente de denominações pentecostais e neopentecostais se mostram frustados com Bolsonaro (41% de rejeição), mas não o suficiente para punir o presidente.