Diretor de ‘Jogos Mortais’ volta às tripas e sangue em ‘Maligno’
CINEMA Maligno ★★★★★
EUA e China, 2021. Direção: James Wan. Com: Annabelle Wallis, Maddie Hasson, George Young. Nos cinemas. 12 anos
Com “Jogos Mortais”, no início dos anos 2000, James Wan ficou conhecido como o guru do “torture porn”, filmes de terror que se esbaldam em cenas violentas. Na década seguinte, nas franquias “Sobrenatural” e “Invocação do Mal”, ele inaugurou uma fase mais fantasmagórica, menos sanguinolenta —com interrupções significativas para dirigir os blockbusters “Velozes e Furiosos 7” e “Aquaman”.
Já com “Maligno”, em cartaz nos cinemas agora, Wan quer retornar às origens macabras.
Escrito por Wan, Ingrid Bisu e Akela Cooper, “Maligno” conta a história de Madison —vivida por Annabelle Wallis, de “Annabelle”—, uma mulher que passa a ter visões de assassinatos horripilantes depois de bater a cabeça — até que descobre que os crimes aconteceram de verdade.
Diferentemente de “Jogos Mortais”, Wan contou com um bom orçamento para executar os efeitos especiais, mas mantendo uma escala menor, com jeitão de filme independente, do tipo que só seria encontrado nas estantes mais escondidas da videolocadora.
É um roteiro original, mas com forte influência oitentista, sobretudo dos mestres Mario Bava, Dario Argento, Brian De Palma e David Cronenberg. “Maligno” não se encaixa totalmente na categoria “giallo”, mas é a versão de Wan do estilo italiano que foi precursor do “slasher”.
É importante ressaltar que, para apreciar um filme como “Maligno”, que bebe de obras insanas como “Trauma”, de 1993, e “Os Filhos do Medo”, de 1979, é preciso entender que toda a ação se desenrola numa versão estilizada da realidade, com fumaça de gelo seco saindo dos bueiros, luzes vermelhas de néon que iluminam os personagens e uma elaborada adaga dourada feita com pedaços de um troféu.
Já no início, um hospital na beira de um precipício dá tons de fantasia. Nesse universo, a lógica não importa e o absurdo é perfeitamente cabível.
Sem revelar pontos cruciais da trama, é possível dizer que “Maligno” lida com memórias reprimidas, o trauma por não conhecer a própria origem e a paranoia que envolve aqueles que não sabem exatamente aquilo do que são capazes.
Passado em Seattle, cidade que foi reconstruída sobre suas próprias ruínas para evitar inundações, o filme trata de um tipo de assombração que vive num subterrâneo metafórico e que, muito provavelmente, se ressente daqueles que estão acima por ter sido enclausurada numa espécie de prisão do inconsciente.
Ela acredita que as visões têm relação com o seu passado e com uma entidade chamada Gabriel, uma espécie de demônio da paralisia do sono que mostra a ela as mortes brutais. Segundo o diretor, este é o filme “mais violento e sangrento” que ele já fez.
Com boas cenas de tensão no começo, “Maligno” se perde um pouco pela metade e quase descarrila no fim ao martelar ideias que já estavam mais do que claras apenas pelas imagens —em dado momento, há um tiroteio e um dos personagens grita “estão atirando na gente”, como se não pudéssemos entender o que está acontecendo.
O roteiro, assim, não é dos mais afiados, mas James Wan sabe bem como decupar cada cena, e a fotografia de Michael Burgess vibra em tons vivos de vermelho.
Gabriel é um monstro interessante visualmente, com movimentos grotescos e que, de alguma forma, sabe controlar a energia elétrica e as ondas do rádio. Sempre que ele está por perto, lâmpadas começam a piscar ou eletrodomésticos se ligam sozinhos.
É um recurso semelhante ao de “Gritos Mortais”, em que a criatura manipula os sons e torna tudo mais silencioso antes de aparecer. Assim, há sempre uma pista inquietante de que algo horrível está prestes a acontecer.
A surpresa final é tão bizarra que só pode provocar duas reações —ou o espectador aceita a premissa maluca e se diverte com a proposta corajosa de Wan ou acha tudo muito estapafúrdio e amaldiçoa o tempo perdido na sessão.
“Maligno” não tem medo de cair no ridículo e depende muito do repertório de cada um. De toda forma, seja você um fã de terror ou apenas um observador casual, será difícil esquecer a estranheza da grande revelação.