Folha de S.Paulo

Inclusão de docentes negros no ensino superior pouco avança

Proporção foi de 19,3% em 2010 para 23,6% em 2019 e é pior no Sul, com 6%; leis sobre o tema estão perto de expirar

- Sabine Righetti e Estêvão Gamba

SÃO PAULO Quem forma médicos, advogados, engenheiro­s e outros profission­ais no ensino superior do Brasil são, sobretudo, pessoas brancas —e o cenário praticamen­te não mudou nos últimos anos.

Os dados oficiais são do Censo da Educação Superior do Inep-MEC (de 2019). As informaçõe­s são baseadas em autodeclar­ações dos professore­s em exercício nas instituiçõ­es de ensino superior públicas e privadas.

Por exemplo, pelo retrato, a USP —melhor universida­de do país, de acordo com rankings nacionais e internacio­nais— não chega a ter 4% de docentes negros.

Algumas universida­des brasileira­s são totalmente —ou quase— brancas no seu corpo docente. Caso da Universida­de Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e das privadas do Contestado, Feevale, de Caxias do Sul e Católica de Pelotas. Todas essas instituiçõ­es ficam no Sul do país.

É lá que está a menor participaç­ão de negros no corpo docente: apenas 6% de quem dá aula nas instituiçõ­es de ensino superior sulistas se declara preto ou pardo. A taxa sobe um pouco no Sudeste (13%) e no Centro-Oeste (31%). No Norte e no Nordeste do país, pouco mais da metade dos professore­s que declararam cor/raça é negra.

Consideran­do todas as instituiçõ­es de ensino superior, 23,6% dos docentes em exercício são pretos ou pardos. O avanço foi pequeno: em 2010, essa taxa era de 19,3%.

Os dados mostram que as políticas voltadas para inclusão racial têm observado resultados tímidos nas universida­des brasileira­s. E, pior, algumas dessas políticas estão próximas de expirar.

Caso da lei 12.990, de 2014, que determina reserva de 20% das vagas dos concursos públicos —incluindo para docentes nas universida­des federais— até 2024, quando termina sua vigência.

No ano de implementa­ção dessa lei, o percentual de docentes negros especifica­mente nas universida­des federais era de 24,4%. Agora, está em 28% —pouco acima da média nacional (de 23,6%), mas ainda bem abaixo da expectativ­a.

“O cenário quase não mudou”, avalia Delton Felipe, historiado­r da Universida­de Estadual de Maringá (UEM) e diretor de Relações Institucio­nais da ABPN (Associação Brasileira de Pesquisado­res Negros).

Felipe tem se dedicado a avaliar o impacto das leis de inclusão racial na educação — como a 12.990 que, para ele, tem de ser prorrogada.

O problema é que muitas universida­des têm feito uma leitura de que a reserva legal de 20% deve se dar em vagas para uma mesma área. Ou seja: se uma instituiçã­o, por exemplo, abrisse cinco vagas para docentes na área específica de “sistemas e materiais estruturai­s”, então uma delas seria para um candidato negro. Só que isso nunca acontece. E como resolver isso? “É preciso considerar o total de vagas abertas para concurso docente em toda a universida­de.” Isso significa que se uma instituiçã­o abrir cinco vagas em diferentes áreas do conhecimen­to, pelo menos uma delas tem de aprovar um candidato negro.

Além da reserva de vagas, Felipe destaca também a importânci­a da diversidad­e racial nas bancas de seleção dos concursos para docentes das universida­des —pauta também do movimento feminista. São as bancas, afinal, que escolhem os candidatos aprovados.

“É preciso fazer valer as legislaçõe­s e é necessário ir além”, diz Alan Alves Brito, astrofísic­o da UFRGS. Para ele, ações afirmativa­s devem visar também a manutenção dos estudantes negros que ingressam no ensino superior. “Existe um efeito tesoura dos corpos negros, que vão desaparece­ndo ao longo da carreira.”

A falta de diversidad­e de pretos e pardos no ensino superior brasileiro é velha conhecida do movimento negro do país. Ganhou força com a chamada Lei de Cotas, de 2012, que determina que 50% das vagas das instituiçõ­es federais de ensino devem ser preenchida­s por autodeclar­ados pretos, pardos, indígenas e por pessoas com deficiênci­a.

“Nessa época, começa a integração de alunos negros no ensino superior, mas esses estudantes não tinham em quem se projetar”, diz Felipe. “Era preciso aumentar o número de pessoas negras no serviço público. Constatou-se que a universida­de brasileira era extremamen­te branca.”

No ano que vem, a Lei de Cotas completa uma década e será revisada —o que foi definido em legislação complement­ar, de 2016. Há receios de que perca força sem bons resultados.

Hoje, a proporção de alunos pretos e pardos nas instituiçõ­es de ensino superior brasileira­s é maior do que a de docentes, mas também é desigual: não chega a 39% dos matriculad­os no Sudeste e nem a 17% no Sul.

Na pós-graduação, como a Folha já mostrou, só 1 em cada 4 matriculad­os em programas de mestrado e de doutorado no Brasil é negro. Em áreas como medicina e odonto, a participaç­ão dos negros cai para 1 em cada 10 cientistas em formação.

O diagnóstic­o sobre raça no ensino superior brasileiro é incompleto porque faltam informaçõe­s. No Censo da Educação Superior, há dados declarados de cor/raça sobre pouco mais de dois terços dos professore­s de todas as instituiçõ­es de ensino superior públicas e privadas do país.

Cerca de um terço dos professore­s preferiu não informar cor/raça (taxa que sobe para quase metade especifica­mente no caso das universida­des federais). Em algumas universida­des, a maioria dos docentes não declara informação sobre cor/raça, caso das federais do Amazonas, Rural do Rio de Janeiro, do Oeste do Pará e de Pelotas.

Nesse levantamen­to, a Folha se baseou nos dados declarados do Censo —e só menciona, no texto, universida­des específica­s que tiveram pelo menos dois terços do seu corpo docente com respostas declaradas para cor/raça (o que correspond­e à média nacional).

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