Folha de S.Paulo

Como dar um destino útil para o lixo da sua empresa

Parcerias e gestoras especializ­adas ajudam a viabilizar logística reversa

- Ana Carolina Amaral

Empreended­ores têm buscado saídas para o lado B dos negócios: a logística reversa. Para compartilh­ar a responsabi­lidade —prevista em lei desde 2010— de encaminhar os resíduos após o consumo, pequenas e médias empresas inventam parcerias para um novo ecossistem­a de negócios, que busca fechar as pontas do ciclo entre o descarte e a produção.

Quando o entregador do Amiste Café chega ao salão Cabelaria, na zona oeste de São Paulo, para fornecer os grãos que viram o cafezinho de cortesia aos clientes, ele aproveita para recolher a borra dos cafés passados.

O Amiste armazena o resíduo em baldes e, quando recebe a cesta de alimentos encomendad­a da Balaio Orgânico, aproveita para entregar a borra de café, que vira fertilizan­te para as hortas. A parceria funciona há um ano e já desviou 500 kg de borra de café da rota dos aterros sanitários.

Mas a busca começou há quatro anos, quando o Amiste contratou uma consultori­a para avaliar seu impacto ambiental. “Eu ficava muito incomodado com os copinhos plásticos que os clientes usavam, mas o resultado [da avaliação] foi que 80% do nosso resíduo era justamente a borra de café”, diz Eduardo Vicente, 39, sócio-diretor do Amiste, que, além de São Paulo, tem franquias em 12 cidades.

Já a Cabelaria descobriu há um ano, por uma consultori­a, que os fios de cabelo são um resíduo problemáti­co. Um dos vilões do entupiment­o de redes de esgoto (junto a plásticos e óleo), eles podem levar até 40 anos para se decompor.

Mas o cabelo é um insumo que interessa à indústria de revestimen­tos de parede, substituin­do fibras de polipropil­eno, um tipo de plástico que dá resistênci­a às placas.

“Outra alternativ­a que está sendo estudada é a fabricação de mantas para contenção de vazamento de óleo, feitas de cabelo”, diz a visagista e administra­dora da Cabelaria, Kelen Munhoz, 41.

Ela vinha pesquisand­o alternativ­as para os resíduos do salão desde 2016. Há dois meses, aderiu ao programa Beleza Verde, da empresa de engenharia reversa Dinâmica Ambiental, em Diadema, na Grande São Paulo.

“Eles conseguem retirar todo o resíduo que fica no papel de mechas, recuperand­o o papel alumínio completame­nte. Sabe o restinho do xampu que fica nas paredes do plástico? Eles fazem uma mistura que vira combustíve­l para a indústria”, conta.

“Aderimos e resolvemos absorver o custo, de R$ 650 reais por mês”, ela diz. A mensalidad­e é proporcion­al à quantidade de resíduo gerada por cada estabeleci­mento. A empresa faz a coleta e busca destinação para cada tipo de material.

Nos últimos cinco anos, o surgimento de companhias especializ­adas na logística reversa de cada setor tem ajudado a viabilizar o comprometi­mento do empreended­or com o destino dos produtos pós-consumo.

A Política Nacional de Resíduos Sólidos, aprovada em 2010, prevê a responsabi­lidade compartilh­ada entre geradores de resíduos pela sua destinação adequada.

De lá para cá, o governo federal firmou acordos setoriais que estabelece­m metas de reciclagem com seis tipos de indústria: embalagens de óleo lubrifican­te, lâmpadas, embalagens em geral, embalagens de aço, baterias e eletroelet­rônicos.

Para viabilizar o compromiss­o do acordo setorial, a Abinee (Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica) criou uma gestora sem fins lucrativos, a Green Eletron. Com ela, em vez de cada empresa buscar por conta própria o retorno dos resíduos gerados após o consumo, cria-se um mecanismo de compensaçã­o ambiental.

Cada empresa paga uma mensalidad­e proporcion­al à quantidade de materiais descartado­s, e a Green Eletron, por meio dos pontos de entrega voluntária, reúne e destina à reciclagem uma quantidade equivalent­e de resíduo gerado pelas suas associadas.

“Custa caro. Mas reciclamos tudo o que coletamos”, diz Ademir Brescansin, gerenteexe­cutivo da Green Eletron.

Em dez estados, as regulament­ações da lei federal buscam formas de fiscalizaç­ão, como a exigência de comprovaçã­o da quantidade de resíduo gerada, por meio do lastro das notas fiscais. Mas ainda não há implementa­ção de processos fiscalizat­órios capazes de mover a adesão empresaria­l à logística reversa.

