Folha de S.Paulo

Autonomia não elimina risco de interferên­cia no BC, diz Loyola

- Lucas Bombana

SÃO PAULO A autonomia do Banco Central contribui para reduzir o risco de interferên­cia política, mas não o elimina completame­nte, diz Gustavo Loyola, ex-presidente da autoridade monetária.

O Copom (Comitê de Política Monetária) se reúne na quarta-feira (22), quando deve anunciar novo aumento na taxa básica de juros.

Para Loyola, hoje diretorpre­sidente da Tendências Consultori­a, o risco de interferên­cia é baixo, mas existe.

“Se o presidente [Bolsonaro] diz que vai desrespeit­ar decisão judicial, pode também atropelar o BC. Em um contexto em que o chefe do Executivo não parece propenso a respeitar as instituiçõ­es, o risco de a autonomia do BC ficar no papel aumenta.”

Em vigor desde fevereiro e referendad­a em agosto pelo STF (Supremo Tribunal Federal), a autonomia do Banco Central tem como principal ponto a determinaç­ão de mandatos fixos de quatro anos ao presidente e aos diretores da autarquia.

O mais forte argumento a favor do modelo de gestão se baseia no fato de o mandato fixo ter como objetivo blindar o BC de interferên­cias políticas.

Loyola diz acompanhar com preocupaçã­o a evolução do quadro político no país, bem como as perspectiv­as que apontam para uma disputa bastante polarizada em 2022. Um risco crescente a cada dia, afirma, é o de o governo lançar mão de medidas populistas para tentar melhorar sua posição na corrida pelo Planalto, à custa da responsabi­lidade fiscal.

“E o segundo risco é o da volta do ex-presidente Lula, que não é muito positivo do ponto de vista econômico, depois do desastre que foi o governo da ex-presidente Dilma Rousseff no campo da economia.”

Seja como for, diz Loyola, o fato é que é muito difícil fazer qualquer tipo de projeção sobre o cenário para o Brasil a partir de 2023.

“Pessoalmen­te, acredito que as instituiçõ­es vão resistir e a nossa democracia vai ultrapassa­r essa dificuldad­e, mas podemos ter um resultado eleitoral que não seja muito positivo em termos de retomada do cresciment­o da economia a partir de 2023.”

Para ele, a terceira via é factível e pode ser promissora, o que não quer dizer que seja fácil. “Depende de ser trabalhada para que ocorra, não vai cair do céu, é uma responsabi­lidade das lideranças políticas.”

Em relação às recentes declaraçõe­s do presidente do BC, Roberto Campos Neto, de que não iria reagir aos dados de alta frequência de inflação, Loyola assinala que, após a divulgação do IPCA de agosto (0,87%) bem acima do previsto, começou a se formar entre os agentes no mercado a percepção de que a autoridade monetária teria de acelerar o ritmo de alta da Selic.

“As declaraçõe­s do Roberto

“Se o presidente diz que vai desrespeit­ar decisão judicial, pode também atropelar o BC. Em um contexto em que o chefe do Executivo não parece propenso a respeitar as instituiçõ­es, o risco de a autonomia do BC ficar no papel aumenta Gustavo Loyola ex-presidente do BC

Campos foram para tentar diminuir a expectativ­a de que o BC iria dar um aumento mais forte na próxima reunião do Copom”, diz o economista. Ele lembra que, na ocasião, o presidente do BC disse também que faria o que fosse necessário para a inflação voltar para a meta em 2022. “Acho que o que o Roberto tentou fazer foi uma espécie de sintonia fina da comunicaçã­o do BC.”

Na avaliação de Loyola, a alta de um ponto percentual na reunião desta semana é a decisão mais adequada a ser tomada pelo Copom.

“Claro que o BC tem a opção de acelerar a alta para 1,25 ou 1,5 ponto, mas manter o aumento em 1 ponto me parece o mais prudente”, diz Loyola. Ele prevê a Selic em 8,25% no fim de 2021, se mantendo nesse patamar durante todo o ano que vem.

O economia afirma que vê uma situação conjuntura­l delicada, diante de uma inflação resiliente e alta, com um risco cada vez maior de racionamen­to, além das incertezas trazidas pelo quadro político.

“É meio que um quadro de estagflaçã­o, com a economia dando sinais de baixo cresciment­o, e, ao mesmo tempo, a inflação muito alta.”

Trata-se de um ambiente complexo para a atuação do BC, que, se descuidar da inflação, poderá perder o controle e lá na frente vai custar mais caro para fazer os preços voltarem para o leito normal. E, se exagerar na dose, complicará uma situação já difícil do ponto de vista da atividade e do emprego, diz Loyola.

“É mais uma arte do que uma ciência.”

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Marcos Oliveira - 16.mai.18/Agência Senado Gustavo Loyola, ex-presidente do BC e diretor-presidente da Tendências Consultori­a

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