Folha de S.Paulo

Na economia, Lula ainda faz política

Programa está escondido na cabeça do ex-presidente, que tenta se normalizar de novo

- Vinicius Torres Freire Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administra­ção pública pela Universida­de Harvard (EUA)

Não se sabe o que Lula da Silva deve fazer da economia, caso eleito presidente. Alguns de seus amigos velhos do PT também não. Depois de uma conversa mole e genérica sobre “Estado”, “capacidade de planejamen­to” e “resgate das políticas que garantam direitos”, essas coisas, admitem ou fingem de modo convincent­e que não sabem de nada. É possível que Lula também não saiba.

O caminho que vai até a eleição é comprido, mais cheio de entulho do que de costume e sujeito a terremotos. Lula come esse angu de caroço quente pelas bordas. Procura aliados por quase toda parte ou, pelo menos, tenta conter o risco de que se forme uma coalizão que possa vir a triturá-lo.

Lula quer ser outra vez normalizad­o.

Almoça com FHC, visita Tasso Jereissati, negocia ou faz pazes com possíveis desgarrado­s do centrão ou caídos do MDB. Hoje, seu adversário é Jair Bolsonaro, que quase bate no primeiro turno. Amanhã, sabe-se lá. Até a transviada terceira via pode vir a ser viável.

Exagero? Em dezembro de 1988, Fernando Collor mal era citado nas pesquisas espontânea­s. O líder era Leonel Brizola (1922-2004), seguido por Silvio Santos, Lula e Mário Covas (1930-2001). Para refrescar a memória dos novinhos, Collor bateu Lula no segundo turno em 1989.

Em dezembro de 1993, José Sarney e Paulo Maluf apareciam nas pesquisas como os finalistas do segundo turno (FHC, do Plano Real, venceria Lula no primeiro turno, em 1994). Etc. Não quer dizer que a eleição de 2022 seja uma loteria, que o povo sempre mude de ideia ao longo do ano que antecede a votação ou que se deva acreditar em bruxas —mas elas existem.

Ainda está vivo ou de corpo presente o programa “Ponte para o Futuro”, o plano liberal e contra impostos da frente que depôs Dilma Rousseff. É forte a aversão ao PT entre donos do dinheiro e economista­s-padrão de alto prestígio, afora o fato de que o bolsonaris­mo é tolerado na elite ou ainda tem muitos adeptos —é o tubaronato. O programa “reformista” está vivo também porque isso que se chama de economia de mercado no Brasil precisa ainda de vasta recauchuta­gem, “reformas” (de interesse também de um governo de esquerda).

Como é óbvio, Lula terá de lidar com isso, “reformas”, a ruína do teto de gastos, os destroços de uma década de regressão econômica; com o exército ainda maior de inempregáv­eis e o precariado expandido. Isso em um país em que a extrema direita se tornou grande força, em que a religião voltou a ser partido e assunto político, em que as periferias se tornaram de vez feudos de milícias e facções ou em que os empresário­s novos-ricos e o agro ogro promovem o reacionari­smo.

Lula de fato anda dizendo por aí que pensa em nomear um “político” para a Economia, como contou o jornal Valor. É um modo esperto de se desviar do assunto da definição do programa econômico e da equipe. Caso eleito, seria maneira de disfarçar que entregou o ministério para “liberais”, o que dificilmen­te conseguirá evitar.

Aliás, os problemas são tão grandes e as alternativ­as de soluções a curto prazo são tão poucas que os programas começam a convergir. Vide o que tem escrito Nelson Barbosa, economista no governo Lula e ministro de Dilma, ou as ideias de reforma do teto etc. de “liberais” mais sensatos.

Falta saber se a costura de Lula irá tão longe: arrumar um “político” de confiança e que consiga levar para um governo petista “liberais” de prestígio e com alguma cintura. De menos especulati­vo, Lula parece tentar criar as condições para que sua candidatur­a e um possível governo sobrevivam. O país anda mais feroz, e faz menos de dois anos o ex-presidente estava na cadeia, convém lembrar.

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