Folha de S.Paulo

Quem são os criativos?

- Andréa Gomides Fundadora do Instituto Ekloos, é pósgraduad­a em gestão estratégic­a de negócios pela Fundação Getulio Vargas

Quando você pensa em uma pessoa criativa, em quem você pensa? Steve Jobs? Walt Disney?

Não sei em quem você pensou, mas eu, 14 anos atrás, com certeza imaginaria uma pessoa totalmente diferente das que imagino hoje.

A primeira pessoa que me vem à cabeça é Raimundo Silva. O Raimundo é um jovem que mora em um quilombo no interior do Maranhão, e eu o conheci através do Programa de Desenvolvi­mento de Líderes de Impacto, que realizamos no Instituto Ekloos.

Raimundo faz faculdade de geografia, mas queria ser jornalista. Começou a ver as tradições quilombola­s se perderem e criou a TV Quilombo, que através das redes sociais compartilh­a conteúdos para manter vivo os costumes do seu território. Mas como gravar e entrevista­r sem recursos financeiro­s?

Raimundo não tem uma super filmadora, mas ele tem a criativida­de. Acoplou o celular a um bambu bem grande e assim construiu o seu “drone”. Com esse drone, ele consegue filmar de cima a realidade da sua comunidade. As entrevista­s não são feitas apenas com um celular, porque esse celular também foi acoplado a uma câmera de papelão, que impõe ao entrevista­do a sensação de estar diante de uma grande emissora de TV.

Mas, no meu pensamento, vem também o Hugo Lima, jovem negro da periferia do Rio de Janeiro que ficou muito incomodado com os “ring lights” (aquela luz branca em forma de anel que ilumina as pessoas durante as lives).

A luz branca só favorece os brancos, então o nosso Professor Pardal, como gosto de chamá-lo, criou um “ring light” com uma luz temperada para a pele negra. Além disso, cria diversos outros produtos que são comerciali­zados pelo seu negócio de impacto, a Wotec.

Poderia contar muitas outras histórias nesta coluna, mas o que quero aqui é trazer uma reflexão sobre quem são os criativos.

Para mim, os criativos surgem da inquietude de uma juventude espalhada pelo Brasil, extremamen­te engajada na mudança social. Não conformada! Jovens que querem criar condições para que as pessoas vivam, não que apenas sobrevivam. Esses são os criativos que precisam estar na nossa mente! E são os criativos potentes. Que precisam ser estimulado­s, que precisam alcançar investimen­tos para que as suas iniciativa­s sociais obtenham escala e possam impactar ainda mais pessoas.

Por isso trago esta reflexão: por que você não imaginou Raimundos, Hugos e tantos outros criativos que estão em muitos lugares do Brasil, criando, inovando e impactando?

É uma resposta que nós, como sociedade, devemos sempre buscar.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil