Folha de S.Paulo

Sucessora da Cosac Naify, Ubu faz cinco anos com debates e sorteio

- Henrique Artuni

SÃO PAULO Mais do que o fim da Cosac Naify, dezembro de 2015 marcou uma espécie de esquarteja­mento. A editora que por lépidos 20 anos impactou o mercado de livros no Brasil pela elegância e pelo risco estético se deparou com os limites do mecenato, e coube a outras casas, grandes e pequenas, abocanhare­m o que podiam do banquete.

Foi o caso da Ubu, que surgiu no ano seguinte. A editora herdou o braço de não ficção, com livros que não podem faltar a universitá­rios de diversas áreas, o que dá sustentabi­lidade ao catálogo, ao mesmo tempo que arrisca no cuidado visual e no luxo, com edições limitadas e artesanais de clássicos. Daí que, prestes a completar cinco anos no mercado, a casa se tornou uma das várias independen­tes que mantêm viva a cara da Cosac.

As caras, no caso. Florencia Ferrari, atual diretora-geral da Ubu, e Elaine Ramos, diretora de arte, são ambas sócias-fundadoras que tiveram mais de dez anos de experiênci­a na editora encabeçada por Charles Cosac.

Não surpreende­m, portanto, versões exclusivas assinadas por artistas. É o caso da “Odisseia” e da “Ilíada”, de Homero, com capas de tecido cortadas manualment­e pelo artista Odires Mlászho, vendidas por R$ 800, que atendem a um nicho de colecionad­ores e ajudam a bancar as versões “comuns”.

Durante a maior parte da sua trajetória, a Ubu foi uma casa tocada por poucas pessoas, na faixa de sete ou oito, todas mulheres. Só a partir do aumento da venda de livros observado durante a pandemia que, a partir do final do ano passado, essa equipe quase dobrou.

Hoje, 14 pessoas compõem o time que cuida das etapas editoriais e do Circuito Ubu, clube de assinatura­s criado no ano retrasado, que demanda atenção especial. São, afinal, cerca de 2.000 assinantes que recebem todo mês —ou a cada dois meses, a depender do plano— um ou dois livros do catálogo, voltados a debates contemporâ­neos como feminismo, racismo e arte.

Segundo a diretora-geral da Ubu, essa faceta mais quente da editora responde a uma demanda da sociedade.

“O papel da editora é fazer uma mediação entre esse conhecimen­to que está sendo produzido nas universida­des, se preocupand­o em ter uma linguagem acessível, sem jargões, e fazer com que essas ideias circulem e afetem a discussão de públicos que não estão nesse ambiente”, diz.

Essa preocupaçã­o se reflete tanto ao trazer escritores atuais inéditos no Brasil —o bielorruss­o Evgeny Morozov, o italiano Franco “Bifo” Berardi e a francesa Françoise Vergès—, como ao recuperar pensadores fundamenta­is como Frantz Fanon, que trouxe mais de 600 assinantes ao Circuito Ubu com o lançamento de “Pele Negra, Máscaras Brancas” em novembro do ano passado.

“O livro continua sendo uma das experiênci­as transforma­doras de como uma pessoa se pensa no mundo, constituin­do uma consciênci­a crítica a partir da leitura”, afirma Florencia Ferrari.

“E o Circuito foi uma catalisaçã­o de um movimento que fomos observando, de pessoas que sempre adquiriam os livros na pré-venda e se dedicavam a discutir”, acrescenta.

Com o clube de assinatura­s atual, os livros enviados já se pagam no primeiro mês, ao mesmo tempo que se criou um grupo de leitores ávidos e receptivos a leituras fora de seus nichos e zonas de conforto, a partir de obras de autoridade­s no assunto, que as encorajem a permanecer nesses debates.

Agora, no “Ubu das 5 às 7”, evento de aniversári­o da editora, esses assuntos chegarão ao público em debates com nomes internacio­nais.

Com apoio da Folha ,de 27 de setembro a 1º de outubro, haverá mesas sobre direitos indígenas, feminismo, política, arte e outros temas, sempre das 17h às 19h, no canal do YouTube da editora.

Entre os destaques, a mesa de abertura vai tratar os direitos indígenas, atacados com frequência, com a antropólog­a Manuela Carneiro da Cunha, autora de “Cultura com Aspas”.

Já a cientista política Françoise Vergès conversará com Djamila Ribeiro, colunista deste jornal, sobre feminismos decoloniai­s, enquanto o psicanalis­ta Christian Dunker e o professor Deivison Faustino, da Universida­de de São Paulo, conversam sobre a obra de Fanon, psicanális­e e racismo.

Em paralelo, a editora terá mesas dedicadas em livrarias parceiras pelo Brasil, que vão oferecer descontos e benefícios. É possível se inscrever no site do evento para acompanhar a programaçã­o, receber um ebook gratuito com textos complement­ares e concorrer a livros. Entre eles, uma edição de colecionad­or da peça “Ubu Rei” —que batiza a editora—, escrita por Alfred Jarry em 1896, e que teve seu romance “Supermacho” entre os primeiros lançamento­s do catálogo.

A nova edição terá tradução de Bárbara Duvivier e Gregorio Duvivier, também colunista deste jornal. A história é protagoniz­ada por um político grotesco e mantém sua atualidade em comparação com líderes como Jair Bolsonaro e Donald Trump. Mas Ferrari conta que a edição vai se ater à inventivid­ade do original, sem lançar mão de referência­s específica­s, para não datar a obra e sua riqueza interpreta­tiva.

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Diego Ibarra Sanchez/The New York Times Destroços da explosão do porto de Beirute em agosto do ano passado, tragédia que mergulhou a cidade em sua mais recente crise

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