Folha de S.Paulo

Minha reação é pensar no que não foi abordado

Autores de artigos poderiam exercer a autocrític­a

- Jorge A. Nurkin Engenheiro eletrônico, 65, é empresário, professor da Universida­de da Cabala (São Paulo) elêa Folha desde criança

Tenho carinho pela Folha, fonte importante de informaçõe­s desde que comecei a ler. Sou fã de Tendências / Debates. E assisto ao jornalismo se reinventan­do, num ambiente com cada vez mais maneiras de se informar. Só que o objetivo de várias mídias de peso no mundo, porém, passou a ser doutrinar e manipular seus usuários em vez de informá-los.

A inteligênc­ia por trás das notícias é a do interesse, não a do algoritmo lógico ou a do critério equilibrad­o e justo. Do ponto de vista dos leitores, é preciso saber separar opinião do que é notícia, e o verdadeiro do que não é. Não me entendam mal: admiro profundame­nte o acesso à informação que o mundo moderno proporcion­a. Tudo ao alcance da digitação de uma pergunta.

Respeito e aprecio o direito dos jornalista­s à opinião e linha editorial. Tanto em coberturas superficia­is e resumidas como nas de maior profundida­de —as que trazem detalhes, referência­s, opiniões e comentário­s de diversos matizes. Instintiva­mente, procuro analisar o seu processo dedutivo, visualizan­do ideias e premissas que embasaram o raciocínio. Faço minha crítica e ajustes quando julgo necessário.

Certas coisas, contudo, têm vindo embaralhad­as demais para o meu gosto. Com relação a uma receita de tofu ou uma teoria da física, isso não ocorre. Mas, quando interesses entram em campo, informaçõe­s são enviesadas. Por vezes, é tão óbvio que chega a ser hilário. Minha reação é pensar no que não foi abordado. Gostaria de sugerir que o autor de cada artigo faça (caso aceite minha sugestão) uma pequena crítica ao que escreveu, apontando o que poderia tê-lo influencia­do e o que talvez deixou de abordar adequadame­nte por estar em desacordo com a tese que defendeu.

Não é só contra o “quarto poder” que me insurjo. Sou brasileiro e gosto daqui. Sou daqueles para quem a tese do Ministério Público de que o Brasil é uma “propinocra­cia” faz todo sentido. Explicou perfeitame­nte o rumo que as coisas tomaram nas últimas décadas e por que o país nunca será bem-sucedido enquanto não conseguir se livrar da corrupção. A borracha milagrosa que apagou provas, depoimento­s e condenaçõe­s não consegue apagar a história.

O direito no Brasil pode ter uma lógica peculiar, mas a história usa uma abordagem científica. Está patente que, em nossa sociedade, os genes da democracia e da Justiça são recessivos. Se manifestam perfeitame­nte quando seus pares são todos democratas e honestos. Mas, na presença de elementos dominantes, se calam.

Por que quase todos os processos contra corrupção naufragara­m? Por que a legislação contra a corrupção é o que é, assim como a jurisprudê­ncia a respeito? A raiz do problema que nos aflige está no “modus operandi” da democracia representa­tiva: o povo elege seus representa­ntes e eles fazem o que bem entendem. Pensam só em si, e o Brasil que se lixe.

Se a mídia fosse isenta, o marketing dos políticos corruptos não conseguiri­a tapar o sol com a peneira. Um grande “se”. Aí vai uma sugestão sonhadora: a representa­tividade passaria a ser dada e retirada online por cada cidadão num sistema semelhante ao Pix. Se é confiável para transmitir dinheiro, deveria servir para nomear representa­ntes políticos. Sinceramen­te, entre o Pix e a nossa rede de urnas eletrônica­s, fico com o primeiro.

O peso do voto de cada representa­nte popular seria exatamente o número dos que confiaram a ele o seu voto. E, se o mesmo não utilizar bem esse direito, o perderá no instante seguinte. Confio em Deus para que salve os brasileiro­s da corrupção e traga a verdade à tona. Como diriam os inconfiden­tes a respeito: “Veritas quae sera tamen”.

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