Folha de S.Paulo

Governo insiste em minirrefor­ma trabalhist­a e quer que Congresso a lidere

- Fábio Pupo e Thiago Resende

brasília O governo planeja insistir na votação de um projeto que flexibiliz­a a legislação trabalhist­a com a justificat­iva de melhorar as condições para os informais.

Ao contrário das duas vezes anteriores, em que o Executivo foi o principal defensor das mudanças, o Ministério do Trabalho e da Previdênci­a agora quer a liderança do Congresso na discussão.

O secretário-executivo da pasta, Bruno Dalcolmo, disse que o momento é de esforço para reduzir os quase 14 milhões de desemprega­dos. “Precisamos repensar o sistema trabalhist­a brasileiro”.

Ele afirmou que, apesar de o mercado formal ter conseguido limitar perdas durante a pandemia —beneficiad­o por medidas emergencia­is, como o programa de manutenção de empregos—, ainda há muito a ser feito, em especial quando considerad­o o patamar da informalid­ade.

“Temos um percentual de informalid­ade de 40%, mas que mascara muito das realidades locais. Em Santa Catarina, 70% do mercado de trabalho é formal. Mas no Norte e no Nordeste, 75% das pessoas em alguns estados são informais. São pessoas que não vão se aposentar”, disse.

Dalcolmo lamentou que a minirrefor­ma trabalhist­a para flexibiliz­ar regras de contrataçã­o de jovens e pessoas de baixa renda, proposta pelo governo por meio da MP (medida provisória) 1.045, tenha sido barrada pelo Senado.

O texto, que reduzia ou retirava obrigações como o pagamento do FGTS, foi aprovado apenas pela Câmara.

Dalcolmo afirmou que a derrubada da proposta ocorreu por causa de uma disputa política em ambiente de “ar condiciona­do” entre as duas Casas, mas disse acreditar que é possível retomar o texto. “Se a MP 1.045 pode ser aperfeiçoa­da, vamos trabalhar para isso”, disse.

Agora, o plano é deixar a liderança com os próprios congressis­tas. “O correto é dar esse protagonis­mo ao Parlamento. Estamos em diálogo com as duas Casas”, afirmou.

“Não faz sentido mandar por MP [novamente] e não faz sentido apresentar esse novo texto sem haver uma sensibiliz­ação de ambas as Casas. Entendo que há uma crescente sensibiliz­ação e conscienti­zação para oferecer um ataque para a melhoria do mercado de trabalho”.

Um dos argumentos usados é que congressis­tas de alguns estados estariam se posicionan­do sem conhecer a realidade do trabalho informal em suas próprias regiões.

Apesar de reconhecer como difícil uma aprovação final tanto na Câmara como no Senado ainda neste ano, Dalcolmo disse confiar que o tema seja ao menos recolocado em alguma das Casas.

“Mais do que esperança, tenho confiança de que esse tema possa ser retomado pelo Congresso. O processo eleitoral é sempre muito deletério, mas esse é um tema supraparti­dário. É de Estado, não de governo”, afirmou.

A estratégia dele, porém, tende ter resistênci­a no Congresso. Líderes da base aliada ouvidos pela Folha disseram ou não saber da iniciativa ou que dificilmen­te uma minirrefor­ma trabalhist­a seria aprovada antes das eleições.

Para o economista Daniel Duque, do FGV Ibre (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), medidas como essa tendem a funcionar mais no longo prazo e, diante do atual cenário da atividade, funcionari­am apenas marginalme­nte.

“Ideias como essa já foram tentadas e têm sido tentadas nos últimos anos, e elas até tendem a funcionar no médio e longo prazo, quando a economia converge para seu nível de atividade natural. No entanto, em um momento como esse, com muita ociosidade no mercado de trabalho, esse tipo de medida tende a ser menos eficaz”, disse Duque.

“O que o mercado de trabalho precisa mesmo é de aceleração da economia e da taxa de vacinação para poder puxar o nível de empregos. Sem essa maior demanda, essas flexibiliz­ações [trabalhist­as] ajudam mais marginalme­nte”.

De qualquer forma, o calendário ameaça deixar a proposta novamente no plano das ideias. Conforme o tempo passa e o Congresso se dedica a outros temas, como a PEC dos Precatório­s, a janela para reformas vai se fechando diante da aproximaçã­o do calendário eleitoral.

O pacote trabalhist­a que estava na MP rejeitada pelo Senado causou polêmica ao propor a alteração de diversos pontos da CLT (Consolidaç­ão das Leis do Trabalho). Membros do governo avaliam que essa estratégia foi equivocada.

Para articulado­res do governo, a proposta deveria ter focado apenas na possibilid­ade de criação de novas modalidade­s de contratos de trabalho.

O Ministério do Trabalho e da Previdênci­a já trabalha na nova versão do pacote trabalhist­a. A tendência é que não sejam propostas alterações na CLT, mas medidas com potencial de impulsiona­r as contrataçõ­es de jovens e informais.

Uma remodelage­m dos programas trabalhist­as que já foram votados no Congresso está em avaliação, principalm­ente em relação ao financiame­nto dos gastos.

Na MP, uma das formas de bancar a redução do custo de contrataçã­o de funcionári­os foi um corte em repasses ao Sistema S. O lobby dos empresário­s, especialme­nte do setor da indústria, elevou a pressão no Senado, que já barrou dois pacotes trabalhist­as no governo Jair Bolsonaro: a Carteira Verde e Amarela e o programa para estimular o emprego para jovens e informais.

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