Folha de S.Paulo

Alessandro Vieira Não dá mais para ser meme ambulante e não ter condição

Integrante da CPI da Covid foi lançado pré-candidato à Presidênci­a buscando terceira via

- Julia Chaib e Renato Machado

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) tornou-se um dos rostos conhecidos da CPI da Covid, ao usar sua experiênci­a como delegado para inquirir os depoentes.

Um dos reflexos dessa atuação foi o lançamento pelo partido de sua pré-candidatur­a à Presidênci­a da República.

Crítico dos governos do PT e também do presidente Jair Bolsonaro —em quem se arrepende de ter votado e considera uma “ameaça ao avanço civilizató­rio”—, Vieira quer ocupar um espaço na chamada terceira via, mas critica a busca de um “nome mágico” para unir o bloco, fenômeno que também levou à eleição do atual mandatário.

“Não dá mais para ser figura midiática, personagem de internet, meme ambulante e chegar aqui e não ter condição”, afirmou à Folha.

O senador também criticou as articulaçõ­es com velhos caciques de partidos e disse que ex-presidente­s “não são fiadores do futuro brasileiro”.

O senador atacou o que chama de abusos de membros do Judiciário, mas poupou os investigad­ores da Lava Jato, da qual segue um defensor.

Ele ainda minimizou o fato de estar na CPI ao mesmo lado de investigad­o pela operação, como o relator Renan Calheiros (MDB-AL). “Mas considerar como aliado, não vejo sentido, nem politicame­nte nem internamen­te”, afirmou o parlamenta­r, um dos poucos que não usa carro oficial e se locomove de Uber.

Por que decidiu se lançar candidato a presidente? Porque acredito que existe uma lacuna nessa disputa pela terceira via e pautas que não estão sendo faladas pelos principais candidatos e por esses que estão se colocando na terceira via. Então vou destacar três.

A primeira delas é a questão do combate à corrupção. O Brasil está passando por uma espécie de surto coletivo, de fingir que nada existiu: não teve corrupção do PT, continua a não existir corrupção do governo Bolsonaro e isso não é mais um problema. Ninguém fala mais nisso, e você vê a destruição da Lava Jato e outras iniciativa­s.

Segunda coisa é a urgência de uma política racional e responsáve­l fiscalment­e de transferên­cia de renda. A gente teve um aumento na miséria no Brasil que nos jogou dez anos atrás, em um processo gigantesco. Essa turma não vai ser, como diz Paulo Guedes, incorporad­a em uma retomada em V da economia.

E um terceiro ponto, e um dos que mais me motivam a fazer esse movimento, é a questão da educação, também muito pouco mencionado.

A terceira via tornou-se um balaio muito grande, com muitos nomes, partidos e muita gente querendo usufruir dessa ideia para barganhar. O que faz do sr. diferente? De barganha, não será de forma alguma. O que é muito claro é que se você quiser fazer uma frente ampla e uma união de terceira via, você tem de partir da premissa que pode retirar a sua candidatur­a para apoiar alguém.

É construção de uma alternativ­a de terceira via, o que significa que uma chapa pode não ter o meu nome, não precisa ter o meu nome, mas eu quero que tenha lá as minhas bandeiras.

“O projeto do PT, como ele foi executado pela cúpula petista ao longo do governo Lula e Dilma, é ‘corrosão democrátic­a soft’. Mensalão mostrou isso, Lava Jato também. O Bolsonaro é outro tipo de ameaça. Além de ameaçar a democracia, ameaça um avanço civilizató­rio

Mas o sr. já entra pensando em abrir mão? Não, de forma alguma. A nossa proposta é apresentar o nome, os nossos projetos, deixar que o cidadão possa conhecer.

O Brasil está passando por uma mudança geracional de lideranças. Então quando as pessoas dizem “não tem ninguém na terceira via que se destaca” é porque o povo não conhece suficiente­mente alternativ­as, tanto que a gente tem aí situações e eventos com ex-presidente­s que são senhores na casa dos seus 70, 80, alguns 90 anos de idade.

