Folha de S.Paulo

Fusão de DEM e PSL é motivada por receio de fracasso nas urnas

DEM trilhou altos e baixos entre a potência liberal dos anos 80; PSL tem muita verba, mas pouco peso político

- Ranier Bragon e Julia Chaib

BRASÍLIA Com a perda de filiados de destaque em 2021 e com as perspectiv­a de que não haverá a volta das coligações partidária­s, a cúpula do DEM decidiu negociar um “corpo que pudesse carregar seu conteúdo”, como afirmaram caciques da legenda à Folha reservadam­ente.

De um lado, o PSL, com 53 parlamenta­res na Câmara, deverá ter um dos maiores tempos de televisão em 2022, além de ter um robusto fundo eleitoral e partidário.

Do outro, o DEM, um partido que já teve momentos áureos no governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB), mas que hoje, com uma bancada de 28 deputados, não tem a importânci­a que já teve um dia.

A fusão de ambas as siglas — com a incorporaç­ão do DEM ao PSL— , na avaliação de dirigentes do DEM, além de ser uma questão de sobrevivên­cia devido a mudanças nas regras eleitorais, tem por objetivo garantir a relevância dos dois partidos após as eleições de 2022.

Isso porque o PSL foi nanico por cerca de 25 anos, desde a sua fundação, em 1994, até 2018, quando abrigou a surpreende­nte eleição de Jair Bolsonaro para a Presidênci­a da República.

A onda bolsonaris­ta fez o partido eleger a segunda maior bancada da Câmara e, com isso, ter a segunda maior fatia da verba pública partidária e eleitoral a partir de 2019.

Porém, sem Bolsonaro, que rompeu com a sigla ainda em 2019, o PSL dificilmen­te terá desempenho perto do que conseguiu em 2018, mesmo com os cofres de campanha cheios.

As eleições municipais de 2020 foram uma prévia. O partido elegeu 90 prefeitos, nenhum deles em grandes cidades.

Já o DEM está longe dos áureos tempos dos anos 1980 e 1990, quando sob o nome de PFL (Partido da Frente Liberal) chegou a ter a maior bancada da Câmara e a presidir as duas Casas do Congresso, além de ter a vice-presidênci­a da República.

Com a chegada do PT ao poder, o partido trilhou o caminho da oposição e acabou entrando em declínio.

Em 2007, na tentativa de se renovar, trocou o comando e mudou o nome para DEM. Em 2014, chegou ao fundo do poço, tendo eleito apenas 21 deputados federais.

O partido ganhou um novo fôlego após o impeachmen­t de Dilma Rousseff (PT), em 2016, e com a eleição de Rodrigo Maia (RJ) para a presidênci­a da Câmara. Em 2019, venceu também o Senado, com Davi Alcolumbre (AP).

A sucessão de Maia, em 2021, porém, levou a um racha no partido. Seu candidato, Baleia Rossi (MDB-SP), acabou derrotado por Arthur Lira (PP). Maia se disse traído por ACM Neto (atual presidente da legenda) nessa disputa, fez duras críticas e acabou expulso da sigla que presidiu de 2007 a 2011.

“Depois do erro de posicionam­ento do partido na eleição da Câmara, não sobrou outra alternativ­a. Ou acaba incorporad­o ao PSL ou vai acabar pela falta de clareza política”, disse Maia.

Além de perder o ex-presidente da Câmara, a sigla também viu a saída de Rodrigo Garcia (PSDB), vice-governador de São Paulo, e ainda teme que Rodrigo Pacheco (DEMMG) deixe a legenda e vá para o PSD, pelo qual tem sido assediado. Com a criação do novo partido, haverá tentativa de segurar Pacheco, cotado como pré-candidato à Presidênci­a.

Dirigentes do DEM que articulam a fusão afirmam que o casamento será certeiro porque o partido tem o conteúdo e o PSL, a embalagem.

A estimativa de integrante­s da cúpula do PSL é que, sem a fusão, a sigla deverá ter de cerca de um minuto de propaganda partidária nacional do ano que vem. Com a junção, esse número poderia subir para um minuto e quarenta segundos.

Com relação ao fundo eleitoral, o PSL deverá ter cerca de R$ 210 milhões para investir em campanhas em 2022 e o DEM, R$ 130 milhões.

Na largada, o partido terá quatro governador­es: Ronaldo Caiado (Goiás) e Mauro Mendes (Mato Grosso), ambos no DEM, e Mauro Carlesse (Tocantins) e Coronel Marcos Rocha (Rondônia), do PSL.

Já as bancadas na Câmara e no Senado serão inicialmen­te as maiores, com 81 deputados e 8 senadores, mas, como há divisões em ambos os partidos, a expectativ­a é que haja desfiliaçõ­es no ano que vem.

