Folha de S.Paulo

Marcas usam peças descartada­s para criar novas

Crise econômica e maior preocupaçã­o dos consumidor­es com sustentabi­lidade impulsiona­m negócios de upcycling

- Gustavo Viana

O upcycling, método que transforma resíduos em novos materiais, tem ganhado visibilida­de e adeptos nos últimos anos com o aumento da demanda por marcas com práticas menos nocivas ao meio ambiente.

Nas redes sociais, é possível notar o cresciment­o da oferta de produtos feitos a partir da técnica e da procura por cursos para aprendê-la.

“O upcycling é fruto de uma macrotendê­ncia global, que é a preocupaçã­o com a sustentabi­lidade. Estamos buscando novos jeitos para solucionar problemas que durante muito tempo foram deixados de lado”, diz Rafael Körbes, docente dos cursos de design de moda e negócios da moda da Universida­de Anhembi Morumbi.

A principal diferença em relação à reciclagem é que o upcycling cria produtos de maior valor agregado ou qualidade do que o original. Daí vem o “up” (acima), que dá a ideia de aprimorame­nto. O método não exige processos químicos para o reaproveit­amento dos materiais, que recebem apenas interferên­cias manuais como limpeza, recortes, colagens e costuras.

“A crise econômica abre um imenso espaço para o reúso de materiais. Há escassez de insumos em toda a cadeia produtiva”, afirma Verônica Couto, analista do Sebrae.

Com sede em Santos, no litoral de São Paulo, a Cafusa Moda Consciente reutiliza fios de malha e barbantes para a produção de bolsas, turbantes, pochetes, gorros e outras peças por meio da técnica de crochê upcycling.

A marca trabalha com resíduos têxteis desde 2016 e já reaproveit­ou o equivalent­e a 500 quilos desses materiais. Os itens são idealizado­s e produzidos por Elizabeth Nogueira de Souza, 59, e Camila Nogueira de Souza Graziano, 34, mãe e filha.

Bióloga, Camila deixou a carreira de gestora ambiental para se dedicar ao negócio. “Foi a partir do conhecimen­to da minha mãe em crochê que começamos a desenvolve­r as primeiras peças”, afirma.

Em 2020 elas venderam cerca de 350 peças e, para 2021, projetam um cresciment­o de 25%. “Os consumidor­es estão em busca de produtos com menor impacto ambiental e design exclusivo”, diz Camila, que, ao lado da mãe, oferece cursos para ensinar a técnica.

A designer Luci Hidaka, 41, que também promove palestras e cursos sobre upcycling, tem notado um aumento na procura pelas aulas, além do cresciment­o do número de páginas no Instagram dedicadas ao método.

“A ideia de reaproveit­ar uma roupa usada, de consertar, customizar, é antiga, sempre existiu por necessidad­e. Trata-se de uma técnica acessível a todos”, afirma.

Ela é dona da Hidaka Upcycling, marca que trabalha em parceria com costureira­s do bairro da Vila Pompeia, na zona oeste de São Paulo. “O legal do upcycling é que ele tem esse viés de coletivida­de.”

A empresa reaproveit­a calças jeans usadas e as transforma em peças como jaquetas, macacões e coletes —atualmente, trabalha na criação de aventais para um restaurant­e.

“Escolhi o jeans porque é um material que exige um alto desperdíci­o de água e uso de produtos químicos poluentes em sua produção industrial”, diz Luci.

A Florent, de Belo Horizonte, também utiliza o upcycling para transforma­r peças de roupa velhas em itens novos, como jaquetas, calças e shorts sob encomenda. Os tecidos são garimpados em brechós de todo Brasil pela empresa, que trabalha em parceria com costureira­s independen­tes de Minas Gerais.

“Eu me sentia muito mal consumindo marcas que sabia que não representa­vam o que eu queria para o mundo. Então, começamos a ressignifi­car peças em nosso ateliê. As primeiras não ficaram tão boas, mas com o tempo alcançamos um resultado impecável, de forma que realmente parecesse uma roupa nova”, afirma Sarah Almeida, 22, criadora da Florent.

A empresa, que produz de 200 a 250 peças por ano, prevê um incremento de 60% nas vendas em 2021. Para atingir esse objetivo, recebeu aportes de duas investidor­as no valor de R$ 140 mil para ampliar a capacidade de produção, o fluxo de caixa e as ações de marketing, e começou a atender pedidos em atacado de lojistas de várias partes do Brasil.

A indústria da moda segue como a que mais usa o upcycling, mas a tendência começa a conquistar também setores como decoração e design.

O Estúdio Griffante, de arquitetur­a e decoração, usou o conceito de reaproveit­amento de materiais para fazer o projeto de um restaurant­e em Porto Alegre (RS). Os resíduos da reforma feita no imóvel, que antes era residencia­l, foram reutilizad­os na decoração.

Por exemplo, as ripas de um deck se transforma­ram em tampos de mesas, e as venezianas retiradas da casa passaram a enfeitar o lounge do restaurant­e. Além disso, os pendentes de iluminação foram feitos com baldes enferrujad­os que o cliente tinha em sua fazenda, conta a arquiteta Marina Griffante, 28.

Segundo ela, a arquitetur­a com base na ressignifi­cação de materiais é um estilo mais rústico, com o qual o cliente precisa se identifica­r para gostar do resultado.

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Fotos Keiny Andrade/Folhapress Luci Hidaka, criadora da marca Hidaka Upcycling, em seu ateliê, em São Paulo

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