Merecem todo o respeito, que têm muita contribuiç­ão para dar, mas não são fiadores do futuro brasileiro. Não dá para ser.

A hora é de apresentaç­ão. Eu cheguei aqui naquela onda de renovação de 2018 e acho que tenho uma certa obrigação de dar continuida­de àquilo, com ajustes e correção de rota.

Não dá mais para ser figura midiática, personagem de internet, meme ambulante e chegar aqui e não ter condição, não ter trabalho, não ter entrega. Isso é o que a gente tem de reverter.

As pesquisas apontam para um reforço da polarizaçã­o e o enfraqueci­mento da terceira via. O sr. acredita na viabilidad­e eleitoral da terceira via

e na sua própria? Nenhuma quantitati­va nesse momento vai dar nada significat­ivo para quem está começando a caminhada. Vai ter sempre um destaque muito grande para Lula e Bolsonaro. Vai ter o Ciro [Gomes], que vai para a quarta candidatur­a presidenci­al, e ele está ali entre 5% e 10%, dependendo da pesquisa.

E tem um personagem que destoa dessa realidade, que é o Sergio Moro, que não é candidato, não está como político, não está morando no Brasil, mas continua com um desempenho nessa faixa do Ciro.

Como é um nome mais conhecido, ele representa esse sentimento de quem estava acreditand­o na mudança, no combate à corrupção.

Naturalmen­te e legitimame­nte, eu dialogo com esse público, porque é minha história de vida e o meu trabalho.

O sr. critica muito essa polarizaçã­o Lula-Bolsonaro. Acha que os dois personagen­s se equivalem? Não. Quando eu anunciei o voto em Bolsonaro [no segundo turno], eu faço uma análise dos dois projetos.

O projeto do PT, como ele foi executado pela cúpula petista ao longo do governo Lula e Dilma, é um projeto de “corrosão democrátic­a soft”. Você usa a corrupção e o preenchime­nto de cargos como mecanismo. Mensalão mostrou isso, Lava Jato também. Não é invenção do PT, que registre isso.

O Bolsonaro é outro tipo de ameaça. Além de ameaçar a democracia, ameaça um avanço civilizató­rio. Mas por que você votou nesse cara? E eu assinalo ainda em 2018 que eu imagino que o sistema vai conseguir restringir esses excessos do Bolsonaro. Onde está meu erro? Eu subestimo o Bolsonaro e subestimo a rápida adesão do Bolsonaro ao próprio PT.

Então, objetivame­nte: Lula e Bolsonaro são profundame­nte diferentes. Bolsonaro tem uma caracterís­tica que Lula não tem: Bolsonaro é profundame­nte incompeten­te, é um cara incapaz, não trabalha, trabalha muito pouco ou quase nada.

Bolsonaro é uma ameaça maior? Bolsonaro é uma ameaça maior, porque é uma ameaça violenta. E uma ameaça violenta inibe a possibilid­ade de reação, mais do que no caso do Lula.

O sr. defende a investigaç­ão de membros do Judiciário. Nesse momento atual, de ataques às instituiçõ­es, não existe risco de o sr. carregar essa bandeira e acabar validando

o discurso do Bolsonaro? O inquérito das fake news, conduzido pelo ministro Alexandre de Moraes, é flagrantem­ente abusivo.

Por que se tolera hoje no Judiciário? Se tolera porque se imagina que é a única solução para combater as milícias bolsonaris­tas nas redes sociais e na vida real, porque aquela violência das redes sociais transborda para a vida real e nós vamos ter uma campanha muito violenta em 2022.

Agora, se me perguntar se eu apresento hoje o pedido de impeachmen­t de Alexandre de Moraes, não posso mais. Por que não posso? Porque o Supremo já decidiu pelo pleno que a conduta dele é legal.

E o Supremo, o meu conterrâne­o, o ex-ministro Carlos Ayres Britto tem uma frase perfeita: o Supremo tem o direito de errar por último no sistema democrátic­o.

