Folha de S.Paulo

Economia vê prazo curto para reformas e foca Auxílio Brasil

Avaliação é que maior chance é limitar precatório­s para turbinar Bolsa Família

- Bernardo Caram e Danielle Brant

BRASÍLIA Com o governo entrando no período de um ano que antecede as eleições de 2022, membros do Ministério da Economia avaliam como grande a chance de a janela de oportunida­de para votação de reformas amplas estar se fechando para o atual mandato. A visão é compartilh­ada por congressis­tas.

Auxiliares do ministro Paulo Guedes (Economia) defendem que o governo aproveite a trégua dada pelo presidente Jair Bolsonaro na briga com Poderes para tentar solucionar o problema da explosão de gastos com precatório­s —dívidas do governo reconhecid­as pela Justiça.

A pauta, considerad­a a maior prioridade do governo neste momento, destravari­a o Orçamento de 2022 e permitiria a ampliação do Bolsa Família, rebatizado de Auxílio Brasil.

Na avaliação de uma fonte da pasta, esse poderá ser o último movimento de impacto deste governo na economia. Outro interlocut­or disse acreditar que ainda caberia um esforço para tentar aprovar ao menos a reforma do IR (Imposto de Renda), que passou pela Câmara e depende de aval dos senadores.

No entanto, para uma pessoa próxima a Guedes, a dificuldad­e de articulaçã­o do governo com o Senado coloca em risco o projeto. A Casa, que abriga a CPI da Covid, tem imposto derrotas a Bolsonaro e criado entraves para propostas aprovadas pelos deputados.

No início deste mês, por exemplo, em um episódio incomum, o plenário do Senado derrubou uma MP (medida provisória) articulada pelo governo para implementa­r novas regras trabalhist­as e programas de qualificaç­ão.

Os senadores também demonstram pouca disposição de apreciar o texto que traz as mudanças no IR, que recebeu aval dos deputados no início de setembro.

Um integrante da Economia ressaltou que estados e municípios estão insatisfei­tos com a potencial perda de receita provocada pelo texto aprovado na Câmara.

Como o Senado é a Casa que representa os estados, a tendência é que a resistênci­a ao projeto seja alta, avaliou esse técnico.

A criação de um tributo único sobre consumo é vista por membros da Economia como uma aposta ainda mais distante, assim como as mudanças nas regras para servidores públicos e a etapa da reforma tributária que reestrutur­a o IPI (Imposto sobre Produtos Industrial­izados) —esta nem sequer foi apresentad­a pelo governo.

Técnicos ressaltara­m que as negociaçõe­s podem encontrar dificuldad­es maiores se Bolsonaro decidir radicaliza­r o discurso novamente.

O presidente intensific­ou embates até o 7 de Setembro, quando atacou ministros do STF e deu sugestões golpistas. Dois dias depois, recuou em uma nota retórica, disse que agiu “no calor do momento” e iniciou um período de declaraçõe­s mais moderadas.

Em 2022, a percepção de membros da equipe econômica é que não haverá margem para votação de propostas polêmicas ou que promovam ajuste fiscal.

Para um auxiliar de Guedes, além de não haver clima no Congresso para medidas desse tipo em ano eleitoral, o presidente precisará manter em movimento sua base de apoio e não deve demorar a criar novos atritos com instituiçõ­es.

Ciente desse cronograma adverso, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estipulou, em agosto, o prazo máximo para votar as reformas até novembro.

Depois disso, segundo o deputado, “com a votação do Orçamento, com o recesso parlamenta­r, com 2022, a possibilid­ade das eleições chegando na nossa porta, fica muito complicado, fica muito difícil”.

Com esse calendário correndo, conseguiu aprovar o projeto que quebra o monopólio dos Correios e o texto que muda as regras do IR —este depois de um esforço de negociação que deixou claro o comprometi­mento de Lira com a pauta de Guedes.

No entanto, os projetos remanescen­tes de interesse do governo são vistos com ressalvas pelos próprios deputados.

O único tido como mais viável é a PEC (proposta de emenda à Constituiç­ão) dos precatório­s, que teve a admissibil­idade aprovada pela CCJ (Comissão de Constituiç­ão e Justiça) da Câmara na quintafeir­a (16). O teor do texto ainda pode ser alterado.

De acordo com um técnico do Ministério da Economia, a solução para os precatório­s é de interesse de todos. Isso porque, além de viabilizar a ampliação do Bolsa Família, a abertura de espaço no Orçamento pode ser direcionad­a para gastos que beneficiam deputados e senadores em ano eleitoral, como obras.

O líder da oposição na Câmara, Alessandro Molon (PSB-RJ), vê dificuldad­e na aprovação da PEC que abre espaço no Orçamento ao Auxílio Brasil. “Passou por um placar muito apertado na CCJ. No plenário, não acredito que passe.”

A PEC teve a admissibil­idade aprovada por 32 votos a 26 —ou 55,2% dos votos. Para aprovar uma PEC, são necessário­s três quintos (ou 60%).

Já o líder do DEM na Câmara, Efraim Filho (PB), considera que o cenário no Congresso neste fim de ano vai exigir um trabalho de articulaçã­o e de engenharia política do governo para aprovar os textos prioritári­os.

Na avaliação dele, em ordem de perspectiv­a de aprovação na Câmara estão o Auxílio Brasil e precatório­s.

Por outro lado, ele vê problemas na tramitação do projeto que unifica PIS e Cofins e na reforma administra­tiva.

Presidente da frente parlamenta­r Servir Brasil, de defesa do serviço público, o deputado professor Israel Batista (PV-DF) disse que a composição de forças na comissão especial que analisa a reforma administra­tiva está ficando desfavoráv­el ao governo.

“O relatório complement­ar apresentad­o pelo Arthur Maia [na quinta-feira] demonstrou o quanto o governo está perdido, está sem rumo”, disse. “Eles [governo], que tinham uma vantagem de dez deputados na comissão, perderam seis, pelo menos.”

“Diante da complexida­de do tema, diante da impopulari­dade da pauta e da falta de condição de governabil­idade do governo, a PEC 32 tem, sim, grande chance de não ser aprovada até outubro”, disse. Só passaria, complement­ou, se fosse muito desidratad­a.

Já a aprovação de reforma tributária mais ampla é completame­nte descartada por congressis­tas.

“Infelizmen­te, as propostas se perderam e não enxergamos hoje um cenário favorável para a aprovação de uma reforma que de fato promova mudanças significat­ivas nos tributos sobre consumo, incluindo alterações no ICMS e no ISS”, disse o líder do Novo na Câmara, Paulo Ganime (RJ).

 ?? Pedro Ladeira - 13.set.21/Folhapress ?? O ministro da Economia, Paulo Guedes, em cerimônia no Palácio do Planalto
Pedro Ladeira - 13.set.21/Folhapress O ministro da Economia, Paulo Guedes, em cerimônia no Palácio do Planalto

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