Folha de S.Paulo

As vias de zero a três

Terceira via é difícil enquanto jantar do Temer se satisfizer com Bolsonaro

- Celso Rocha de Barros Servidor federal, é doutor em sociologia pela Universida­de de Oxford (Inglaterra) | DOM. Elio Gaspari, Janio de Freitas | SEG. Celso R. de Barros | TER. Joel P. da Fonseca | QUA. Elio Gaspari | QUI. Conrado H. Mendes | SEX. Reinaldo

O debate sobre “terceira via” tem um problema de contagem de vias.

A segunda via é o PT, que conseguiu vencer em 2002 após longo período na oposição.

A via número zero é Bolsonaro, que não quer ganhar eleições. Quer dar golpe de Estado para que a turma que tem dinheiro e armas volte a não precisar fazer concessões para quem não tem nenhum dos dois. Como era antes da democracia.

A maior parte dos candidatos da “terceira via” não está tentando construir uma nova via. Está é tentando reconstrui­r a primeira, a direita que jogava o jogo da democracia e governou o Brasil nas primeiras décadas da Nova República.

O que impede essa reconstruç­ão é que boa parte da base social da direita —os empresário­s, os pastores, a classe média tradiciona­l— ainda não desistiu completame­nte da via, digamos, 0,5. A turma acha o golpismo de Bolsonaris­mo meio desnecessá­rio. Mas todo mundo ali gostou da ideia de que dá para ganhar voto de pobre só com igreja, sem essas coisas de Bolsa Família, negros na universida­de etc.

O maior sinal dessa virada, na minha lembrança, ocorreu logo depois do impeachmen­t, quando Michel Temer e Gilmar Mendes mataram a possibilid­ade de novas eleições. Na época, o MBL postou em suas redes: “Nós não fizemos isso tudo pra vocês votarem na Marina”.

Marina Silva foi a candidata “terceira via” mais forte da história eleitoral brasileira. Ela, sim, tentou fazer uma “integração de legados” de PT e PSDB e reuniu uma aliança de dissidente­s dos dois lados. Tinha muito mais direito de se reivindica­r como candidata anticorrup­ção do que Jair “Queiroz” Bolsonaro jamais teve. Liderou as pesquisas presidenci­ais depois do impeachmen­t.

Mas Marina vinha com concessões demais ao progressis­mo —meio ambiente, tributação progressiv­a, política social— e, sem o PT no quadro disputando com a gente, pensou a burguesia brasileira, pra que isso tudo?

A questão para a terceira via em 2022 é a seguinte: qual a proporção da base social da direita que, mesmo diante do desastre que foi o governo Bolsonaro, tem interesse em voltar a fazer concessões a quem não tem dinheiro nem armas?

Até o momento, bem menos do que seria necessário para eleger um “terceira via”. O apoio a Bolsonaro entre empresário­s ainda é muito maior do que no resto da população. A atitude da elite brasileira diante de Bolsonaro é a da turma no jantar de Temer com Naji Nahas: para quem continua ganhando dinheiro, o fascismo é até engraçado.

Tudo isso ficou claro na passeata do dia 12, quando o jantar do Temer pareceu dizer ao MBL: “Nós não fizemos isso tudo pra ter que voltar a fazer passeata com vocês”. Nenhum dos partidos de direita, de qualquer matiz, investiu na manifestaç­ão. Os ricos, que pagaram anúncio contra Dilma em toda a mídia em 2016, não pagaram dessa vez. A Força Sindical, que mandava multidões para a Paulista em 2015, não foi.

Aplaudo a direita que está tentando se organizar fora do fascismo, aplaudo a iniciativa do MBL de convocar a manifestaç­ão. Mas deixo meu aviso aos jovens liberais que se animaram durante a crise do PT: a média da direita brasileira é isso aí, o jantar do Temer. É difícil organizar um movimento forte para lutar em campo aberto quando tanta gente do seu lado já se dá bem só com jogo dos bastidores.

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