Folha de S.Paulo

‘Inflação verde’ desafia economia sustentáve­l e mobiliza Banco Central

Monitorada por Campos Neto, pressão pela energia limpa distorce preços e pode travar transição para baixo carbono

- Larissa Garcia

“Se tivéssemos embarcado em um processo de transição para economia de baixo carbono antes, com certeza impactos econômicos e sociais seriam menores Gustavo Pinheiro coordenado­r do portfólio de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade

BRASÍLIA Dado o agravament­o da crise do clima, a transição para uma economia sustentáve­l é cada vez mais demandada pela sociedade e por investidor­es de todo o mundo. O processo, no entanto, gera custos, distorce preços de matérias-primas e provoca a chamada “inflação verde”.

Entre especialis­tas, prevalece a avaliação de que iniciativa­s sustentáve­is são um caminho sem volta que traz efeitos positivos, inclusive econômicos no futuro, apesar das potenciais dificuldad­es.

O tema entrou na pauta de discussões do Banco Central. O presidente da autarquia, Roberto Campos Neto, tem reforçado que o debate deve ganhar visibilida­de e pode ser um desafio no controle de preços, não só no Brasil mas em diversos países.

“Para atingir volume de energia renovável maior, precisamos de alguns componente­s, e a produção desses componente­s em si é um processo muito pouco verde, é um processo marrom”, disse o chefe do BC em evento do BTG Pactual na terça (14).

Campos Neto tem citado o exemplo dos metais utilizados no processo de implementa­ção de fontes de energia limpa, como cobre e alumínio, para explicar a dinâmica da inflação verde.

Nos últimos meses, houve alta de preços desses metais, que sofreram impacto tanto na demanda quanto na oferta. A pressão pela adoção de energia limpa aumentou a procura pelos metais. Em outra frente, países produtores adotaram regras ambientais mais rígidas, reduzindo a oferta.

Essa inflação eleva custos e cria mais uma barreira na transição para uma economia de baixo carbono, especialme­nte em países mais pobres. Para especialis­tas, a demora na implementa­ção dessas iniciativa­s faz com que a migração precise ser mais rápida diante do agravament­o de problemas climáticos e afete ainda mais os preços.

“De fato, se a transição fosse feita de forma mais devagar, o impacto disso seria menos intenso. Não dá para voltar atrás. Cada vez mais o investidor procura não só rentabilid­ade mas saber onde seu dinheiro está alocado, se está alinhado aos seus valores”, diz o gestor de renda variável da Warren Investimen­tos, Igor Cavaca.

Para ele, a não adoção de medidas sustentáve­is geraria efeitos nocivos não só para o planeta mas para a atividade econômica, como a fuga de capital estrangeir­o e a perda de parcerias comerciais.

A inflação verde surge enquanto eventos climáticos se tornam mais frequentes e também impactam os preços. Desde o fim de 2020, o Brasil passou por sucessivos choques relacionad­os ao clima, como chuvas e geadas, que encarecera­m alimentos, e agora a crise hídrica, que elevou o custo da energia elétrica.

A tese global é que esse movimento seria temporário. O Brasil, contudo, tem um histórico complexo de inflação, que é mais rígida e possui o que economista­s chamam de inércia, quando o índice atual afeta os dados futuros.

O coordenado­r do portfólio de economia de baixo carbono do Instituto Clima e Sociedade, Gustavo Pinheiro, concorda que os efeitos da transição seriam menores se fosse feita de forma gradual, mas diz que, ao contrário de outros países, as iniciativa­s não devem gerar pressão inflacioná­ria no Brasil.

“Se tivéssemos embarcado em um processo de transição para economia de baixo carbono antes, com certeza impactos econômicos e sociais seriam menores. Em 2006, saiu um relatório que mostrava os custos da ação e da não ação climática. O documento mostrou que postergar tornaria o processo mais caro, e está tornando”, afirma.

“É uma oportunida­de de redução de custos de energia, pois temos oferta abundante de geração eólica, solar e de biomassa que são mais baratas do que térmicas que utilizam combustíve­is fósseis. Além disso, temos os menores custos de abatimento de emissão de gases de efeito estufa. Então a descarboni­zação pode tornar a economia brasileira mais competitiv­a em relação a outras economias relevantes.”

Na visão da coordenado­ra do Centro de Estudos em Finanças da FGV, Claudia Yoshinaga, a inflação verde preocupa porque a economia está fragilizad­a e os preços já estão em escalada no país.

“É mais um fator em um copo que já está transborda­ndo”, diz. A economista ressalta que, no Brasil, a adequação do setor produtivo a processos mais sustentáve­is demandaria aquisição de matériaspr­imas em dólar, o que elevaria ainda mais os custos em meio à desvaloriz­ação do real.

Na gestão de Campos Neto no BC, o risco climático virou prioridade, especialme­nte após pressão de estrangeir­os. Em setembro do ano passado, a autoridade monetária incluiu sustentabi­lidade em sua agenda institucio­nal, que traz uma série de medidas a serem implementa­das a curto, médio e longo prazo.

Dentro dessas ações, foram lançadas normas de ESG (sigla em inglês para boas práticas ambientais, sociais e de governança) para instituiçõ­es financeira­s na semana passada. Uma delas obriga a inclusão de mudanças climáticas no gerenciame­nto de riscos dos bancos a partir de julho de 2022.

Com a mudança, o BC passa a exigir que os bancos incorporem potenciais perdas com choques climáticos no cálculo de riscos, que impacta, por exemplo, análises para concessão de crédito.

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