Na avaliação dos empreended­ores e das gestoras de resíduos, o motor para essa adequação vem do mercado e da cobrança dos consumidor­es.

“Bom que vocês são orgânicos; pena que a embalagem é de plástico.” A reclamação foi feita por clientes da Fazenda da Toca, produtora de ovos em Itirapina (SP). A empresa, então, trocou o material de suas caixas por papel e papelão.

Garantir que elas seriam recicladas, no entanto, ainda parecia uma missão impossível. A solução foi a compensaçã­o oferecida pela Eureciclo, que cobra uma mensalidad­e proporcion­al à quantidade de embalagem levada ao mercado e se compromete a reciclar um montante equivalent­e do mesmo tipo de material.

A certificad­ora rastreia com tecnologia blockchain o que é coletado e reinserido no processo produtivo, emitindo certificad­os que cobram das empresas geradoras do resíduo e remuneram as cooperativ­as de coleta —o que faz com que embalagens de menor valor para a reciclagem, como o vidro, tornem-se viáveis para os coletores.

“O custo acrescenta só alguns centavos por embalagem. O inviável seria fazer a engenharia reversa da mesma embalagem [sem a compensaçã­o]”, afirma o diretorexe­cutivo da Fazenda da Toca, Fernando Bicaletto, 51.

“As pequenas e médias empresas geralmente não têm uma diretoria de sustentabi­lidade, como uma grande. Elas precisam de uma solução economicam­ente viável para ficar dentro do que o consumidor delas quer”, afirma Marcos Matos, diretor de vendas da Eureciclo.

Raphael Vieira, do Restaurant­e 31, no centro de São Paulo, reaproveit­a insumos em conservas e sais

Também é essencial evitar que produtos vençam na prateleira e calcular as porções de modo adequado, reduzindo sobras de comida no prato. Para isso, é possível contar com a ajuda de sistemas de gestão, orienta o professor.

Além de ser negativo para o ambiente, o desperdíci­o faz com que o cliente pague mais caro, diz Jun Sakamoto, 55, à frente de um endereço em Pinheiros, São Paulo, que leva seu nome, e mais duas casas.

“Se você não controlar o estoque, tem muita chance de jogar mercadoria fora, comprando mais do que deveria. Para administra­r tudo isso, é necessária uma ferramenta.”

No seu caso, um programa gerencia o fluxo de mercadoria­s e gera relatórios com indicadore­s que ajudam a fazer ajustes. Por exemplo, na hora de emitir etiquetas de controle para um determinad­o molho, o sistema entende que aquela preparação foi feita e dá baixa dos ingredient­es no estoque —e registra a quantidade de molho disponível.

Se, mesmo assim, um restaurant­e se deparar com um acúmulo de alimentos que não será usado, pode fazer uma doação. É possível recorrer a iniciativa­s como o Comida Invisível, que conecta pessoas e empresas com organizaçõ­es que precisam de apoio.

Com a chegada da Covid, cresceu a demanda do projeto, que trabalha com alimentos in natura, prontos para consumo e industrial­izados dentro do prazo de validade. Segundo Daniela Leite, 47, fundadora, o tempo que uma oferta de doação fica na plataforma até ser aceita é de aproximada­mente 8 minutos.

Cerca de 115 estabeleci­mentos comerciais atuam em parceria com o Comida Invisível. Entre eles, está a Confeitari­a Marilia Zylberszta­jn, em Pinheiros, São Paulo. A proprietár­ia, Marilia, 38, doa 20 litros de claras de ovos orgânicos por semana —usadas, em geral, como proteína da alimentaçã­o servida a moradores de rua. Ela tem de aceitar um termo de responsabi­lidade de que o ingredient­e foi manuseado de forma segura.

“Funciona bem. A oferta é aceita de forma simples e a organizaçã­o vem buscar. Muitas vezes, não entendemos como aquele alimento será usado, mas há muita gente que consegue fazer isso rapidament­e.”

 ?? Adobe Stock ??
Adobe Stock
 ?? Fotos Keiny Andrade/Folhapress ?? Os fios de cabelo varridos no salão Cabelaria, na zona oeste da capital paulista, são reaproveit­ados pela indústria de revestimen­tos
Fotos Keiny Andrade/Folhapress Os fios de cabelo varridos no salão Cabelaria, na zona oeste da capital paulista, são reaproveit­ados pela indústria de revestimen­tos
 ??  ??
 ??  ?? Silvio Ricci, dono da Coletando Soluções, no galpão da empresa na Grande São Paulo
Silvio Ricci, dono da Coletando Soluções, no galpão da empresa na Grande São Paulo

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil