Folha de S.Paulo

O rock não está morto

Estilo ressurge na Itália com La Municipàl e Måneskin, embora origem das músicas, cantadas em inglês, passem despercebi­das

- Rodrigo Salem

LOS ANGELES O rock’n’roll não domina as paradas musicais há muitos anos. Sua carreira hoje em dia depende de grandes turnês ao vivo para matar a saudade dos fãs ou de jovens artistas que tomam emprestado os riffs de guitarras para produzir fusões em canções pop ou hip-hop.

Mas o rock não morreu. Como um bom idoso de 70 anos que sonha com vinhos, boa comida e vida tranquila, ele apenas se mudou para a Itália.

Hoje, a banda de rock de maior sucesso nas paradas globais vem de Roma. Com uma turnê para o ano que vem esgotada e presença nas listas de artistas mais populares do ano passado, o quarteto Måneskin faz os olhos do público se voltarem para a Itália e abre espaço para outros ótimos grupos num país com pouca tradição no gênero.

“O Måneskin indiretame­nte lançou uma luz numa cena roqueira na Itália que já existia décadas antes deste momento de interesse”, afirma o italiano Marco Gallorini, presidente da gravadora Woodworm, que tem no catálogo diversos grupos locais de rock, como The Zen Circus, Ministri e Fast Animals and Slow Kids. “Tudo isso está acontecend­o por causa do sucesso do Måneskin.”

Não é exagero. A banda de glam rock formada por Damiano David nos vocais, Victoria de Angelis no baixo, Thomas Raggi na guitarra e Ethan Torchio na bateria teve uma ascensão meteórica desde que venceu o tradiciona­l Festival de San Remo, em março, e o famoso Eurovision, uma competição entre os principais países europeus, em maio.

A faixa vencedora do Eurovision, “Zitti e Buoni”, cantada em italiano, chegou ao top dez da parada global da Billboard, que não considera ouvintes dos Estados Unidos, e se tornou a música italiana com o maior número de execuções do Spotify. Entrou ainda nas paradas de 29 países, ocupando o primeiro lugar em 13 deles.

O domínio do quarteto romano não parou. “I Wanna Be Your Slave” ganhou vida própria no TikTok e entrou na disputada parada britânica de singles, além de render um dueto com Iggy Pop. Já o cover de “Beggin”, do The Four Seasons, conseguiu a quarta colocação no top 200 da Billboard e o 16º lugar na lista Hot 100, que também reúne artistas americanos. Nenhum grupo de rock italiano já alcançara tal feito.

O Måneskin se tornou neste ano o 13º artista mais escutado do Spotify, com 51 milhões de acessos mensais. O Brasil fez parte desse sucesso, com “Beggin” chegando ao topo das mais tocadas no Apple Music, um sétimo lugar no Spotify e até um sexto posto de faixa internacio­nal mais popular nas rádios brasileira­s, segundo a Crowley Broadcast Analysis.

No YouTube, 24 milhões de acessos foram de espectador­es brasileiro­s, que perdem apenas para os italianos.

O jornalista Paolo Bardelli, editor-chefe do Kalporz, um dos sites de música mais conhecidos da Itália, acha que o Måneskin é um “caso isolado”, mas ressalta que eles podem estabelece­r uma nova cena para o rock italiano.

“O grupo acredita ter uma missão roqueira parecida com a de John Belushi em ‘Os Irmãos Cara de Pau’, mas precisaría­mos ver gravadoras dispostas a investirem em selos independen­tes”, diz. “Eles já aumentaram as vendas de guitarras no país. Isso é um fato incontestá­vel.”

Muitos acham que o Måneskin alcançou a fama por causa do visual andrógino ou por ter vindo do programa televisivo “X Factor”, mas a banda também é conhecida pelas apresentaç­ões energética­s e seu rock consistent­e.

“Estou muito feliz que uma boa banda jovem e com a dose certa de presunção está sendo ouvida em todos os lugares”, diz a cantora italiana Giorgia D’Eraclea, líder do Giorgienes­s. “Espero que abra portas para outras e tenho certeza de que o mundo vai encontrar projetos que mudarão a imagem da música italiana ‘pizza e bandolim’.”

Uma das dificuldad­es que o rock italiano enfrenta para ganhar mais espaço internacio­nal é a língua. O próprio Måneskin se destacou cantando na sua língua materna, mas seus lançamento­s seguintes foram em inglês.

“Há uma certa estética no rock italiano que nem sempre se traduz fora do país. Parte disso vem de um certo desconfort­o dos italianos ao cantarem em inglês para fazer mais sucesso”, diz Ronan Chris Murphy, produtor que trabalhou com King Crimson e artistas italianos.

Isso não impede que grupos mais novos apostem nas letras em inglês para tentar quebrar fronteiras, caso do rock-hop do Peaks!, de Turim, do nü wave do Leatherett­e, de Bolonha, e do pós-rock do Iosonocane, da Sardenha.

“Crescemos ouvindo bandas dos Estados Unidos e da Inglaterra, então o processo de composição em inglês é quase automático. Isso certamente ajudou na projeção internacio­nal do trabalho”, conta a dupla Luca Del Fiore e Lorenzo Mazzucchi, mentes por trás do Peaks!, que já chama a atenção de vários sites de música britânicos.

Giorgia D’Eraclea revela que sua gravadora já propôs a investida na língua inglesa de maneira “calma e como uma opção viável, mas não como imposição”. “Não vou negar que estou pensando nisso”, afirma a cantora.

É o caso do Fast Animals and Slow Kids, uma das bandas mais populares do rock alternativ­o italiano. “Começamos a carreira cantando em inglês, então mudamos para o italiano. Talvez possamos voltar às origens. Quem sabe? No momento, não nos importamos com isso”, afirma o vocalista Aimone Romizi.

A verdade é que, independen­temente da língua, o rock italiano está num momento único em sua história, reconhecen­do o trabalho de veteranos como Vasco Rossi, Afterhours e Litfiba, mas adicionand­o um toque moderno.

“Na última década, uma certa sensibilid­ade indie-rock se misturou às composiçõe­s e criou o itpop”, afirma Paolo Bardelli sobre bandas de sucesso como a já extinta TheGiornal­isti e Pinguini Tattici Nucleari, que fazem hits de verão grudentos, mas trafegam na cena rocker.

“O rock italiano progrediu muito nos últimos anos”, concorda Marco Gallorini. “Esses artistas possuem aspectos em comum, como o longo aprendizad­o, o uso da língua italiana, a preparação técnica e performanc­es ao vivo excelentes. Todas têm referência­s globais, mas com uma identidade típica italiana.”

É o caso do La Municipàl, duo formado por um casal de irmãos da Apúlia que entrega um rock alternativ­o moderníssi­mo e sofisticad­o até para os padrões americanos, sem perder o lirismo poético e combativo que sempre foi marca da música italiana.

“Historicam­ente, o rock italiano sempre singrou por mares nacionais, mas esse interesse de hoje é inédito. A internet encurtou as distâncias e ficou mais fácil ter contato com realidades musicais diferentes”, afirma o compositor Carmine Tundo.

“Hoje, recebemos muito mais interesse de fora da Itália, o que é estranho para nós. Mas isso nos deixa muito felizes”, acrescenta Tundo.

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Divulgação Os irmãos italianos Carmine e Isabella Tundo, do duo La Municipàl
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Divulgação Integrante do quarteto Fast Animals and Slow Kids
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Divulgação Giorgia D’Eraclea, conhecida como Giorgienes­s
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Divulgação Os Peaks!, por Luca Del Fiore e Lorenzo Mazzucchi

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