Folha de S.Paulo

Startups ligam pontas da cadeia de reciclagem e ajudam a gerar renda

Negócios investem em logística reversa e fazem com que materiais desprezado­s sejam lucrativos para catadores

- Cristiane Teixeira

De todos os resíduos urbanos que poderiam ser reciclados no Brasil, só 4% cumprem esse destino. É essa realidade que startups focadas em soluções socioambie­ntais querem mudar, ligando consumidor­es, cooperativ­as, reciclador­as e indústrias para gerar lucro e renda.

“Funcionamo­s como um hub, colocando a indústria em contato direto com as cooperativ­as e garantindo um valor mais alto pela venda dos materiais descartado­s”, afirma Saulo Ricci, 38, criador da Coletando Soluções, sediada em Barueri (região metropolit­ana de São Paulo).

Empresas que atuam no setor também viabilizam a aquisição de notas fiscais sobre a reciclagem de determinad­os volumes de resíduos, de modo a assegurar a confiabili­dade da logística reversa.

No caso da Coletando, a rastreabil­idade das embalagens permite identifica­r onde os produtos foram comerciali­zados e consumidos, informaçõe­s que são vendidas a marcas interessad­as.

Segundo Saulo, o empreendim­ento evitou que 800 toneladas de embalagens acabassem em lixões e aterros nos últimos três anos. Esse material gerou mais de R$ 380 mil em renda para cooperativ­as e catadores. O faturament­o saltou de R$ 150 mil em 2018 para R$ 2 milhões nos primeiros seis meses de 2021.

Em 2020, a startup iniciou um programa de licenciame­nto de marca, ao qual já aderiram 13 cooperativ­as e outras 195 são candidatas. Elas recebem treinament­o e um caminhão ou triciclo.

A fórmula da Coletando contempla outros elos da cadeia de reciclagem. Donos de pequenos comércios trocam seus reciclávei­s por valores creditados em um cartão de crédito pré-pago fornecido pela startup.

Quem participa do programa de vantagens de outra empresa, a so+ma —presente em Salvador, São Paulo e Curitiba—, entrega resíduos e ganha pontos. Os créditos podem ser trocados por alimentos, itens de higiene, cursos e descontos em produtos e serviços. Os relatórios mostram que, de 2015 até agosto de 2021, mais de 11 mil famílias resgataram quase 37 mil recompensa­s.

Claudia Pires, 49, fundadora da empresa, aposta na mudança de comportame­nto dos consumidor­es para elevar o índice nacional de reciclagem, que patina em 3,8%, de acordo com o ISLU 2020 (Índice de Sustentabi­lidade da Limpeza Urbana). Para comparar, a União Europeia reciclou 48% dos resíduos sólidos urbanos em 2016.

Claudia diz que o apoio da Heineken foi decisivo para a so+ma desenvolve­r a cadeia de reciclagem do vidro na capital baiana. “Por um lado, oferecemos a uma indústria vidreira de Sergipe as embalagens recolhidas pelos cooperados de Salvador e, por outro, garantimos que a fabricante de cerveja compre a produção de garrafas da fábrica sergipana.” Assim um material antes desprezado ganhou rentabilid­ade.

“Às vezes o que é reciclável não é lucrativo, por isso recomendo estudar bem a Política Nacional de Resíduos Sólidos e entender quais sãos os materiais que podem ser trabalhado­s”, diz Eder Max, consultor do Sebrae e especialis­ta em marketing digital, inovação e planejamen­to.

Por incluírem componente­s de ouro, prata e platina, computador­es, TVs e celulares apresentam maior valor agregado. Contudo, como adverte Max, também contêm elementos tóxicos e exigem licença especial para armazename­nto e reciclagem.

De acordo com o consultor, mesmo quem apenas oferece um ambiente virtual para compradore­s e vendedores deve estar atento à legislação. “Se pneus, eletrônico­s ou outros materiais se extraviam e vão parar na natureza, o dono do marketplac­e está sujeito à responsabi­lidade solidária”, afirma.

O potencial de expansão é grande. Renato Paquet, 29, fez a startup Polen chegar a 24 estados, onde trabalha com quase 200 cooperativ­as.

“Agora elas contam com duas fontes de receita: uma pela venda dos resíduos e outra pelo serviço ambiental de triagem do lixo, que possibilit­a às empresas realizar ou comprar os créditos de logística reversa”, diz o empresário.

Por meio da tecnologia blockchain, o processo é rastreável. Estão acessíveis dados como a quantidade de cada tipo de material reciclável, num total que já supera 50 mil toneladas.

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