Bolsonaro faz apelo por Crivella na África do Sul
Apesar de ligação para líder sul-africano, indicação de bispo licenciado da Universal para embaixada em Pretória não avança
brasília Em chamada telefônica fora da agenda com o líder da África do Sul, Cyril Ramaphosa, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) fez um apelo para que o país dê luz verde à indicação do exprefeito do Rio de Janeiro Marcelo Crivella (Republicanos) a embaixador em Pretória.
No entanto, de acordo com auxiliares palacianos, o sulafricano não deu garantias sobre a aceitação de Crivella, o que tem sido interpretado por assessores como o mais forte sinal de que o nome do bispo licenciado da Igreja Universal não é bem aceito.
O governo Bolsonaro encaminhou no início de junho um pedido de concessão de agrément a Crivella. No jargão diplomático, trata-se de consulta a um país que pode vir a receber um novo embaixador.
Quando há contrariedade, a praxe é que a solicitação não seja respondida. No caso de Crivella, são mais de quatro meses sem que Pretória se manifeste sobre a indicação.
A ligação entre Bolsonaro e Ramaphosa ocorreu no dia 7 de outubro. Interlocutores disseram à Folha que, quando o presidente brasileiro abordou a situação de Crivella, o sul-africano afirmou que a decisão caberia ao Ministério das Relações Internacionais e Cooperação.
A resposta evasiva a uma solicitação do chefe do Executivo brasileiro consolida a percepção de que o país africano tem objeções à indicação.
Crivella esteve em Brasília nesta quinta-feira (21) para um encontro com o vicepresidente Hamilton Mourão (PRTB). Ele não deu declarações à imprensa após a reunião. Mourão, por sua vez, disse que não tratou da indicação diplomática com o ex-prefeito. “Que eu saiba, esse processo está parado. Mas ele não tocou nesse assunto, nós conversamos sobre a questão política no Rio de Janeiro”, afirmou.
A indicação do ex-prefeito do Rio para chefiar a embaixada brasileira em Pretória é uma maneira de Bolsonaro agradar a Igreja Universal do Reino de Deus, que no momento atravessa uma crise no continente africano.
A situação mais grave para a igreja comandada pelo bispo Edir Macedo ocorre em Angola, onde religiosos locais se rebelaram e passaram a acusar lideranças brasileiras de crimes financeiros.
Assim, o racha da Universal no país africano se converteu em ponto de atrito entre os governos de Brasil e Angola.
Um dos capítulos mais tensos dessa crise se deu em meados de maio, quando 34 brasileiros ligados ao trabalho missionário receberam a notificação em Luanda de que seriam deportados. A igreja passou então a cobrar de Bolsonaro um maior envolvimento do Itamaraty na defesa da instituição no país africano.
Com proporções menores, a Universal também enfrenta tensões tanto na África do Sul quanto em Moçambique.
De acordo com interlocutores, autoridades de Angola
e de Moçambique fizeram chegar à administração Ramaphosa preocupações de que Crivella venha a transformar a embaixada brasileira em Pretória em uma espécie de posto avançado da Universal no continente. Além da oposição dos dois países, a escolha causou constrangimento no Itamaraty e criou uma saia justa doméstica para o governo sul-africano.
O impasse sobre o nome do ex-prefeito também tem consequências, ao menos a curto prazo, no nível de representação do Brasil na África do Sul. O atual embaixador, Sérgio Danese, é um dos diplomatas mais graduados do Itamaraty e permaneceu no posto por apenas cerca de um ano —o ministro das Relações Exteriores, Carlos França, resolveu deslocá-lo para chefiar a missão brasileira no Peru.
Danese foi sabatinado pelo Senado na terça -feira (19) e, a partir de agora, a embaixada brasileira em Pretória ficará sob o comando interino de um encarregado de negócios. A presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Kátia Abreu (PPTO), criticou a substituição de Danese durante a sabatina.
“Quero registrar o meu desânimo em relação a essa transferência. Não que o Peru não seja um país importante —é também—, mas a África do Sul é um país especial”, afirmou ela. “Eu tenho a convicção, com toda a falta de especialidade, que ele [Danese] seria muito mais útil ao Brasil e às nossas relações se tivesse permanecido lá no seu posto.”