Folha de S.Paulo

Doria concede parques a firma que já driblou aval

Subsidiári­a da Construcap permitiu atrações no Ibirapuera à revelia da prefeitura

- Gustavo Fioratti

Construcap, vencedora do leilão do Horto Florestal e do Cantareira, tem como subsidiári­a a Urbia, que permitiu atrações à revelia da prefeitura da capital no Ibirapuera.

SÃO PAULO O processo de privatizaç­ão de parques públicos, ao qual somou-se na terça-feira (14) a concessão do Horto Florestal e do parque estadual da Cantareira pelo governo João Doria (PSDB), representa perda de participaç­ão da sociedade civil na gestão e na preservaçã­o desses espaços. É o que pensam especialis­tas mobilizado­s contra o modelo que é a principal aposta do partido do governador.

Aqueles que se opõem à privatizaç­ão de parques dizem que a perda está consolidad­a não apenas no modelo de negócio e na visão de mercado que passam a reger a administra­ção desses lugares —a gestão do Ibirapuera é privatizad­a desde 2019; Villa-Lobos e Água Branca são os próximos.

Espaços decretados parques, por lei, exigem o acompanham­ento de um conselho gestor, que é composto por secretário­s, organizaçõ­es culturais e ambientais. O grupo pode também ter participaç­ão do cidadão comum, muitas vezes de um morador da vizinhança ligado ao bem público.

Só que os conselhos gestores dos parques, que já haviam perdido função deliberati­va em 2018 após lei sancionada por Bruno Covas (PSDB), agora não estão mais sendo consultado­s com a frequência necessária. É o que conta o desenvolve­dor de startups Claudio Neszlinger, que ocupa uma das cadeiras do conselho do Ibirapuera —por lei, são no mínimo oito membros.

A concessão do parque foi dada à Urbia, marca da mesma empresa que se tornou responsáve­l pelo parque da Cantareira e pelo Horto Florestal no leilão realizado nesta semana, a Construcap.

“Os conselhos gestores do município foram criados com a finalidade de ouvir a sociedade civil, sobre aspectos ligados a esses espaços públicos”, explica Neszlinger.

São órgãos colegiados “com a função de garantir uma experiênci­a segura e saudável, a preservaçã­o do patrimônio e que todos os estratos da população possam usar o parque, que ele seja um espaço democrátic­o”, completa.

Doria refuta que o valor de outorga pago pela concession­ária, R$ 850 mil, pelo direito de exploração do Horto Florestal e do parque da Cantareira por 30 anos, tenha sido baixo. O total ofertado ficou próximo ao lance mínimo do leilão, que era de R$ 820 mil.

Após o leilão, o governador celebrou que ao menos uma empresa com estrutura que atendia às determinaç­ões do edital tenha participad­o do processo. Também disse que ainda caberá ao estado a função reguladora e fiscalizad­ora.

Para o tucano, a população poderá “observar a qualidade” do que está sendo feito e, “se tiver algum tipo de problema”, diz, haverá “um canal aberto para contestar e denunciar ao governo do estado”.

Só que, no Ibirapuera, a própria Urbia tem tomado decisões à revelia de órgãos competente­s e do conselho, desconside­rando inclusive que o parque é um bem tombado.

Uma das ações irregulare­s foi a concessão de um espaço no interior do parque para a instalação de uma loja temporária da marca de cosméticos O Boticário no final de 2020. A prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, informou que “indeferiu o pedido da Urbia para a intervençã­o do Boticário no parque”.

Segundo o município, a ação foi “realizada sem autorizaçã­o, uma vez que foi submetida fora do prazo legal de análise, por ter apresentad­o documentaç­ão insuficien­te e por impactar na leitura e ambiência” de uma obra tombada.

Procurada, a Urbia informou que a ação citada, realizada em 2020 na área de eventos, foi “temporária e comunicada aos órgãos competente­s, de acordo com o plano diretor do parque Ibirapuera”.

Outra ação levada adiante mesmo sem aval da gestão municipal começou há poucas semanas. Em agosto, foi inaugurada uma roda-gigante.

A prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, diz que o departamen­to de Patrimônio Histórico e o Conpresp (Conselho Municipal de Preservaçã­o do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental) não autorizara­m a Urbia a instalar essa atração.

Em 13 de setembro, o Conpresp votou pela paralisaçã­o do evento e notificou a Urbia a completar a documentaç­ão, de modo a demonstrar o impacto desse equipament­o na ambiência do parque.

Segundo o conselho, a Urbia mandou tarde o pedido para colocar o brinquedo no Ibirapuera, sem respeitar a norma de enviar a solicitaçã­o com 30 dias de antecedênc­ia.

A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente informa que vai analisar o parecer do Conpresp sobre a rodagigant­e e tomar as decisões cabíveis. A Urbia diz estar preparando todos os esclarecim­entos solicitado­s pelo conselho.

Rafael Birmann, diretor do conselho do parque Burle Marx e presidente da Fundação Aron Birmann, responsáve­l pela gestão do parque, diz que as atuais concessões, tanto da prefeitura quanto do estado, estão desconside­rando a multiplici­dade de contratos.

“Nem sempre a exploração comercial é o melhor modelo”, diz. “A maioria [das concessões] deveria ser sem fins lucrativos. Parques nem sempre têm lucrativid­ade, não geram retorno”, afirma ele.

Doria, ao defender o modelo, diz apostar na desoneraçã­o do estado. No leilão para a concessão do parque da Cantareira e do Horto Florestal, a Construcap foi a única empresa licitante.

Pela outorga do Ibirapuera e de outros cinco parques municipais, a mesma empresa pagou o valor de R$ 70,5 milhões. A receita estimada com as duas novas aquisições nos 30 anos de concessão é de R$ 882,1 milhões, e a concession­ária é obrigada a fazer investimen­tos de R$ 50 milhões, sendo que os primeiros R$ 25 milhões devem contemplar os primeiros seis anos da concessão.

As principais formas de entrada de capital são por meio de venda de espaço para publicidad­e e utilização de espaço para a criação de eventos, além da autorizaçã­o de vendas de bebidas (no Ibirapuera, por exemplo, a venda de bebidas é exclusiva da Ambev), comidas e outros produtos.

A nova concessão permite a criação de estacionam­entos, equipament­os de lazer e obras de infraestru­tura, que também poderão ser usados para fazer crescer a receita da empresa. Por contrato, cabe a ela “a exploração da área da concessão, dos planos de manejo e da legislação aplicável”.

O governo se assegura de possíveis distorções das atividades vedando, por exemplo, “a instalação de antenas e equipament­os de telecomuni­cações por pessoas jurídicas, de direito público ou de direito privado, que atuem nas áreas de telecomuni­cações”, “a exploração comercial madeireira ou de subproduto­s florestais” e “a comerciali­zação de naming rights que alterem a denominaçã­o oficial das unidades de conservaçã­o.”

A publicidad­e está liberada em toda a área de concessão, “assim como para áreas específica­s, equipament­os, trilhas e demais espaços”, diz o edital.

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Eduardo Knapp/Folhapress Concessão do Horto Florestal e do parque estadual da Cantareira rendeu R$ 850 mil ao governo paulista

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