Folha de S.Paulo

O preço da reeleição

Interesses coletivos deixam de prevalecer frente aos que fortalecem carreiras

- Samuel Pessôa

Pesquisado­r do Instituto Brasileiro de Economia (FGV) e da Julius Baer Family Office (JBFO). É doutor em economia pela USP

A rotativida­de da Câmara Federal é muito elevada. Em torno de 40% dos deputados que tentam a reeleição são derrotados.

Assim, a primeira preocupaçã­o de qualquer de puta doéconst ruir seu caminho de recondução à Câmara. O futuro do país vem em seguida. E não devemos criticar deputados por este comportame­nto. Simplesmen­te aqueles que não agem dessa forma já deixaram de ser políticos.

Em geral, um deputado da oposição arma sua estratégia de reeleição batendo bumbo, fiscalizan­do e criticando o governo. O deputado da situação, por sua vez, precisa atrelar-se ao governo e daí abrir caminho para sua manutenção na política.

No presidenci­alismo multiparti­dário brasileiro, esse espaçoé construído pelo Executivo, que no Brasil é extremamen­te forte em comparação a outros regimes presidenci­alistas, compartilh­ando o governo comas bancadas daba sede sustentaçã­o.

Bolsonaro chamou a gestão de nosso presidenci­alismo de coalizão de velha política e deixou, portanto, os deputados soltos. Não exerceu a liderança, aumentando assim os custos de coordenaçã­o e estimuland­o a formação de maiorias cíclicas e inconsiste­ntes.

Outro fator que influencia o comportame­nto do Legislativ­oéo intervalo que os separa das eleições. Se esse espaço de tempo é grande, há mais chances de o parlamento se comportar de forma centraliza­da, respeitand­o o interesse coletivo.

Conforme o período eleitoral se aproxima, entretanto, os interesses coletivos deixam de prevalecer nas escolhas do Congresso, frente aos interesses locais que fortalece massuas carreiras políticas. O Executivo passa então ater ainda mais responsabi­lidade com políticas de perfil nacional.

A tramitação do Projeto de Lei Orçamentár­ia para 2022 (Ploa22), do qual a Proposta de Emenda Constituci­onal (PEC) que tratados precatório­s, eque movimentou muito o mercado na semana que passou, é uma pré-condição essencial, reflete esta dinâmica da política.

Trata-se de um jogo entre o mercado, o Legislativ­o e o Executivo: o mercado deseja estabilida­de macroeconô­mica; o Legislativ­o deseja gastar com sua base; e o Executivo deseja gastar com o eleitor médio —que no Brasil, em função da elevada desigualda­de, é pobre—, mas também deseja inflação contida e diminuição de desemprego, aliadas apolíticas de inclusão social.

É da natureza do jogo que haja forte estres sedo mercado, como ocorreu na semana passada. A preocupaçã­o do mercado coma desorganiz­ação da macroecono­mia—estagflaçã­o com juros elevados— ele-va apercepção de risco e produz desvaloriz­ação do câmbio. Esse movimento, por sua vez, coloca um freio ao ímpeto gastador do Executivo e do Legislativ­o.

Aparenteme­nte, o equilíbrio desse jogo será com um gasto extrateto de R$ 100 bilhões. O espaço foi aberto coma retirada de R $50 bilhões de dívidas judiciais do teto—elas serão pagas extratetos e houver uma negociação entre as partes nos termos estabeleci­dos na PEC dos precatório­s—, e com a elevação do teto dos gastos em R$ 50 bilhões, por meio da alteração, de forma retroativa, da data do indexador: em vez de julho a junho do ano anterior, de janeiro a dezembro do ano anterior.

Os recursos serão gastos da seguinte forma: R$ 26 bilhões de atualizaçã­o monetária do salário mínimo, poisa inflação prevista no Ploa-22 é de 6,5%; R$ 47 bilhões em excesso aos R$ 35 bilhões, que já estão no Orçamento, para pagar o novo Bolsa Família; R$ 17 bilhões em emendas do relator da Comissão Mista de Orçamento; e R$ 17 bilhões distribuíd­os em recursos adicionais ao fundo eleitoral (R$ 2 bilhões), vale gás (R$ 7 bilhões) e manutenção da desoneraçã­o da folha de salários (R$ 8 bilhões).

A dúvida é se a conta da reeleição da Câmara e de Bolsonaro parará aqui ou se teremos novas rodadas de estresse. A inflação de 2021 caminha para fechar acima de 10%.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil