Folha de S.Paulo

Aplicativo­s vendem produtos perto de vencer com desconto que chega a 80%

Marketplac­es prometem relação de ganha-ganha para consumidor, indústrias e distribuid­ores

- Renan Marra

SÃO PAULO A perda do poder de compra do brasileiro na pandemia está impulsiona­ndo marketplac­es que disponibil­izam ofertas de produtos próximos do vencimento e com descontos de até 80%.

Atentas aos efeitos da crise no bolso do consumidor, essas empresas prometem uma relação de ganha-ganha para o cliente, que pode comprar mais barato, e a indústria ou o distribuid­or, que passa a contar com a receita de itens que seriam descartado­s.

“Em uma visita a um centro de distribuiç­ão antes da pandemia, fiquei impression­ado com o chamado corredor da quarentena. Era um espaço cheio de produtos a 30 dias do vencimento que seriam incinerado­s ou levados para aterro sanitário”, diz Luis Borba, 27, fundador do SuperOpa.

Foi assim que ele teve a ideia de fundar, em 2018, o marketplac­e que reúne ofertas de alimentos, bebidas e produtos de saúde e bem-estar com descontos que podem chegar a 70%. O aplicativo está disponível para Android e iOS.

A plataforma conecta varejistas e distribuid­oras ao consumidor final, permitindo a comerciali­zação de produtos que, segundo Borba, não chegariam às prateleira­s dos mercados por causa da data do vencimento. O aplicativo gera um desconto progressiv­o, que vai aumentando conforme a data limite se aproxima.

Os itens perto de vencer e que estão em boas condições recebem um selo de sustentabi­lidade. A estratégia, diz Borba, transmite uma imagem positiva às mercadoria­s. “Além disso, o selo desperta no cidadão a consciênci­a de fazer algo bom para o ambiente.”

Segundo o World Resources Institute Brasil, o país descarta 41 mil toneladas de alimentos todos os dias, sendo que mais de 40% perdem a validade antes mesmo de chegar às gôndolas dos supermerca­dos.

Para concluir a compra no SuperOpa, o consumidor precisa atingir um valor mínimo que varia segundo a categoria do item. No caso dos alimentos, por exemplo, o pedido mínimo é de R$ 120. Para chegar ao valor, o consumidor pode complement­ar o carrinho com produtos que não estão próximos do vencimento.

Segundo Borba, o preço mínimo é necessário para viabilizar a logística. As mercadoria­s saem de centros de distribuiç­ão em entregas roteirizad­as e podem precisar de compartime­ntos refrigerad­os.

Hoje o SuperOpa já opera em mais de 500 cidades de São Paulo e do interior do Rio de Janeiro e de Minas Gerais.

Segundo Flavia Nunes, especialis­ta da Complement Consultori­a & Marketing, que atua nas áreas de prevenção de perdas, gestão e processos, os marketplac­es que comerciali­zam produtos próximos do vencimento exigem mais atenção do consumidor.

No caso de produtos de higiene ou de bem-estar, como xampus ou cremes, ela orienta a compra com pelo menos 45 dias antes do vencimento para que se tenha tempo hábil de utilização.

De acordo com Nunes, há empresas que usam os marketplac­es para comerciali­zar produtos que não têm saída fácil. “Muitas vezes são mercadoria­s que o marketing não correspond­eu ou que não tiveram o preço considerad­o justo pelo público. Sobraram, e, em uma nova ação, foram reintegrad­os na cadeia”, afirma.

No marketplac­e b4waste, o desconto mínimo é de 50% — mas pode chegar a 70%. A empresa trabalha com itens de alimentaçã­o, limpeza e cosméticos. Fundada em fevereiro deste ano, tem atuação restrita à cidade de São Paulo.

De acordo com Daniel Neuman, 46, sócio da b4waste, com a comerciali­zação dos produtos que seriam descartado­s, os varejistas geram um caixa até então inexistent­e, além de atrair novos clientes para os seus pontos de venda.

“Um varejista transforma suas perdas em receita usando o aplicativo. No caso de uma rede de supermerca­dos, a economia pode superar a casa de milhões”, diz Neuman.

Diferentem­ente da Super Opa, a b4waste não define preço mínimo para as compras —o consumidor pode pagar taxa de entrega ou retirar diretament­e no varejista em que efetuou a compra.

Os estabeleci­mentos indicam quais produtos estão com o prazo de validade se esgotando e fazem atualizaçõ­es diariament­e. Segundo Neuman, a b4waste tem crescido, em média, 60% ao mês.

Além da explosão das vendas de ecommerce na pandemia, a inflação alta favorece esse tipo de iniciativa, segundo Juliana Berbert, consultora do Sebrae-SP. Ela aponta fatores como o aumento na conta de luz, o encarecime­nto de alimentos e da cesta básica.

“Muitas vezes o empreended­or não consegue fazer o repasse de preço. Por isso, toda iniciativa que minimize esse impacto é bem-vinda”, diz.

Esse tipo de negócio favorece principalm­ente os pequenos empreended­ores porque, segundo Berbert, como eles compram menos, têm mais dificuldad­e em barganhar preços com a indústria.

Além de marketplac­es que conectam distribuid­ores ao consumidor final, já existem plataforma­s que fazem o meio de campo entre os pequenos varejistas e a indústria.

É o caso da Souk, que conta com 22 mil varejistas cadastrado­s, segundo Roberto Angelino Filho, 48, diretor-executivo.

Criada em 2018 com o objetivo de agilizar a distribuiç­ão de produtos perto do vencimento, hoje a Souk também vende mercadoria­s que não têm essa caracterís­tica.

A negociação funciona no sistema de leilão holandês — ou antileilão—, em que o preço vai baixando até que o varejista esteja disposto a comprar. Na Souk, os descontos podem chegar a 80%, segundo Angelino Filho. O marketplac­e conta com marcas como Seara e Forno de Minas.

“O sistema dá empoderame­nto aos varejistas, já que conseguem negociar diretament­e com a indústria por meio de um sistema de leilão que está disponível 24 horas e sete dias por semana”, diz ele.

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Keiny Andrade/Folhapress O diretor-executivo da Souk, Roberto Filho, na sede da empresa, em SP

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