Crise econômica reverte alta de mulheres e negros no empreendedorismo
Grupos foram os que, proporcionalmente, mais fecharam portas durante a pandemia, deixando negócios mais brancos e masculinos
Além de reduzir o número de empreendedores, a crise econômica também reverteu uma tendência de aumento da diversidade nesse universo no país.
Predominantemente branco e masculino, o grupo de empregadores brasileiros vinha se tornando mais negro e feminino.
Os microdados da Pnad levantados pela Folha mostram que, no segundo trimestre de 2012, pretos e pardos ocupados que informavam ter ao menos um funcionário representavam 3,4% e 27,2%, respectivamente, do total de empregadores.
No mesmo período em 2019, esses percentuais haviam atingido 4,6% e 29,1%. Embora pequena, a mudança parecia configurar uma tendência gradual. Mas a pandemia a fez mudar de direção.
No segundo trimestre deste ano, as fatias de empregadores pretos e pardos tinham recuado para 4,3% e 27,4%.
Enquanto o número de empregadores brancos caiu 10% nos últimos dois anos, o de pretos e pardos encolheu, respectivamente, 20,4% e 18,3%.
Um vaivém parecido ocorreu com as mulheres. Depois de saltar de 27,4% dos empregadores brasileiros, no segundo trimestre de 2012, para 31,2% do total, no mesmo período de 2019, a fatia feminina nesse grupo da população ocupada caiu, agora, para 29,3%.
É difícil isolar as causas dos movimentos refletidos nesses dados. Os empregadores representam uma fatia pequena da população ocupada que não é tema de estudos detalhados.
A coordenadora da graduação em administração do Insper, Flavia Piazza, ressalta que, no Brasil, o empreendedorismo tem sido motivado mais por necessidade do que por espírito inovador.
Alan Soares, fundador e responsável pela estratégia do Movimento Black Money (MBM), acrescenta que esse diagnóstico vale ainda mais para grupos historicamente marginalizados, como pretos e pardos.
“O empreendedorismo por necessidade decorre da precarização do mercado de trabalho. É o que resta, já que as pessoas precisam trazer renda para dentro de casa”, diz.
Apesar disso, na avaliação dos especialistas, a tendência específica de maior diversidade entre os empregadores brasileiros, nos anos anterio
“Nossa pesquisa mostra que os negros têm dificuldade com digitalização, em monetizar seus negócios no digital. Além disso, têm menor acesso a ferramentas de crédito. Com a pandemia, ficaram reféns de uma tempestade perfeita
Alan Soares fundador e responsável pela estratégia do Movimento Black Money
“Houve um esforço de entidades voltadas à educação profissionalizante e ao empreendedorismo para levar capacitação nessa área a minorias, além de medidas que facilitaram a abertura de pequenos negócios formais
Flavia Piazza coordenadora da graduação em administração do Insper
res à pandemia, pode ter sido impulsionada por algumas razões positivas.
“Houve um esforço de entidades voltadas à educação profissionalizante e ao empreendedorismo para levar capacitação nessa área a minorias, além de medidas que facilitaram a abertura de pequenos negócios formais”, diz Piazza.
Para Soares, o surgimento de figuras públicas femininas e pretas em cargos importantes na última década —como a ex-presidente Dilma Rousseff e o ex-ministro do Supremo Joaquim Barbosa— pode ter incentivado mulheres e negros a trilharem novos caminhos profissionais.
O problema, escancarado pela pandemia, foi a fragilidade da inserção de muitos pequenos empresários no mundo do empreendedorismo.
Uma pesquisa feita em maio deste ano pelo MBM mostrou que a maior dificuldade enfrentada pelos afroempreendedores (citada por 40,4% de 701 entrevistados) é o acesso a crédito. A percepção de preconceito racial apareceu em segundo lugar, mencionada por 30,7% do total.
O fato de que os segmentos de negócios mais ocupados por negros e mulheres estiveram entre os mais afetados pelo distanciamento social também pode estar por trás do retrocesso na diversidade.
Segundo o levantamento do MBM, setores como saúde e estética, varejo, alimentação e eventos estão entre os principais nichos do afroempreendedorismo no Brasil.
A pesquisa menciona outro estudo —o “Panorama PMEs”— que revelou que o segmento de tecnologia (chamado “software e cloud”) já é o que responde pela maior fatia de pequenas e médias empresas brasileiras.
Ele foi um dos poucos que cresceram durante a pandemia. Mas, no recorte feito pelo MBM de pequenas companhias lideradas por negros, o setor de tecnologia não aparece entre os dez principais negócios.
“Nossa pesquisa mostra que os negros têm dificuldade com digitalização, em monetizar seus negócios no digital. Além disso, têm menor acesso a ferramentas de crédito. Com a pandemia, ficaram reféns de uma tempestade perfeita”, diz Soares.
No caso das mulheres, Piazza ressalta outro impacto adverso da crise sanitária: o fato de que muitas precisaram aumentar a carga de trabalho doméstico, em decorrência, por exemplo, da necessidade de apoio ao ensino remoto dos filhos.
Atacar os problemas que limitam a diversidade no empreendedorismo requer tempo, já que a maior parte deles tem causas estruturais e históricas.
Mas, segundo Soares, há iniciativas em curso no país que mostram resultados positivos.
Ele cita o mercado virtual para afroempreendedores idealizado pelo MBM. O projeto batizado de Mercado Black Money começou, de forma experimental, com 30 negócios em fevereiro de 2020. Hoje, a plataforma reúne cerca de 1.500 empreendedores.
O MBM também lançou, recentemente, um cartão de crédito em parceria com a rede Visa.
Essas iniciativas buscam ajudar a resolver os desafios estruturais enfrentados por empreendedores negros —como o menor acesso a crédito— e a oferecer formação profissional e letramento racial.
“A partir do momento em que a comunidade negra entende sua origem e identifica onde quer chegar, começa a ter maior determinação e a pressionar a sociedade”, diz Soares.