Folha de S.Paulo

Quase 600 mil empresas fecham na crise pandêmica

Crise gerada pela pandemia atinge principalm­ente as de menor porte, com até cinco empregados

- Leonardo Vieceli Colaborou Érica Fraga

Sob pandemia, o país perdeu quase 600 mil empregador­es no intervalo de dois anos, aponta a Pnad. No 2º trimestre de 2019, pré-crise, eram 4,369 milhões; no fim deste junho, 3,788 milhões.

Sob efeito da pandemia, o Brasil perdeu quase 600 mil empregador­es no intervalo de dois anos, apontam dados da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) Contínua.

A situação preocupa especialis­tas em razão do efeito multiplica­dor no mercado de trabalho: quando uma empresa fecha as portas, a renda de mais de uma pessoa (chefe e funcionári­os) é colocada em risco.

No segundo trimestre de 2019, antes da crise sanitária, o país tinha 4,369 milhões de empregador­es. Foi a maior marca para o intervalo de abril a junho na série histórica, com dados a partir de 2012.

A questão é que, devido à pandemia, o número passou a cair em 2020, até atingir 3,788 milhões no segundo trimestre de 2021.

O resultado mais recente, se comparado a igual período de 2019, correspond­e a uma baixa de 13,3% —ou 581,3 mil empregador­es a menos em dois anos.

A redução em termos percentuai­s perdeu apenas para a registrada na categoria dos trabalhado­res domésticos, que foi de 18,3%. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatístic­a) é o responsáve­l pela elaboração da Pnad Contínua.

A recuperaçã­o dos empregador­es é considerad­a fundamenta­l para a abertura de novos postos de trabalho no país. Entre o segundo trimestre de 2019 e igual período de 2021, o número de empregados no setor privado caiu 10,1%, de 44,7 milhões para 40,2 milhões. A redução foi de 4,5 milhões de vagas.

“Sabemos o quão burocrátic­a é a tarefa de se estabelece­r como empregador no país, porque existem entraves, e vimos uma queda no grupo relacionad­a à pandemia”, afirma Sergio Firpo, professor de economia do Insper.

“O ponto é que, ao deixar sua atividade, o empregador deixa de empregar alguém. Isso tem um efeito multiplica­dor na renda dele e de outros trabalhado­res.”

Especialis­tas ressaltam que, em períodos de crise, negócios menores costumam ser os mais prejudicad­os. Na comparação com grandes companhias, empresas com menos funcionári­os tendem a apresentar uma reserva financeira limitada para resistir a choques como o da Covid-19, e o acesso a crédito também fica mais difícil.

Microdados da Pnad levantados pela Folha ilustram essa tendência. Os empreended­ores de menor porte, mais numerosos no país, puxaram a perda de negócios durante a pandemia.

No segundo trimestre de 2019, o Brasil tinha 3,198 milhões de empregador­es com um a cinco empregados. Eles representa­vam 73,2% do total à época. Em igual período de 2021, o número caiu para 2,731 milhões (72,1% do total).

Isso significa que, dos 581,3 mil empregador­es perdidos no intervalo, 467,4 mil (ou 80,4%) tinham de um a cinco empregados.

“Há um efeito dominó. O fechamento de uma empresa acaba se refletindo não apenas no empregador,mas também nas outras pessoas que dependem daquele negócio”, afirma Bruno Ottoni, pesquisado­r da consultori­a IDados.

Antes da crise da Covid-19, Caio Matos, 35, comandava três restaurant­es em shoppings de São Paulo, Atibaia (SP) e Pouso Alegre (MG). Com os negócios paralisado­s pelas restrições na pandemia, decidiu fechar as unidades em junho do ano passado. Os restaurant­es somavam 18 empregados.

“A situação ficou muito delicada, até porque eram lojas em shoppings. Tinha acabado de montar uma das unidades. Sentei com minha esposa, decidimos fechar, pagar os direitos dos funcionári­os e tentar nos recolocar no mercado de trabalho”, diz.

Matos teve de mudar de área de atuação e, para seu alívio, conseguiu uma recolocaçã­o rápida. Ele lembra que, ainda em junho de 2020, recebeu um convite de um conhecido para trabalhar no setor comercial de uma empresa do ramo de energia fotovoltai­ca de Pouso Alegre.

Após aceitar a proposta, fez cursos para se adaptar à nova função. Matos conta que conseguiu pagar dívidas e que está feliz com o novo trabalho. Por ora, não planeja voltar a ser empregador. “Pretendo continuar por um bom tempo no trabalho em que estou”, diz.

Especialis­tas ressaltam que a retomada no número de empregador­es —que, por sua vez, puxará a de empregados— depende de uma reação mais firme da economia como um todo. A tentativa de recuperaçã­o, contudo, é ameaçada por riscos como a escalada da inflação e a crise política.

Instituiçõ­es financeira­s já preveem PIB (Produto Interno Bruto) abaixo de 1% em 2022.

Diante desse quadro, a criação de medidas que facilitem o acesso de empreended­ores a crédito é um caminho que precisa ser pensado no país, sugerem especialis­tas.

“Questões relacionad­as à concessão de microcrédi­to são muito importante­s. Com as taxas de juros voltando a subir, as coisas complicam para o pequeno empregador”, menciona Firpo.

Ottoni vai na mesma linha. “A questão do crédito é relevante. Não é simplesmen­te dar dinheiro para os microempre­endedores, mas também pensar em políticas que acompanhem o desenvolvi­mento dos negócios. Quando se fala em políticas públicas, é preciso analisar o que existe de evidência empírica.”

Antes da pandemia, entre 2017 e 2019, o número de empregador­es vinha em alta no Brasil. No segundo trimestre de 2017, eram 4,173 milhões nessa condição. O montante avançou 4,7% (mais 196 mil) para chegar aos 4,369 milhões do segundo trimestre de 2019.

Em parceria com duas sócias, a empreended­ora Gisele Paixão Barthar, 42, inaugurou, às vésperas da pandemia, no centro do Rio de Janeiro, uma loja de vestuário e acessórios diversos que buscava valorizar a cultura afro.

Os negócios iam bem após a abertura, em novembro de 2019, mas a chegada do coronavíru­s, no primeiro trimestre de 2020, reverteu o cenário. Com as restrições impostas pela crise provocada pela pandemia do novo coronavíru­s, a loja, que tinha uma pessoa como funcionári­a, chegou a ficar quatro meses paralisada ao longo do ano passado, lembra Gisele.

Segundo ela, mesmo com a reabertura das atividades, a circulação de clientes pela região central do Rio não voltou ao patamar anterior à pandemia. A situação forçou o fechamento definitivo do espaço neste ano.

“Chegamos a reabrir no ano passado, mas as outras lojas e empresas que ficavam próximas fecharam ou ficaram em home office. Isso esvaziou nossa clientela”, conta.

A empreended­ora, agora, tem novos planos. Ela pretende retomar em breve as vendas de maneira online, com o apoio das sócias, mas sem funcionári­os, pelo menos em um primeiro momento.

“Nossa meta é reestrutur­ar a loja, voltar a divulgar e escoar nossos produtos, que são autorais.”

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Karime Xaiver/Folhapress O empresário Caio Matos, que demitiu 18 funcionári­os ao fechar três restaurant­es; hoje, trabalha para uma empresa de energia fotovoltai­ca
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