Doria concede parques a firma que já driblou aval
Subsidiária da Construcap permitiu atrações no Ibirapuera à revelia da prefeitura
Construcap, vencedora do leilão do Horto Florestal e do Cantareira, tem como subsidiária a Urbia, que permitiu atrações à revelia da prefeitura da capital no Ibirapuera.
SÃO PAULO O processo de privatização de parques públicos, ao qual somou-se na terça-feira (14) a concessão do Horto Florestal e do parque estadual da Cantareira pelo governo João Doria (PSDB), representa perda de participação da sociedade civil na gestão e na preservação desses espaços. É o que pensam especialistas mobilizados contra o modelo que é a principal aposta do partido do governador.
Aqueles que se opõem à privatização de parques dizem que a perda está consolidada não apenas no modelo de negócio e na visão de mercado que passam a reger a administração desses lugares —a gestão do Ibirapuera é privatizada desde 2019; Villa-Lobos e Água Branca são os próximos.
Espaços decretados parques, por lei, exigem o acompanhamento de um conselho gestor, que é composto por secretários, organizações culturais e ambientais. O grupo pode também ter participação do cidadão comum, muitas vezes de um morador da vizinhança ligado ao bem público.
Só que os conselhos gestores dos parques, que já haviam perdido função deliberativa em 2018 após lei sancionada por Bruno Covas (PSDB), agora não estão mais sendo consultados com a frequência necessária. É o que conta o desenvolvedor de startups Claudio Neszlinger, que ocupa uma das cadeiras do conselho do Ibirapuera —por lei, são no mínimo oito membros.
A concessão do parque foi dada à Urbia, marca da mesma empresa que se tornou responsável pelo parque da Cantareira e pelo Horto Florestal no leilão realizado nesta semana, a Construcap.
“Os conselhos gestores do município foram criados com a finalidade de ouvir a sociedade civil, sobre aspectos ligados a esses espaços públicos”, explica Neszlinger.
São órgãos colegiados “com a função de garantir uma experiência segura e saudável, a preservação do patrimônio e que todos os estratos da população possam usar o parque, que ele seja um espaço democrático”, completa.
Doria refuta que o valor de outorga pago pela concessionária, R$ 850 mil, pelo direito de exploração do Horto Florestal e do parque da Cantareira por 30 anos, tenha sido baixo. O total ofertado ficou próximo ao lance mínimo do leilão, que era de R$ 820 mil.
Após o leilão, o governador celebrou que ao menos uma empresa com estrutura que atendia às determinações do edital tenha participado do processo. Também disse que ainda caberá ao estado a função reguladora e fiscalizadora.
Para o tucano, a população poderá “observar a qualidade” do que está sendo feito e, “se tiver algum tipo de problema”, diz, haverá “um canal aberto para contestar e denunciar ao governo do estado”.
Só que, no Ibirapuera, a própria Urbia tem tomado decisões à revelia de órgãos competentes e do conselho, desconsiderando inclusive que o parque é um bem tombado.
Uma das ações irregulares foi a concessão de um espaço no interior do parque para a instalação de uma loja temporária da marca de cosméticos O Boticário no final de 2020. A prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, informou que “indeferiu o pedido da Urbia para a intervenção do Boticário no parque”.
Segundo o município, a ação foi “realizada sem autorização, uma vez que foi submetida fora do prazo legal de análise, por ter apresentado documentação insuficiente e por impactar na leitura e ambiência” de uma obra tombada.
Procurada, a Urbia informou que a ação citada, realizada em 2020 na área de eventos, foi “temporária e comunicada aos órgãos competentes, de acordo com o plano diretor do parque Ibirapuera”.
Outra ação levada adiante mesmo sem aval da gestão municipal começou há poucas semanas. Em agosto, foi inaugurada uma roda-gigante.
A prefeitura, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, diz que o departamento de Patrimônio Histórico e o Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental) não autorizaram a Urbia a instalar essa atração.
Em 13 de setembro, o Conpresp votou pela paralisação do evento e notificou a Urbia a completar a documentação, de modo a demonstrar o impacto desse equipamento na ambiência do parque.
Segundo o conselho, a Urbia mandou tarde o pedido para colocar o brinquedo no Ibirapuera, sem respeitar a norma de enviar a solicitação com 30 dias de antecedência.
A Secretaria Municipal do Verde e do Meio Ambiente informa que vai analisar o parecer do Conpresp sobre a rodagigante e tomar as decisões cabíveis. A Urbia diz estar preparando todos os esclarecimentos solicitados pelo conselho.
Rafael Birmann, diretor do conselho do parque Burle Marx e presidente da Fundação Aron Birmann, responsável pela gestão do parque, diz que as atuais concessões, tanto da prefeitura quanto do estado, estão desconsiderando a multiplicidade de contratos.
“Nem sempre a exploração comercial é o melhor modelo”, diz. “A maioria [das concessões] deveria ser sem fins lucrativos. Parques nem sempre têm lucratividade, não geram retorno”, afirma ele.
Doria, ao defender o modelo, diz apostar na desoneração do estado. No leilão para a concessão do parque da Cantareira e do Horto Florestal, a Construcap foi a única empresa licitante.
Pela outorga do Ibirapuera e de outros cinco parques municipais, a mesma empresa pagou o valor de R$ 70,5 milhões. A receita estimada com as duas novas aquisições nos 30 anos de concessão é de R$ 882,1 milhões, e a concessionária é obrigada a fazer investimentos de R$ 50 milhões, sendo que os primeiros R$ 25 milhões devem contemplar os primeiros seis anos da concessão.
As principais formas de entrada de capital são por meio de venda de espaço para publicidade e utilização de espaço para a criação de eventos, além da autorização de vendas de bebidas (no Ibirapuera, por exemplo, a venda de bebidas é exclusiva da Ambev), comidas e outros produtos.
A nova concessão permite a criação de estacionamentos, equipamentos de lazer e obras de infraestrutura, que também poderão ser usados para fazer crescer a receita da empresa. Por contrato, cabe a ela “a exploração da área da concessão, dos planos de manejo e da legislação aplicável”.
O governo se assegura de possíveis distorções das atividades vedando, por exemplo, “a instalação de antenas e equipamentos de telecomunicações por pessoas jurídicas, de direito público ou de direito privado, que atuem nas áreas de telecomunicações”, “a exploração comercial madeireira ou de subprodutos florestais” e “a comercialização de naming rights que alterem a denominação oficial das unidades de conservação.”
A publicidade está liberada em toda a área de concessão, “assim como para áreas específicas, equipamentos, trilhas e demais espaços”, diz o edital.