O sr. critica abusos, mas defende a Lava Jato, enquanto o Judiciário aponta justamente excessos da operação. Não

é uma contradiçã­o? Essa é a discussão. Esse abuso foi constatado em algum momento, salvo a decisão específica do Supremo mais recente? Em nenhum momento.

As decisões eram judiciais, contra réus e investigad­os com as melhores bancas de advocacia do país. As decisões atravessar­am quatro instâncias do Judiciário. Então agora, numa reviravolt­a histórica, decidir que toda essa turma estava incidindo em abuso de autoridade é difícil de suportar.

Acho que as questões de vazamento têm de ser combatidas duramente, porque você fere a credibilid­ade do sistema. Acho que tem a potenciali­dade de excessos [na Lava Jato], mas não vejo excessos que justifique­m essa reversão histórica.

Sobre a CPI, vai se chegar a um resultado concreto em termos

de investigaç­ão? Há meses eu falo a mesma coisa, inclusive para colegas na CPI: investigaç­ão de crime organizado, de corrupção, de lavagem de dinheiro não é simples, não é rápido e uma CPI não tem ferramenta­s para fazer.

O que a gente vai conseguir, com certeza, porque já conseguiu? Primeiro a proteção do patrimônio público, na medida em que vários contratos estão sendo cancelados, servidores estão sendo afastados.

Algumas coisas vão ter de ser apontadas para os órgãos de controle, mas a CPI, com o prazo que a gente tem, eu não vejo possibilid­ade de finalizar isso.

Com relação a outras frentes de investigaç­ão, é possível apontar crimes? Sim, sem dúvida. Há crimes comuns, e no caso do Bolsonaro, crime de responsabi­lidade.

No caso do Bolsonaro, ainda haverá uma denúncia a ser recebida pelo Tribunal Penal Internacio­nal, uma vez que tem uma conduta que se enquadra nos crimes contra a humanidade, na visão desses juristas, entre eles a Sylvia Steiner, que foi a última brasileira a fazer parte do TPI.

Acha que a CPI foi midática demais, política demais?

Toda CPI é política, tem um componente político. Essa CPI, por uma série de fatores, como as redes sociais, a pandemia, a gravidade dos fatos, despertou uma superatenç­ão que provavelme­nte nenhuma outra conseguiu.

Eu acho que a gente conseguiu driblar na maior parte dos casos a tentação do holofote. Começou de um jeito, e hoje você vê que os senadores fazem um trabalho de análise um pouco mais cuidadoso.

Acho que a gente conseguiu driblar e vai entregar ao final disso um produto tecnicamen­te bom, respeitado.

O sr. receberia Renan Calheiros, alvo da Lava Jato e relator da CPI, em seu palanque? Eu não fiz campanha em nenhum momento na vida nem votei em Renan Calheiros. Pelo contrário. Então não sou aliado dele, não sou aliado do Omar [Aziz, presidente da CPI]. Sou um senador que exerce o seu trabalho como os outros.

Acho que a gente tem de trazer uma maturidade política para as coisas. Toda decisão num colegiado tem que ser votada pela maioria. Mas considerar como aliado, não vejo sentido, nem politicame­nte nem internamen­te.

 ?? Pedro Ladeira/Folhapress ?? Alessandro Vieira, 46
Nascido em Passo Fundo (RS), foi criado e passou a maior parte da vida em Aracaju. É delegado de polícia. Foi eleito senador em 2018, seu primeiro cargo eletivo. Foi um dos fundadores e líderes do movimento Muda Senado, que detém pauta anticorrup­ção. É membro da CPI da Covid e líder do Cidadania no Senado
Pedro Ladeira/Folhapress Alessandro Vieira, 46 Nascido em Passo Fundo (RS), foi criado e passou a maior parte da vida em Aracaju. É delegado de polícia. Foi eleito senador em 2018, seu primeiro cargo eletivo. Foi um dos fundadores e líderes do movimento Muda Senado, que detém pauta anticorrup­ção. É membro da CPI da Covid e líder do Cidadania no Senado

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