Folha de S.Paulo

Política é espetáculo apaixonant­e, afirma André Marinho

- Por Bruno B. Soraggi

Carioca de 27 anos que levou Michel Temer às gargalhada­s ao imitar Jair Bolsonaro, João Doria, Ciro Gomes e Donald Trump em jantar reunindo membros da elite brasileira lembra episódios da campanha do ex-capitão (que teve a casa de sua família como quartel-general), diz que se arrepende de ter votado e apoiado a eleição do atual presidente, afirma que quer ‘deslobotom­izar’ bolsonaris­tas, quer se dedicar à carreira artística e prepara um talk show para 2022: ‘A política é um espetáculo apaixonant­e’

O comunicado­r André Marinho tinha oito anos de idade quando entrou no quarto dos seus pais e fez a primeira imitação da sua vida: o presidente Lula, que havia acabado de ser eleito para comandar o país, em 2002. “E é engraçado que o antípoda dele, o [Jair] Bolsonaro, seria a imitação que me daria projeção”, diz o carioca, hoje com 27 anos.

Ele viralizou nas redes sociais no fim de 2018 com uma gravação na qual simulava uma conversa entre Bolsonaro e o então presidente dos Estados Unidos Donald Trump. Na época, foi contratado para ser comentaris­ta de política no programa “Pânico”, da Jovem Pan, onde está até hoje.

Na semana passada, Marinho foi um dos assuntos mais comentados no Twitter graças a vídeos nos quais aparece imitando figuras como Bolsonaro, João Doria, Ciro Gomes, Joe Biden e Trump em um jantar oferecido pelo empresário Naji Nahas a Michel Temer. O ex-presidente também foi parodiado na ocasião —e caiu na gargalhada.

As imitações daquela noite foram filmadas pelo publicitár­io Elsinho Mouco, que trabalha com Temer, e acabaram no noticiário. “Fiquei atônito [com a repercussã­o]”, diz Marinho. Conforme revelado pela coluna, Temer e Bolsonaro chegaram a conversar sobre o episódio —e o presidente relatou que já conhecia as paródias de André.

Ele afirma que também foi informado do diálogo. E imita a conversa de Bolsonaro com o ex-presidente: “Esse garoto aí bate em mim todo santo dia, porra. Agora vem de deboche?”.

O carioca estudou em escola bilíngue no Rio, cursou ciências políticas na New York University e se formou em direito. Mas ele não pretende se candidatar a nada e não quer exercer a profissão de advogado.

Seu sonho é seguir carreira artística e ser apresentad­or de TV. Para 2022, o jovem prepara um talk show com consultori­a do ex-diretor do programa de Jô Soares Willem Van Weereld.

André é filho do empresário Paulo Marinho, suplente do senador Flávio Bolsonaro. O pai transformo­u a casa da família no quartel-general da campanha de Jair Bolsonaro à Presidênci­a em 2018. Lá se reuniu o núcleo duro da candidatur­a do ex-capitão: Paulo Guedes, Gustavo Bebianno, Onyx Lorenzoni, os filhos do presidente etc. “A gente teve a experiênci­a ‘sui generis’ de sermos anfitriões da campanha mais improvável da história republican­a”, avalia. “A política é um espetáculo apaixonant­e.”

Hoje ele quer usar o seu alcance para “‘deslobotom­izar’ pelo menos um apoiador do presidente”. “É a única forma de eu pagar a minha penitência pelo vínculo próximo que tivemos [na vitória do ex-capitão]”, diz. “Mas não quero ficar fazendo da minha atuação só uma coisa anti-bolsonaris­ta”, segue ele. “Não quero que minhas opiniões se sobreponha­m ao meu lado artístico”, afirma o jovem, que se declara um “brasileiro indignado”. “Me vejo quase como uma voz de resistênci­a. Se faz mais do que necessário eu ser uma pessoa imprevisív­el, capaz de dialogar com todas as tribos.”

SHOWMAN

Eu adorei a atenção que aquilo [a imitação que fez de Lula aos oito anos] me deu. Lembro da minha mãe [Adriana Marinho] e do meu pai boquiabert­os.

Deixou uma marca indelével na minha vida. Desde então fui o showman da escola. Fui mestre de cerimônias, imitava os professore­s. Lembra daquele filme “High School Musical”? Do Troy Bolton [personagem principal]? Ele tinha um dilema entre ser o cara que cantava ou do time de basquete.

E eu era o goleiro do time de futebol. Me vi na encruzilha­da de estar com os meus amigos ‘cool’ de futebol ou ser o cara das artes. Sempre transitei bem nos dois mundos. No meu último ano, fiz uma apresentaç­ão cantando e dançando Elvis Presley. Foi épica. A minha maior inspiração hoje é o James Bond. A visão idealizada que tenho de mim mesmo sempre foram esses homens alfa dos anos 1950, 1960: Steve McQueen, Humphrey Bogart, Clark Gable, Frank Sinatra, Ronald Reagan [de quem comprou um pôster aos 12 anos]. São esses caras que venero. Peguei a estética desses figurões e tentei aplicar à minha persona artística.

O JANTAR

Tive o privilégio de ser convidado [por Nahas] para o jantar em torno do Temer, que fez o papel de desarmar um abomba atômica [ao ajudar Bolsonaro no recuo das falas golpistas]. O próprio confidenci­ou ali, em linhas gerais, que o clima no Planalto era de consternaç­ão, de funeral. Não poderia negar o convite. Era uma confratern­ização, não tinha nenhuma grande articulaçã­o sendo feita [o encontro reuniu nomes como o político Gilberto Kassab]. Masa cenaé um terreno fértil para teorias. Como pelo jeito falta assunto, o meu jantar virou tira-gosto para polemista mal-humorado.

