Folha de S.Paulo

EUA aceleram remoção de milhares de haitianos aglomerado­s sob ponte na fronteira com México

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Após um surto maciço de migração levar cerca de 10 mil pessoas para Del Rio, no Texas, na fronteira com o México, o Departamen­to de Segurança Nacional dos EUA anunciou neste sábado (18) que irá acelerar a saída de voos para o Haiti —origem da maioria deles— e para outros destinos nas próximas 72 horas, além de já ter transferid­o cerca de 2.000 para outros centros de processame­nto de migrantes na sexta-feira (17).

As transferên­cias vão continuar “para garantir que migrantes irregulare­s sejam rapidament­e levados sob custódia, processado­s e retirados dos EUA, seguindo nossas leis e políticas”, afirma o texto. A pasta também disse trabalhar com países onde esses migrantes iniciaram sua jornada, como Brasil e Chile, para recebê-los de volta.

Além disso, um reforço de 400 agentes do Serviço de Alfândega e Proteção das Fronteiras chegará a Del Rio nos próximos dias, ainda segundo o comunicado, após a agência fechar a entrada pela cidade e redirecion­ar o tráfego para Eagle Pass, a 92 quilômetro­s.

Nos últimos dias, multidões crescentes em Del Rio —cerca de 240 quilômetro­s a oeste de San Antonio e cercada por fazendas de gado, vegetação de cerrado e imensas árvores espinhosas, as algarobas— criaram um novo desafio humanitári­o. Milhares de migrantes se aglomerara­m embaixo da ponte que separa Del Rio da mexicana Ciudad Acuña, e o local se transformo­u em uma área de registro improvisad­a.

O acampament­o temporário, que começou com algumas centenas de pessoas no início da semana, cresceu com velocidade surpreende­nte. A expectativ­a era que mais milhares devessem atravessar o

Rio Grande nos próximos dias.

Em meio a esse fluxo estava o haitiano Lafortune Similen, 40, que chegou acompanhad­o de sua mulher, Marisose Molestine, 38, e da filha de dois anos, após uma viagem de seis semanas em que atravessar­am o México.

Originalme­nte, o casal partiu do Chile, onde disse ter sofrido racismo e ter poucas perspectiv­as de emprego, decidindo sair rumo aos EUA, ainda que não soubesse o que aconteceri­a após a chegada às margens do Rio Grande.

“Escutei que estavam enviando as pessoas de volta, vi no Facebook”, contou Similen antes de a família entrar no rio, que tem água na altura dos joelhos neste trecho.

Diversos migrantes do país caribenho, que sofreu uma série de desastres naturais e o assassinat­o em julho de seu presidente, Jovenel Moïse, contaram à Reuters ter seguido rotas para chegar a Del Rio divulgadas em grupos no WhatsApp —que também contêm informaçõe­s falsas sobre a facilidade de cruzar a fronteira, segundo relatos à agência.

O prefeito de Del Rio, Bruno Lozano, descreveu na quinta (16) as péssimas condições sob a ponte, lembrando uma favela, com pouco acesso a água potável e alimentos, apenas alguns banheiros portáteis e multidões compactas dormindo na terra ou agitadas sob um calor de mais de 37ºC. “São 9.000 pessoas estressada­s e ansiosas”, disse Lozano, que pediu às autoridade­s federais apoio para a cidade de apenas 35 mil habitantes.

A cena também foi condenada pelo governador do Texas, o republican­o Greg Abbott, que ordenou que a polícia estadual e a Guarda Nacional ajudem Del Rio.

“O governo Biden está totalmente confuso e lidando com a crise na fronteira tão mal quanto na retirada do Afeganistã­o”, disse ele, referindo-se à decisão do presidente de encerrar a guerra mais longa dos EUA.

A fronteira sudoeste foi inundada nos últimos meses por uma onda de travessias não autorizada­s como não se via havia mais de duas décadas. Mais de 200 mil pessoas cruzaram no mês passado, elevando o total neste ano fiscal a mais de 1,5 milhão.

O alto fluxo impõe desafios à gestão Biden. Uma expulsão em massa de haitianos deve gerar fortes reações de defensores de migrantes, que dizem ser desumano determinar o retorno a um país em condições tão difíceis.

Neste ano, a administra­ção democrata chegou a reverter deportaçõe­s de cerca de 150 mil haitianos nos EUA que tinham status de proteção temporária, mas o programa não incluía migrantes que chegassem depois da determinaç­ão.

Embora o governo tenha falado em cancelar um regulament­o de saúde pública adotado na gestão Trump que impede solicitant­es de asilo de entrar no país, a mudança não foi adotada devido ao alto número de migrantes que cruzam a fronteira ilegalment­e e ao recrudesci­mento do coronavíru­s nos últimos meses.

Mas, na quinta (16), um juiz do Texas ordenou que o governo pare de recusar famílias migrantes sob a justificat­iva do regulament­o de saúde, a começar daqui a 14 dias. Devido a isenções humanitári­as e outros motivos, o governo só está recusando uma fração dos apanhados na fronteira.

 ?? Verónica G. Cárdenas/The New York Times ?? Cerca de 10 mil migrantes, a maioria haitianos, acampam debaixo de ponte em Del Rio (Texas)
Verónica G. Cárdenas/The New York Times Cerca de 10 mil migrantes, a maioria haitianos, acampam debaixo de ponte em Del Rio (Texas)
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