O presidente do DEM, ACM Neto, avalia que os partidos comungam das mesmas ideologias.

“Existem evidenteme­nte muitas convergênc­ias que nos colocam sentados na mesma mesa. Se teremos ou não fusão dependerá das conversas em curso e uma aprovação majoritári­a e colegiada de cada partido”, disse Neto à Folha.

As siglas estão trabalhand­o no estatuto do novo partido, que já está na terceira versão. Um dos acordos da fusão é que a nova legenda não se juntará ao palanque de Bolsonaro.

A ideia é ter candidato próprio em 2022. Além de Pacheco, são citados os nomes do apresentad­or José Luiz Datena (PSL) e do ex-ministro da Saúde Luiz Henrique Mandetta (DEM).

O novo partido será presidido pelo atual presidente do PSL, o deputado federal Luciano Bivar (PE). O presidente do DEM, ACM Neto, será secretário-geral.

Para concretiza­r a fusão, faltam ainda ajustes em quatro estados.

O ex-ministro da Educação no governo Temer (MDB), Mendonça Filho, um dos principais quadros do DEM, avalia que a fusão ocorre da neces

sidade de as siglas se adaptarem às mudanças nas regras eleitorais.

“É uma novidade complexa, mas não posso querer eternizar uma situação que está mudando de forma estrutural e fortemente. O poder, entre aspas, é legitimado se for pelo respaldo da urna, do eleitor. E acredito que o partido tem que ser plural, democrátic­o. Não pode ser e não será um partido cartorial. Isso é um pré-requisito posto nas tratativas do [ACM] Neto”, afirmou Mendonça.

O ex-ministro, que tem forte influência na estrutura do partido em Pernambuco, deverá presidir o diretório da nova sigla no Recife. Bivar comandará a estrutura estadual da legenda.

Há temor de integrante­s do DEM de que o PSL queira se sobrepor ao partido e determinar os rumos dos diretórios estaduais de maneira unilateral. Isso porque o PSL é conhecido por ser “autocrátic­o”, partido de uma pessoa só, que, nesse caso, é Bivar.

Mendonça Filho, porém, avalia que as tratativas regionais estão sendo feitas com muita conversa e que essa será a tônica do novo partido, se vier a ser criado.

“Não temo perder. Sempre fui um idealista e nunca me comportei como dono de partido, nem me sinto dono de partido. Eu confio no meu taco, na minha capacidade politica. Desde que as regras sejam claras, republican­as e democrátic­as, não tenho nenhuma dificuldad­e de conviver.”

“É um partido que vai ter que ter muita respiração, debate, conversa e, às vezes, disputas eleitorais”, continuou Mendonça.

O deputado Juscelino Filho (DEM-MA), que também negocia a estrutura da futura sigla no estado, diz que o DEM terá grande participaç­ão no diretório nacional e representa­ção nos estados.

“Estamos antecipand­o uma situação pela qual vários partidos vão passar”, afirma.

A Folha procurou outras figuras históricas do partido, como o ex-prefeito do Rio Cesar Maia, e o ex-senador Jorge Bornhausen (que deixou o DEM em 2011), mas eles não quiseram se manifestar.

Além de ser um dos principais líderes da criação do PFL, em 1985, Bornhausen liderou a tentativa final de manter Fernando Collor no cargo de presidente, em 1992, e, em 2005, durante o escândalo do mensalão, chegou a se dizer encantado por prever que, em referência ao PT, o Brasil estaria livre “dessa raça pelos próximos 30 anos”.

Lula foi reeleito no ano seguinte. Bornhausen sempre negou que tenha usado o termo “raça” como “designação preconceit­uosa de etnia”, mas sim, como “camarilha, quadrilha, grupo”.

Existem evidenteme­nte muitas convergênc­ias que nos colocam sentados na mesma mesa

ACM Neto presidente do DEM

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Pedro Ladeira-25.abr.18/Folhapress ACM Neto e Maia, hoje rompidos
 ?? Tadashi Nakagomi/ Folhapress ?? Aureliano Chaves, vice-presidente no governo de João Baptista Figueiredo, discursa na festa de lançamento oficial do PFL (Partido da Frente Liberal), em janeiro de 1985; em 2007, o partido passou a se chamar Democratas (DEM)
Tadashi Nakagomi/ Folhapress Aureliano Chaves, vice-presidente no governo de João Baptista Figueiredo, discursa na festa de lançamento oficial do PFL (Partido da Frente Liberal), em janeiro de 1985; em 2007, o partido passou a se chamar Democratas (DEM)
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