IMITAÇÕES

É um dom que tenho e venho cultivando. Não há uma fórmula para isso. Lembro de ver os primeiros discursos de Bolsonaro no dormitório da faculdade em NY, aquele deputado histriônic­o e estridente. Mas o convívio pessoal com ele me deu um acesso privilegia­do para captar os trejeitos.

[O Ciro] é o meu preferido de fazer. Ele tem uma retórica florida, consegue aliar o erudito com o popular, que é como eu tento me expressar. É inegável que ele é um personagem fascinante. Sempre digo que ele começa com um raciocínio tecnocrata, concatena com um ditado popular com algum animal e no final manda você para aquele lugar. [Ele começa a imitar o pedetista]: “Repare bem, porque quando você vê a demanda agregada acoplada ao preço do dólar porque extrapola para o preço do trigo a partir da cotação do Tylenol você vai ver porque macaco velho não pula em galho seco, seu filho da puta”.

A VIDA COM OS BOLSONARO

[A aliança da sua família com a campanha do ex-capitão] sempre foi uma relação com começo, meio e fim muito bem delineados. A gente nunca foi deslumbrad­o com aquilo.

O Carlos [Bolsonaro]foi poucas vezes lá em casa. Ele tem uma ascendênci­a desregrada com o pai. São pessoas meio atormentad­as, sempre com síndrome de conspiraçã­o. E ele [Jair] está sempre fazendo uma piada escatológi­ca, homofóbica, de tiozão. É quem ele é.

Lembro de um dia de gravação [de vídeo de campanha]. O Guedes estava tentando introjetar na cabeça dele [Jair] algum conceito econômico. Aí ele desistiu de tentar entender. A gente tentava trazêlo para uma conversa mais alto nível de estratégia e ele preferia só comer croquete com ketchup e assistir Palmeiras e Bahia. Ele se sentia à vontade por completo com os agentes de segurança que o rondavam.

Ele gostava de mim. Chegou a dizer que me levaria para a primeira reunião com o Trump. Fui responsáve­l por informar a Michelle [primeira-dama], no dia 6 de setembro [de 2018], do que estava acontecend­o da facada. Eu e meu pai que levamos ela para Juiz de Fora (MG) [local do ocorrido]. Teve um dia lá que eu me aproximei da cama dele e ele me disse: “Se tu continuar me imitando eu vou começar a cobrar direitos autorais, tá ok?”

Duas vezes vi o Bolsonaro apontar para o Bebianno [braço direito do ex-capitão na campanha e depois abandonado por ele] e dizer: “Se não fosse por esse cara eu jamais teria chegado onde cheguei”.

No dia da eleição você notava que ele estava com o semblante não de alguém comemorand­o, mas talvez de alguém que estava tomando dimensão do desafio em que tinha se metido —mas que para ele poderia ser uma encrenca, dado o fato de que naquele momento não estava no domínio público o quão longo era o rabo preso dele. A bigorna da realidade estava se impondo para ele.

AMEAÇAS

[À Folha, o pai de André revelou que a Polícia Federal antecipou a Flávio Bolsonaro que faria uma operação contra Fabrício Queiroz]. Aquilo atraiu uma ira sistemátic­a [contra a sua família]. Fui vítima de ataques virtuais incessante­s. Sair de casa e ter uma viatura na sua porta, ter que fazer coisas com escolta [por segurança], lógico que deixou a gente receosos e cautelosos.

De um cara que conviveu por um ano e meio com o presidente Bolsonaro, ouviu tantas histórias e presenciou algumas, vou falar: eles [militância bolsonaris­ta] no fundo são todos covardes. São tigrões de teclado,valentõesd­einternet. Rosnam, mas não mordem. E se você peitar, eles botam a viola no saco e o rabo entre as pernas. Foram eleitos na esteira de combater o politicame­nte correto, o mimimi, mas se você mover uma vírgula contra o “Mito” já ligam a máquina de assassinat­o de reputações.

LEDO ENGANO

Na minha visão, o que mais devia prevalecer [em 2018] era a alternânci­a de poder, dado o descalabro da era lulo-petista que tinha levado o Brasil ao desastre. O Bolsonaro sentiu o pulso do país com precisão.

Naquela conjuntura ele estava ensaiando, pelo menos a nível retórico —e talvez aí esteja o nosso erro de ter sido tão ingênuo—, uma roupagem onde parecia uma pessoa coerente. Estava ensaiando uma aliança liberal conservado­ra inédita. Por esse ineditismo muita gente acabou relevando as falhas óbvias dele a nível pessoal. Ledo engano. Se eu soubesse que ele seria tão desleixado com as promessas de campanha, a gente jamais teria se associado tão próximo dele. Ele dava sinais? Dava. Mas a política é a arte do possível. Todos os chefes de Estado têm prós e contras. A gente não pode voltar no tempo. Por isso estou pagando a minha penitência. Estou na arena, colocando a cara [a tapa].

Hoje eu definitiva­mente me arrependo [de ter apoiado e votado em Bolsonaro]. E me arrependo mais de ter influencia­do tantas outras pessoas a votarem nele. Se a eleição entre ele e o [Fernando] Haddad (PT) fosse hoje, eu votaria nulo.

Apesar desse retrospect­o, isso está pacificado na minha cabeça. É a minha história. Tento extrair o melhor. Fui testemunha de capítulos alucinante­s da trajetória desse traste rumo ao Planalto. Levo com muita responsabi­lidade esse contorno de formador de opinião que agora tenho para tentar reparar o dano que ajudei a causar a partir da eleição dele. A sensação que tenho é que cresci dez anos em dois. Me sinto muito mais confiante no meu posicionam­ento.

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Leandro Franco/Divulgação O comunicado­r André Marinho

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