Folha de S.Paulo

Soneto e o contrário do soneto

Em semana de erros, Folha emenda reportagem contra o governo João Doria

- José Henrique Mariante

Não foi boa para a Folha a semana que passou. Uma resposta desmedida e uma omissão grave, com reação tardia, marcaram o desempenho do jornal, entre outras faltas.

Na segunda-feira (13), reportagem publicada no fim da tarde dava conta de que o investimen­to em saúde no estado de São Paulo caiu 23% nos dois primeiros anos da administra­ção João Doria. A conta não inclui gastos fixos, como salários e custeio. Ouvida para o outro lado, a gestão tucana afirmou que a oferta de serviços aumentou, nem sempre por meio de investimen­to, e que a pandemia elevou outros tipos de gasto que seriam revertidos depois à população.

O jornal considerou a matéria importante, tanto que a alçou à manchete do impresso no dia seguinte. Antes disso, porém, a assessoria de imprensa da secretaria de Saúde enviou uma carta à editoria, com cópia para o ombudsman. “A Folha de S.Paulo erra em diversos pontos…”, começa assim a missiva, que, contudo, não consegue apontar um único erro factual na reportagem.

Na manhã de terça, a reportagem recebeu uma emenda. Um parágrafo, sobre a secretaria ter enviado nota, e a íntegra da mesma na sequência: mais de 4.000 caracteres, algo como a metade da reportagem original, desdizendo quase tudo que o jornal havia escrito nos parágrafos anteriores.

Sem edição, o texto agora é composto pela reportagem, pelo outro lado e por uma crítica feroz à reportagem, que consome espaço equivalent­e ao de oito mensagens, no máximo tamanho permitido, do Painel do Leitor, por exemplo. Não sendo isso suficiente, na edição de quarta um artigo do secretário Jean Gorinchtey­n foi publicado em Tendências / Debates. De oito parágrafos, quatro praticamen­te repetem períodos da carta apensada.

Em geral, a Folha corrige seus equívocos na seção Erramos. É um dos poucos jornais no mundo com espaço fixo e visível para correções. Erros graves às vezes provocam a edição de um novo texto. No caso em tela, nada disso foi acionado, o que leva à óbvia conclusão de que não há reparos no noticiado. Agora, se havia motivos para a publicação dobrada dos argumentos do governo, a reportagem deveria ter sido de alguma forma retificada.

Pior, a inusitada deferência abre precedente para outros queixosos. Se não abre, é porque foi apenas deferência.

As duas alternativ­as são ruins para o jornal.

Na quinta-feira (16), a Globonews exibiu pela manhã reportagem sobre a Prevent Senior. Dossiê em posse da CPI da Covid afirma que o plano de saúde voltado para idosos usou pacientes como cobaias em pesquisa sobre hidroxiclo­roquina e omitiu sete óbitos, entre outros detalhes escabrosos. Nas 24 horas seguintes, foi assunto na maioria dos sites, canais de TV e redes sociais. Menos na Folha, que só acordou para o fato às 10h27 de sexta.

A história é muito forte. Na falta de apuração própria, o jornalismo em casos assim indica a reprodução da informação alheia, com os devidos créditos e ponderaçõe­s. Atrasar tanto uma notícia que afeta público que consome jornal não era uma alternativ­a.

Foice ou faca?

A Folha conseguiu apanhar de quase todos os lados nos últimos dias. Nova pesquisa Datafolha, que detecta reprovação recorde de Jair Bolsonaro, foi recebida com ironia e desprezo pelas franjas da direita, as extremas e as nem tanto. Quem acompanhou minimament­e as redes sociais deve ter se deparado com citações ao “Datafoice” e confrontaç­ão dos números com imagens de aglomerado­s no 7 de Setembro golpista. A data serviu para dar uma fotografia ao presidente, como ele repetiu várias vezes, do que foi sem nem ter sido.

À esquerda, o jornal foi imolado por publicar reportagem crítica ao documentár­io “Bolsonaro e Adélio, uma Fakeada no Coração do Brasil”, lançado pelo site Brasil 247, alinhado ao PT, com mais de 1 milhão de visualizaç­ões no YouTube. O filme é um compêndio de teorias e argumentos sobre o atentado de 2018 em Juiz de Fora ter sido forjado pelo então candidato à Presidênci­a.

Não entro aqui no mérito da questão, apesar de pessoalmen­te achar impossível combinar silêncio ou versões com dezenas, talvez centenas de pessoas. O filme está aí para suscitar a discussão, e leitores cobram da Folha e da imprensa em geral novas investigaç­ões sobre o episódio. Não haveria disposição da mídia para entrar no assunto. Acho que não há mesmo, mas por questões práticas, não ideológica­s.

Outra queixa é sobre o tom da reportagem, a começar pelo título, que fala em “tese fantasiosa”. O texto sustenta com fatos que ela é fantasiosa, não dá para ver problema aí. Em alguns trechos, no entanto, é possível notar empolgação com o sublinhar de aspectos óbvios não contemplad­os pelo diretor. Teria sido apropriado fazer uma redação mais neutra.

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Carvall

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